Os shoppings como não lugares - Por Emir Sader
Quem conhece um shopping é capaz perfeitamente de circular bem em qualquer outro shopping do mundo. Eles se sentem “cidadãos do mundo”, quando na verdade são “consumidores do mundo”
Quando alguém entra em um shopping, se desvincula da cidade, da sua vida, das suas ruas, dos seus buracos, dos seus mendigos, do seu comércio ambulante, dos seus comércios, para ingressar e ser totalizado pelo circuito dos conglomerados globais, mediante as marcas. Conecta-se agora aos consumidores de todos os shoppings de qualquer lugar do mundo, que consomem os mesmos produtos, admirando as mesmas marcas, comendo as mesmas comidas, no mesmo tipo de praça de alimentação, vendo os mesmos filmes de sucesso mundial. Como se passasse a pertencer a um outro mundo, a uma outra comunidade, seletiva e articulada pelo mercado globalizado.
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Circulando pelo mundo, esse nomadismo contemporâneo faz com que as pessoas se sintam em casa ao frequentar um shopping em um país e em uma cidade absolutamente distante e distintos de onde vivem, pela familiaridade do não lugar que ele oferece as mesmas marcas, o mesmo ambiente, a mesma iluminação, classes socais similares dos frequentadores.
Quem conhece um shopping é capaz perfeitamente de circular bem em qualquer outro shopping do mundo. Eles se sentem “cidadãos do mundo”, quando na verdade são “consumidores do mundo”. O shopping e’ a realização plena do capitalismo, segundo Beatriz Sarlo. Porque ali tudo é mercadoria, tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra.
Essa cápsula funciona como um oásis diante do “deserto urbano”: tal é a familiaridade dos espaços que faz com que as pessoas se sintam em casa, amparadas nas marcas e nas paisagens conhecidas e reconhecidas. Mesmo iguais em todas as partes do mundo, os shopping centers são partes indispensáveis das viagens de turismo, ainda que seja para conferir preços de produtos exatamente iguais, para se “sentir em casa”, em lugares exóticos, para reencontrar-se consigo mesmo no lugar mais distanciado do mundo. O reencontro com a mesma marca reenvia para cada consumidor a consciência de si mesmo, o reencontro com sua identidade se dá através das marcas e dos produtos, reconhecidos como os mesmos.
O shopping center é um espaço público-privado. Teoricamente aberto ao acesso de todos, mas possui um subliminar mecanismo de seletividade que faz com que não existam pobres ali, menos ainda, menos ainda mendigos ou crianças de rua. Escândalo foi quando movimentos da periferia do Rio de Janeiro se organizaram e foram, em ônibus alugados, a um shopping center da zona sul da cidade. Os funcionários não sabiam como se comportar diante de pessoas que pediam pares de sapatos para elas e para os filhos, experimentavam vários modelos e números, mas depois iam embora sem comprar nada. Os empregados sabiam que eles não iam comprar, mas não podiam se negar a atendê-los, como fazem com os clientes originários de outras classes sociais, com os quais eles estão acostumados a conviver.
Não eram os consumidores com poder aquisitivo, mas não podiam ser impedidos, como cidadãos, com o direito de ir e vir, de ingressar no shopping e em cada uma de suas lojas, para pânico dos funcionários. Outro escândalo foram os passeis de jovens de camadas populares, que marcavam encontro em shoppings, para fazer música, conversar, passear, destoando claramente do público consumidor normal desses espaços. Os encontros, chamados de “rolezinhos”, eram marados pela internet e igualmente causaram pânico nesses espaços público-privados, que foram feitos para serem frequentados não por cidadãos – sujeitos de direitos -, mas por consumidores.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.