Que diferença faz o que Tenório Jr. foi comprar quando desapareceu na Argentina?
Restos mortais do lendário músico brasileiro foram identificados quase 50 anos depois do seu desaparecimento em meio a especulações inúteis
Francisco Tenório Cerqueira Júnior, conhecido como Tenório Jr., é personagem de mais uma das inúmeras tragédias ocorridas durante os anos de chumbo na América Latina. Antes de mais nada, e sobretudo, Tenorinho era um dos maiores pianistas brasileiros em atividade na época. E nada além disso. Não era militante político, não tinha envolvimento com nenhuma organização de esquerda nem nada parecido. Era pianista.
A história é bem conhecida, mas vale ser contada e repetida à exaustão. Durante uma turnê de Vinícius e Toquinho em Buenos Aires, Tenório Jr. – que era o pianista da banda – saiu do hotel em que estava hospedado, na madrugada de 18 de março de 1976, e simplesmente desapareceu.
Toquinho ligou preocupado para Vinícius de Moraes para contar sobre o desaparecimento. A Argentina estava às portas de uma ferrenha ditadura e, como se sabe, milhares de pessoas sumiam por lá naquela época. Ninguém sabe até hoje o que de fato ocorreu. Apenas em setembro deste ano, quase 50 anos depois do desaparecimento, a Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) informou à embaixada do Brasil em Buenos Aires que havia, por fim, identificado o corpo de Tenório Jr. As circunstâncias, no entanto, assim como milhões de outras semelhantes, não foram esclarecidas. E talvez nunca sejam.
O álbum “Embalo”
Tenório Jr., e isso é o que de fato importa, era um grande músico que teve tempo para nos deixar apenas um álbum solo, além de ter participado de gravações de vários outros. “Embalo”, de 1964, é um disco surpreendentemente moderno e antenado com muito do que viria a acontecer dali pra frente na nossa música. Com composições dele próprio, além de outras de Tom Jobim, Johnny Alf, Durval Ferreira, Maurício Einhorn, Baden Powell, Vinícius de Moraes e Zezinho Alves, o disco soa como se tivesse sido gravado nos nossos dias.
Com músicos de primeira como Paulo Moura, Hector Costita, Milton Banana entre vários outros, “Embalos” é um marco da música instrumental brasileira, além de um grande exemplo do que poderia ter sido uma longa e profícua carreira.
Especulações inúteis
Artigo assinado por Sylvia Colombo e Thea Severino, publicado na Folha em setembro deste ano, afirma entre outras coisas que “segundo relatos, Tenório circulava por lá com uma amante brasileira que havia viajado com ele. O caso foi acobertado na época, pois ele era casado com Carmen, que, no Rio, estava grávida do quinto filho do casal”.
Além disso, diz ainda que, na noite em que desapareceu, “Tenório Jr. saiu, em busca, acredita-se, de cigarros ou mesmo de drogas —segundo amigos, fumava maconha regularmente e consumia cocaína”.
A informação sobre a amante é vergonhosa e inútil para elucidar qualquer questão ligada ao desaparecimento do músico. É pura fofoca. A de que ele poderia ter saído para comprar drogas, já que ele “segundo amigos” as consumia, poderia até ser relevante não fosse mera especulação. Caso fosse verdade, teria talvez sofrido uma batida policial e, posteriormente, desaparecido. Mas ninguém sabe, ninguém viu. E, mesmo neste caso, em um Estado de Direito, teria que ser preso, julgado e, se fosse o caso, condenado. Nunca assassinado, obviamente.
São, enfim, informações completamente inúteis que devem ir para o lixo da história junto com a ditadura argentina.