OPINIÃO

Projetos do Ministério das Cidades podem ajudar Lula com a Tarifa Zero no transporte

A Secretaria de Mobilidade do Ministério está criando projetos inovadores, que podem ser acelerados com o apoio político do presidente à pauta

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Graduado em Geografia e especializado em Gestão de Cidades pela USP. Foi coordenador de Mobilidade Urbana do Idec, e já atuou com mobilidade pela Cidadeapé e Ciclocidade. Foi membro do Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades.
Projetos do Ministério das Cidades podem ajudar Lula com a Tarifa Zero no transporte
Rovena Rosa/Agência Brasil

Criado em 2002, no primeiro governo Lula, o Ministério das Cidades tem se consolidado como uma pasta essencial para a qualidade de vida nas cidades. Entre seus programas, a Mobilidade Urbana se destaca, já que a crise do transporte coletivo e o histórico rodoviarista do Brasil transformaram o tema em um problema cotidiano na vida das pessoas.

O desafio é enorme, e a responsabilidade é compartilhada com os municípios e com os estados. Mas, no que cabe ao governo federal, o Ministério está fazendo avanços significativos que podem ajudar a pauta da Tarifa Zero. Propostas como o ‘Refrota - Setor Público’ ou o Marco Legal do Transporte Coletivo são essenciais para organizar uma política com impacto social, econômico, ambiental e humano nas cidades.

A disposição política do presidente de adotar a Tarifa Zero indica que a mobilidade será mais priorizada no Governo. E, se estes programas ainda estão restritos ao nicho técnico do setor, a movimentação do Lula pode ampliar sua relevância e acelerar os impactos positivos, tornando mais visíveis as melhorias na qualidade do transporte no país.

O Marco Legal do Transporte Público é a principal iniciativa para viabilizar um programa de Tarifa Zero com qualidade nas cidades brasileiras. Escrito quase integralmente pela Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana (Semob) do Ministério, o Projeto de Lei prevê uma profunda reorganização na forma como o transporte é regulado no país.

A proposta traz regras para que as cidades possam organizar, contratar, financiar e prestar o serviço de transporte, além de determinar que estados e a União também tenham responsabilidades no assunto. É um tema essencial para avançar, por exemplo, na unificação de redes metropolitanas de transporte público.

Pelo texto, a União poderá criar programas específicos para promover melhorias em serviços e infraestruturas de transporte coletivo, como a Tarifa Zero. O Marco Legal também define que, por se tratar de um direito social, o poder público deve buscar recursos para tornar a política mais inclusiva e atender com qualidade, disponibilidade e universalidade à população. Este financiamento deve cobrir tanto as tarifas, quanto a necessidade de construção de mais trens, metrôs, corredores de ônibus e ciclovias.

Nessa linha, de projetos federais de apoio aos municípios, o ‘Refrota - Setor Público’ se destaca por unir outras diretrizes do Marco Legal. Ao criar um programa de frota de ônibus sob controle das prefeituras, e não das empresas concessionárias de ônibus, se adota uma forma inovadora de contratação, com maior controle público, a partir da separação entre a frota do restante do contrato de operação dos ônibus.

Esse programa está em andamento e deve beneficiar algumas dezenas de cidades nos próximos meses com um orçamento de cerca de R$ 10 bilhões nesta etapa. Por ser mais completo, é também mais complexo do que a modalidade do Refrota voltada às empresas privadas, o que leva o processo a avançar de forma mais lenta. Apesar disso, deve gerar mais impacto na gestão e na qualidade dos ônibus urbanos, e pode ser aprimorado para apoiar o projeto de Tarifa Zero.

Uma das fontes de recursos públicos mais debatidas para a adoção de Tarifa Zero nas cidades é a reformulação do Vale-Transporte, que também está presente no Marco Legal. O projeto, além de tratar a tarifa como uma fonte de receita opcional, autoriza os municípios a criarem tributos sobre empresas locais para custear um padrão mínimo de frequência e disponibilidade dos ônibus. Vale lembrar que a Câmara dos Deputados também iniciou estudos sobre esse assunto, numa comissão que deve ser capitaneada pelo Deputado Jilmar Tatto (PT-SP).

Existe ainda um projeto piloto em desenvolvimento, em parceria com o Banco do Brasil de desenvolvimento de um sistema nacional de bilhetagem do transporte. Esta iniciativa poderá fornecer às cidades que solicitarem o serviço de bilhete eletrônico para os cidadãos, oferecendo às cidades uma forma de cálculo de uso do sistema, e mesmo às cidades com Tarifa Zero a possibilidade de uso de outros sistemas de transporte, como o rodoviário.

Outro tema em que a Secretaria de Mobilidade tem avançado é na estruturação de dados sobre o transporte no país, consolidando o Sistema Nacional de Informações em Mobilidade Urbana (Simu). Os dados são essenciais em um setor que sofre pela falta de transparência e com a ausência de organização e debate de políticas públicas em âmbito nacional. Ou seja, o Simu é fundamental para que o Ministério das Cidades organize e amplie seu trabalho de melhoria do padrão de qualidade dos ônibus e trens urbanos no Brasil.

A infraestrutura de transporte - seja por corredores de ônibus ou redes de metrô - talvez seja o tema que mais precise de avanços. Apesar de estados e municípios cometerem erros graves ao priorizar rodovias, túneis e asfaltamento, em detrimento do transporte coletivo, a União precisa considerar esse contexto e aprimorar seus projetos de apoio à infraestrutura.

Ainda há um foco exagerado em empréstimos de recursos, sobretudo via BNDES, que tem mostrado pouco resultado. Talvez seja hora de reavaliar modelos mais eficazes, com investimentos diretos, como os da antiga EBTU, que construíram corredores de transporte pelo Brasil nos anos 1970 e 1980.

No geral, é possível ver que o Ministério tem conseguido avanços importantes e está alinhado com as discussões mais modernas do setor. Em muitos aspectos a equipe do Secretário de Mobilidade, Denis Andia, mantém um debate mais avançado do que a maioria das cidades. Não restam dúvidas de que a Semob tem plenas condições de apoiar, com qualidade, projetos de Tarifa Zero nos transportes urbanos, como deseja o presidente Lula.

Mas, a adoção de Tarifa Zero em algumas cidades que sejam capazes de ingressar no programa federal deve ser parte de um plano maior de organização do transporte no Brasil. O objetivo deve ser a consolidação de um sistema único e nacional de mobilidade, nos moldes do SUS. A proposta do SUM - o Sistema Único de Mobilidade - que tramita na Câmara dos Deputados, é de autoria da Deputada Luiza Erundina (Psol-SP), e transformaria profundamente o setor no Brasil instituindo um sistema participativo, inclusivo, integrado e universal, capaz de garantir o transporte como um verdadeiro Direito Social.

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