Lô Borges

Lô Borges parte em seu Trem Azul

O garoto de tantas canções maravilhosas como “O Trem Azul”, Via Láctea” e “Paisagem da Janela”, parece antecipar com a sua morte o início do fim de uma era

Escrito en Opinião el
Jornalista, editor de Cultura da Fórum, cantor, compositor e violeiro com vários discos gravados, torcedor do Peixe, autor de peças e trilhas de teatro, ateu e devoto de São Gonçalo - o santo violeiro.
Lô Borges parte em seu Trem Azul
Lô Borges. João Diniz/Divulgação

Quem conhece um mínimo sobre Minas sabe que a palavra “trem” tem por lá seus múltiplos significados. Na canção “Trem Zul”, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, um dos grandes sucessos do lendário álbum “Clube da Esquina”, de Lô e Milton Nascimento, ela parece se referir à própria existência, seus desígnios e dúvidas.

E foi assim, de maneira inadvertida e surpreendente, como sempre é neste trem, que Lô Borges chegou ao fim de sua viagem, em uma noite de domingo, após uma internação de mais de 15 dias.

O eterno garoto prodígio, que lançou alguns de seus maiores sucessos com apenas 19 anos, nos deixa, ainda com cara e jeito de menino e uma obra exemplar.

O álbum “Clube da Esquina” foi o lançamento do cantor, ainda bem jovem, como dito acima. A ele, naquele momento, foi designado um certo papel de coadjuvante de luxo de Milton Nascimento. Nada mal, afinal ser coadjuvante do Bituca é mais ou menos como ter jogado ao lado de Pelé.

O toque Beatle

O fato é que Lô não só construiu uma obra magnífica como também foi responsável por aprimorar a música do próprio Milton. Segundo depoimento de seu irmão mais velho, o letrista e parceiro Márcio Borges, no livro “Os sonhos não envelhecem”, ele e Beto Guedes foram os responsáveis por modernizar e dar um toque “Beatle” ao som do Bituca. Foi depois dos “meninos” que Milton incorporou um som mais pop aos seus álbuns.

E isso vem de outra característica dos mineiros. É complicado generalizar comportamentos, mas não há dúvidas de que o povo das alterosas tem um caráter gregário. Vivem juntos, são amigos, se amam e se incentivam. Uma pequena olhada naqueles lindos álbuns e a gente percebe que, assim como em um torneio, todos tocam com todos, participam dos discos, cantam juntos, gravam e regravam suas canções e por aí afora.

É difícil separar os mineiros do Clube da Esquina, destacar essa ou aquela carreira individual. Uns parecem não existir sem os outros e isso se estende para amigos de outros estados e países. Impossível não lembrar, por exemplo, da bela gravação de “Manoel, o Audaz”, de Toninho Horta e Fernando Brant, com participação de Lô e do guitarrista norte-americano Pat Metheny.

Carreira interrompida

E, até o final, Lô Borges seguiu à risca a receita. Seu último álbum, lançado neste ano, foi gravado em parceria com o maranhense Zeca Baleiro. Antes disso, gravou com Samuel Rosa, Fernanda Takai entre muitos outros. A intoxicação por remédios, que acabou resultando na morte do cantor e compositor, interrompeu um artista em plena atividade. No seu site e perfil nas redes aparecem vários shows marcados para os próximos meses.

O Trem Azul chegou, enfim, à sua última estação. Ironicamente, o garoto Lô partiu antes de seu parceiro e padrinho mais velho Milton Nascimento, que teve um quadro de demência divulgado recentemente. O garoto de tantas canções maravilhosas, como “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “O Trem Azul”, Via Láctea” e “Paisagem da Janela”, parece ter antecipado o início do fim de uma era.

Uma coisa, no entanto, é certa. Nossa música nunca mais foi a mesma desde que apareceu aquele garoto de apenas 19 anos, até o final de sua longa e fulminante trajetória.

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