“Tremembé”: série da Amazon entrega entretenimento de alta qualidade sem perder a crítica de vista
A produção acompanha o dia a dia de Suzane von Richthofen, os irmãos Cravinhos, Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá, Roger Abdelmassih e outros notórios criminosos de Tremembé
Sempre que filmes e séries abordam a história de criminosos hediondos, há o risco de que tudo escorregue para a glamourização - e, às vezes, até para a justificativa dos atos abomináveis cometidos pelos personagens. Mas esse não é o caso de “Tremembé”, nova produção da Amazon Prime Video, que se tornou um fenômeno de audiência ao retratar o cotidiano de alguns dos mais conhecidos criminosos do Brasil.
Dirigida por Vera Egito, que também assina o roteiro ao lado de outros colaboradores, a série acompanha, ao longo de cinco episódios, o dia a dia de Suzane von Richthofen (Marina Ruy Barbosa), Daniel Cravinhos (Felipe Simas), Cristian Cravinhos (Kelner Macêdo), Elize Matsunaga (Carol Garcia), Roger Abdelmassih (Anselmo Vasconcelos), Alexandre Nardoni (Lucas Oradovschi) e outros notórios criminosos da penitenciária que dá nome à produção.
Suzane Richthofen: do inferno ao paraíso?
O ponto de partida de “Tremembé” é uma rebelião em uma cadeia feminina, na qual algumas detentas planejam matar Suzane Richthofen, que escapa por pouco. Após o episódio, ela pede transferência para Tremembé - e o pedido é atendido.
A chegada de Suzane abala a paz da ala feminina do presídio. Ela logo desperta a atenção de Sandrão (Letícia Rodrigues), que comanda o local e mantém um relacionamento com Elize Matsunaga. A presença da nova detenta, porém, ameaça essa relação e muda a dinâmica entre as presas.
A partir daí, a série mergulha quase como um estudo antropológico sobre a mentalidade das detentas. Um dos exemplos é o retrato de Anna Carolina Jatobá, que enfrenta a rejeição das outras presas por ter assassinado Isabella Nardoni, uma criança de apenas cinco anos.

O mundo dos homens em “Tremembé”
No setor masculino, o foco recai sobre Cristian Cravinhos e sua relação com Duda (Pedro João Mariano) - um dos pontos mais comentados e polêmicos da produção. O tema gerou desmentidos do Cristian “real” e respostas do escritor Ulisses Campbell, autor dos livros que inspiraram a série e um dos roteiristas da adaptação.
O que mais chama atenção, contudo, é a forma como “Tremembé” aborda os afetos entre homens. Fora da prisão, eles foram violentos e perigosos; atrás das grades, buscam companhia, escuta e alguém para dividir a solidão. A série propõe uma reflexão delicada sobre masculinidade e desejo, borrando as fronteiras entre homossexualidade e heterossexualidade com naturalidade e sensibilidade.
Celebridades ou monstros?
Além de um texto ousado, “Tremembé” apresenta uma produção de alto nível, com destaque para a caracterização precisa do elenco. Em vários momentos, o espectador esquece que está diante de uma obra de ficção baseada em fatos reais - tamanha é a imersão.
A direção de Vera Egito é um espetáculo à parte. Ela nos conduz para dentro da vida dos encarcerados, gerando empatia e desconforto ao mesmo tempo. O espectador é levado a sentir compaixão, mas logo é lembrado de quem são aquelas pessoas. O resultado é um paradoxo constante: criminosos que cometeram atos abomináveis, mas que também buscam ressocialização. Isso é possível? Essa dúvida paira sobre cada cena.
“Tremembé” é uma série que transita entre ternura, crueldade e arrependimento. Esses sentimentos caminham lado a lado, e nunca sabemos onde termina a emoção genuína e começa a manipulação - afinal, estamos diante de criminosos frios e calculistas.
Assim, a produção se equilibra entre o espetáculo e a barbárie, o holofote e o hediondo, o crime e a tentativa de redenção. Um ciclo sem fim - e impossível de desviar o olhar.