OPINIÃO

Por uma esquerda que volte a divulgar “teorias da conspiração” - Por Francisco Fernandes Ladeira

Um dos grandes desafios da esquerda é recuperar o monopólio da crítica; ser, de fato, antissistema. O termo “teoria da conspiração” deve voltar a causar pânico nos donos do poder, não ser motivo de chacota

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Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu (FI). Autor de quinze livros, entre eles "A ideologia dos noticiários internacionais" (Editora CRV).
Por uma esquerda que volte a divulgar “teorias da conspiração” - Por Francisco Fernandes Ladeira
JIM WATSON / AFP

Em meados do século passado, no auge da Guerra Fria, a CIA, Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, constantemente recorria ao termo “teoria da conspiração” para ridicularizar e deslegitimar seus críticos. Assim, todos que denunciavam os crimes, conchavos, apoios a golpes de Estado, assassinatos de líderes políticos e o desmantelamento de movimentos sociais patrocinados por Washington eram rotulados como “teóricos da conspiração”.

No entanto, o tempo demonstrou que esses indivíduos, ideologicamente à esquerda, estavam certos. As ações dos Estados Unidos eram (e ainda são) o principal fator de instabilidade global. Portanto, cabia à esquerda ser a principal crítica ao imperialismo ianque; ser “antissistema”.

Já no atual contexto, o termo “teoria da conspiração” deu um giro de 180 graus. Mudou de espectro político, sendo associado aos delírios da extrema direita. Enfim, o “sistema”, estrategicamente, encontrou o opositor ideal.

Antes, as “teorias da conspiração” se mostravam coerentes e denunciavam as ações dos donos do poder. Logo, necessitavam de mecanismos mais sofisticados para combatê-las. Não raro, isso implicava a eliminação simbólica ou mesmo física dos “teóricos da conspiração”. Hoje, tais “teorias” estão no campo do jocoso. É Terra Plana, movimento antivax, religião biônica mundial, Ursal, nova ordem mundial e por aí vai.

No entanto, a extrema direita não tem nada de “antissistema” – se formos entender essa classificação como ser contrário ao sistema hegemônico: o capitalismo. Trata-se apenas da face mais radicalizada e estridente do grande capital. O lema bolsonarista “conservador nos costumes e liberal na economia” diz tudo. Infelizmente, boa parte dos jovens comprou o discurso de ruptura da extrema direita, supostamente antissistema, vide o sucesso de nomes como Pablo Marçal.

Mas há algo ainda pior. Com a extrema direita monopolizando a crítica ao status quo, a esquerda fica paralisada, não questionando o “sistema”, pois teme ser confundida com olavetes, bolsonaristas, trumpistas e tantos outros obscurantismos.

Historicamente, não era a extrema direita, mas a esquerda que criticava a grande mídia, a indústria farmacêutica, o Judiciário e a ciência, entre outras instituições a serviço da dominação burguesa.

Portanto, um dos grandes desafios da esquerda é recuperar o monopólio da crítica. Ser, de fato, antissistema. O termo “teoria da conspiração” deve voltar a causar pânico nos donos do poder, não ser motivo de chacota.

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