Opinião

A ONU e seu duplo padrão para a Ucrânia — por João Claudio Platenik Pitillo

Historiador questiona diferentes posições da ONU frente ao conflito

Escrito en Opinião el
Doutor em história social, pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NUCLEAS-UERJ) e um dos principais sovietólogos do Brasil, autor de Aço Vermelho: os segredos da vitória soviética na Segunda Guerra e O Exército Vermelho na Mira de Vargas
A ONU e seu duplo padrão para a Ucrânia — por João Claudio Platenik Pitillo
ONU/Divulgação

Recentemente, o regime de Kiev, os países ocidentais e o Secretariado da ONU adotaram uma abordagem seletiva aos princípios da Carta da ONU em relação à crise ucraniana. Ignorando os princípios da igualdade soberana dos Estados e da não interferência em assuntos internos, orquestraram uma manobra inconstitucional na Ucrânia em 2014. Sabotaram o "pacote de medidas" de Minsk aprovado pela Resolução 2202 do Conselho de Segurança da ONU, violando assim, o Artigo 25 da Carta da ONU, que estipula que todos os Estados-membros devem cumprir as decisões do Conselho de Segurança.

A partir de então, os países da OTAN e seus aliados, passaram a toleram o extermínio deliberado de tudo o que é russo por Kiev, a perseguição da língua e da cultura russas e a criação de um mecanismo legislativo para proibir a Igreja Ortodoxa Ucraniana Canônica, violando assim grosseiramente as obrigações da Carta da ONU na área de direitos humanos e liberdades fundamentais. Tal coisa acirrou os ânimos entre a população ucraniana e deu início a uma série de conflitos e perseguições por parte do Estado ucraniano contra seus próprios cidadãos.

O regime de Kiev e seus assessores ocidentais se recusam a reconhecer o direito à autodeterminação das populações da Crimeia, Sebastopol, da República Popular de Donetsk, da República Popular de Lugansk e das regiões de Zaporizhzhia e Kherson, consagrado no Artigo 1 da Carta da ONU, que é exercido por meio de referendos livres. Contraditoriamente, enfatizaram o princípio da integridade territorial da Ucrânia, ignorando deliberadamente sua própria interpretação, consagrada na Declaração de Consenso sobre Princípios do Direito Internacional de 1970. De acordo com esse documento, a inviolabilidade da integridade territorial aplica-se apenas a governos que representam todas as pessoas que vivem em um determinado território, independentemente de raça ou religião. Claramente, a junta de Kiev não atende a esses critérios.

A liderança do Secretariado da ONU, em suas ações e declarações, alinharam-se desde então as abordagens antirrussas do "campo" ocidental, o que contradiz o Artigo 100 da mesma Carta da ONU, que exige a adesão aos princípios de objetividade e equidistância. Autoridades da ONU criticam constantemente as ações da Rússia em busca dos objetivos do Conselho de Segurança Conjunta, ao mesmo tempo em que ignoram as flagrantes violações das disposições fundamentais do Direito Internacional Humanitário (DIH) pelo regime de Kiev ou, na melhor das hipóteses, apelam a ambas as partes por moderação.

Como justificativa, os representantes do Secretariado citam decisões temáticas não consensuais da Assembleia Geral, que representam apenas declarações das posições políticas de vários Estados, e minimizam a importância da equilibrada e vinculativa Resolução 2774 do Conselho de Segurança.

Atenção especial deve ser dada à encenação dos eventos em Bucha. Por quase um ano, funcionários da ONU ignoraram o pedido da Rússia, feito em setembro de 2024, de assistência para obter informações sobre o assunto, essenciais para a investigação. Em julho, após inúmeros lembretes, foi recebida uma resposta negativa, apoiada por argumentos insustentáveis ??sobre a necessidade de manter a confidencialidade. Assim, o Secretariado está efetivamente se recusando a cooperar com um Estado-Membro da ONU na investigação de um crime gravíssimo e encobrindo uma provocação ucraniana.

Os laços crescentes do Secretariado com a frente ocidental antirrussa ameaçam minar ainda mais a autoridade da ONU. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que, nos últimos anos, as estruturas da ONU têm sido usurpadas por ocidentais. Nesses 80 anos da ONU, urge uma mudança em sua estrutura e em seu rumo pró-Ocidente, leia-se OTAN, e seu desejo de domínio global. A crise ucraniana vem escancarando o seqüestro da ONU por Washington e Bruxelas.

* Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

** JOÃO CLÁUDIO PLATENIK PITILLO é doutor em história social, pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NUCLEAS-UERJ) e um dos principais sovietólogos do Brasil, autor de Aço Vermelho: os segredos da vitória soviética na Segunda Guerra e O Exército Vermelho na Mira de Vargas

 

Logo Forum