Conselho de Ética

A longa fuga de Eduardo Bolsonaro

O pedido de arquivamento da representação contra Eduardo Bolsonaro é um símbolo da degradação política e moral que ainda paira sobre parte do Congresso. Mas o tempo está se encarregando de varrer os destroços

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Maria Luiza Falcão Silva é economista com mestrado em Economia pela University of Wisconsin-Madison e doutorado em Economia pela Heriot Watt - Escócia. É professora aposentada da Universidade de Brasília e foi assessora da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Seus trabalhos são voltados para as áreas de Economia Internacional, Economia Monetária e Financeira e Desenvolvimento Econômico . É membro da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed).
A longa fuga de Eduardo Bolsonaro
MANDEL NGAN / AFP

Ninguém mais aguenta ouvir falar de Eduardo Bolsonaro. E, no entanto, ele insiste em reaparecer, como um fantasma de um país que tenta se livrar dos destroços do bolsonarismo. O deputado federal que prometia “liderar a resistência” contra o comunismo não resistiu nem ao dever de permanecer no país que o elegeu. Fugiu — com passaporte diplomático, malas e cuias — e se instalou em Miami.

Eduardo continua fazendo o que sempre fez: nada. Refugiou-se nos Estados Unidos a partir de março de 2025, mantendo agenda internacional e discursando contra o que chama de “intromissão do Judiciário brasileiro” que levou seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, à prisão.

O autoexílio foi generosamente financiado pelo sobrenome. O pai, já condenado e cumprindo pena de 27 anos e três meses de prisão, garantiu o patrocínio político e o amparo financeiro. O filho, por sua vez, tratou de cuidar da própria imagem: fotos em academias, palestras improvisadas e discursos sobre liberdade de expressão. Enquanto isso, o país que o sustentava — com salário, verba de gabinete e assessores pagos pelo contribuinte — continuava perplexo, tentando entender o papel de um deputado que não aparece para trabalhar.

Um arquivamento absurdo

Agora, o relator do processo contra Eduardo Bolsonaro na Câmara dos Deputados pediu o arquivamento da ação disciplinar no Conselho de Ética.

O arquivamento da representação contra Eduardo Bolsonaro é um escândalo político. O relator, deputado Delegado Marcelo Freitas (União-MG), apresentou em 8 de outubro de 2025 um parecer pedindo o fim do processo — um gesto que afronta a moralidade pública e agride o bom senso.

Eduardo é acusado de incitar o golpe de Estado, espalhar fake news, atacar as instituições e abandonar suas funções parlamentares enquanto vivia confortavelmente nos Estados Unidos. Há vídeos, postagens e depoimentos que o situam no centro da engrenagem de desinformação que antecedeu o 8 de janeiro. Ainda assim, o relator considerou as provas “insuficientes” e se amparou na tese de “imunidade material” — como se o mandato parlamentar fosse uma licença para delinquir.

A imunidade material, prevista na Constituição, protege opiniões e votos proferidos no exercício do mandato. Mas não cobre conspiração, incitação à violência ou mentiras deliberadas contra a democracia. Usá-la como escudo para absolver um deputado que traiu o país é distorcer a própria essência da lei.

O parecer ainda será votado por 21 deputados no Conselho de Ética. Se aprovado, representará um divisor de águas: ou o Parlamento mostra que é capaz de se regenerar, ou assume de vez o papel de cúmplice do bolsonarismo decadente.

O deputado fantasma

Eduardo Bolsonaro se tornou um parlamentar ausente, sem projetos relevantes, sem presença em plenário e sem compromissos públicos consistentes. Vive de provocar, insultar e atacar — funções que executa com zelo nas redes sociais, mas que em nada contribuem para o país. Responde por faltas não justificadas à Câmara, estando próximo do limite que pode levar à cassação do mandato.

Durante seu mandato, seus maiores feitos foram insultar embaixadores, defender o AI-5, promover o armamentismo, o golpismo e se autoproclamar embaixador informal de Trump.

Aquele que um dia se apresentou como o “terceiro filho do mito” virou uma caricatura política: um turista do extremismo, que se alimenta de polêmicas para esconder a própria irrelevância.

Eduardo virou um trambolho político

A ironia é que o mesmo Eduardo que chegou a ser cotado pelo pai para o cargo de embaixador do Brasil em Washington, em 2019, hoje é persona non grata até entre seus antigos ídolos. A relação mais amistosa entre Lula e Donald Trump, reaberta em 2025, foi um baque profundo para ele.

Eduardo sempre se viu como o principal canal entre o bolsonarismo e o trumpismo — uma ponte ideológica feita de slogans, armas e fake news.

Mas o cenário mudou. Trump, de volta à Casa Branca, busca alianças pragmáticas com o Brasil de Lula, interessado em equilibrar tarifas, em fazer a América Grande Outra Vez (MAGA, na sigla em inglês), em conter a China e recuperar a hegemonia dos Estados Unidos no mundo, num momento de grandes transformações geopolíticas que desfavorecem os norte-americanos.

Nesse novo contexto, Eduardo virou um trambolho político, um resquício incômodo de um tempo em que o ódio era estratégia diplomática. Nem o presidente estadunidense quer ser associado ao radicalismo do “03”, cuja postura conspiratória perdeu espaço até dentro do Partido Republicano.

De mensageiro privilegiado, passou a estorvo — e Washington já não tem cadeira para ele.

O fim de uma farsa

O pedido de arquivamento da representação contra Eduardo Bolsonaro é um símbolo da degradação política e moral que ainda paira sobre parte do Congresso. Mas o tempo está se encarregando de varrer os destroços.

Hoje, Eduardo é uma figura ridícula, isolada e desacreditada, reduzido a conspirar junto ao neto do ex-ditador João Figueiredo, Paulo Figueiredo, na tentativa desesperada de articular um golpe militar que não vai acontecer. O país seguiu adiante — e deixou o bolsonarismo falando sozinho.

O bolsonarismo está morrendo, não pela força de seus adversários, mas pelo colapso interno da mentira que o sustentava. Morre porque não tem mais base social, nem narrativa, nem aliados internacionais dispostos a bancar sua insanidade.

E se o Brasil quiser, de fato, abrir um novo capítulo, basta fazer o que as ruas já fizeram: enterrar o mito, virar a página e deixar Eduardo Bolsonaro no lugar que conquistou — o rodapé da história.

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