O shopping center: espelho de uma crise do espaço público - Por Emir Sader
Os shopping centers converteram-se na praça pública correspondente à era neoliberal, são o ponto culminante do ócio mercantil.
Existem shopping centers diferenciados. Alguns em bairros populares, similares aos outros, com versões mais adaptadas dos produtos a setores de classe média baixa, mas com as mesmas marcas. O público consumidor tradicional costuma ir a um shopping nos dias de semana, frequentemente em horários diurnos, até como ostentação de que podem desfrutar do seu tempo como bem lhes aprouver.
Os de nível aquisitivo menor, por sua vez, frequentam shoppings nos fins de semana, como passeio, como lugar de visita, sem necessariamente comprar algo. No máximo comem algo barato, recolhem publicidades repartidas gratuitamente, quando os ricos preferem fazer programas de fim de semana em outros lugares.
Os shoppings, junto com a publicidade, produzem o imaginário de sonhos de consumo tanto nos jovens, como em pessoas de outras idades. Todos os objetos sonhados se concentram nos shoppings, entre marcas, imagens de artistas ostentando roupas e publicidades. As marcas e as etiquetas substituem as antigas referências públicas, passando a constituir um vocabulário novo, com todos os seus clichês, especialmente entre os jovens.
“A velocidade com que o shopping se impôs na cultura urbana não recorda a de nenhuma outra mudança de costume”, diz Beatriz Sarlo, porque sua introdução e rápida difusão não representam apenas uma mudança nos hábitos de costume e de lazer, mas promovem uma reconfiguração dos espaços urbanos em todas as cidades em que ele se faz presente.
Me recordo de ter ido a uma capital de estado brasileira, do norte do país, pouco tempo antes da inauguração do primeiro shopping e de ter retornado pouco depois da sua abertura. E pude sentir as enormes diferenças operadas por essas mudanças.
A praça central da cidade se deteriorou rapidamente. O comércio foi fechando, assim como o cinema de rua da praça, junto com lojas de comida e artesanato locais, que não têm lugar nos shoppings. Toda a região central sofreu o impacto da mudança, se desgastando aceleradamente, enquanto as pessoas passaram a frequentar e circular no shopping, abandonando o centro tradicional.
Beatriz Sarlo conclui sua primeira abordagem do fenômeno: “O shopping apresenta o espelho de uma crise do espaço público em que é difícil construir sentidos; e o espaço devolve uma imagem invertida em que flui dia e noite uma ordenada torrente de significados”.
A contraposição entre esfera pública e esfera mercantil se expressa, de forma direta, na contraposição entre centro da cidade e shopping center, entre praça pública e shopping center, em que este representa a esfera mercantil.
“A ordem do mercado é mil vezes mais eficaz do que a ordem pública: daí que a dinâmica da mercadoria seja mais forte que a do Estado”, segundo Beatriz Sarlo. E ela cita a Sarah Whiting: “A cidade costumava ser grátis; agora é preciso pagar por ela.”
Os shopping centers converteram-se na praça pública correspondente à era neoliberal, são o ponto culminante do ócio mercantil. A “hegemonia cultural” do estilo shopping center se está dando também e ele redefine o gosto dos consumidores.
Afirma Beatriz Sarlo: “já não se critica o shopping center: é excessivamente eficiente e domina o circuito das mercadorias de uma forma tal que só mudará com uma transformação tão radical das formas de consumo como a que ele mesmo trouxe”.
Talvez isto se esteja começando a dar com as compras à distância, por correio. Que não dá para saber em que medida afetarão a centralidade dos shopping centers.
A irrupção dos shopping centers representa também o eixo de um gigantesco processo de privatização das cidades que começa com a crítica das condições de segurança e pela disseminação do medo dos espaços públicos.
“O shopping center chegou no momento em que a cidade se tornava insegura, ou melhor, em que a insegurança, que foi sempre um tema urbano (as 'classes perigosas do século XIX, os delinquentes prontos', para atacar, as prostitutas e seus rufiões, os batedores de carteira e os vigaristas, os perversos, os operários, os desempregados, os mendigos, os doentes ambulantes) se converteu em uma preocupação central: o medo na cidade, o êxodo para os bairros fechados, a enclaves que simulam aldeias, a subúrbios sob controle, o abandono dos espaços aberto por causa de seus controles”, segundo Beatriz Sarlo.