OPINIÃO

A força da cultura brasileira - Por Marcela Canéro

Selton, Fernanda, Eunice e Rubens Paiva nos lembram de uma lição fundamental: a arte é capaz de dialogar com os mais diversos Brasis, de mobilizar, de revelar verdades, de unir um povo contra o autoritarismo que insiste em assombrar

Fernanda Torres e Selton Mello como Eunice e Rubens Paiva em Ainda Estou Aqui.Créditos: Ainda Estou Aqui / IMDB
Escrito en OPINIÃO el

"Ainda Estou Aqui" não foi apenas um filme vencedor do Oscar. É um fenômeno de mobilização popular que precisa ser reconhecido como tal. Em um Brasil que enfrentou um (des)governo declaradamente hostil à cultura, que logo em seus primeiros atos extinguiu o Ministério da Cultura, ver o cinema levando a memória histórica do país para o mundo é um respiro após tempos sombrios. Nas ruas, nas casas, nas redes e na imprensa, a emoção de ver nossa história contada sem melindres – e premiada na Cerimônia da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood – reafirma a força da cultura. A cultura vence o medo, é o antídoto contra o veneno autoritarismo.

Daqui a poucos dias (15/03), celebraremos os 40 anos do Ministério da Cultura. Não à toa, as forças oraculares juntaram os acontecimentos tão próximos. Em tempos em que narrativas tentam criminalizar as políticas públicas culturais, ver uma produção nacional ocupar os espaços mais consagrados do cinema resgata a esperança e reafirma uma certeza: a cultura é capaz de reverter o jogo sujo imposto pelos neofascistas a qualquer custo. Mesmo após o desmonte, o MinC foi reconstruído e voltou a cumprir seu papel fundamental na sociedade. Com políticas públicas estruturantes, investimentos em todas as artes do Brasil e estratégias para o fortalecimento e a salvaguarda das instituições, o ministério não apenas se reergueu, mas se tornou ainda mais consistente e necessário.

Voltando ao nosso filme, Selton, Fernanda, Eunice e Rubens Paiva nos lembram de uma lição fundamental: a arte é capaz de dialogar com os mais diversos Brasis, de mobilizar, de revelar verdades, de unir um povo contra o autoritarismo que insiste em assombrar. Eunice e Rubens, na telona, romperam a barreira do silêncio de uma história que ainda nos persegue, de uma justiça que ainda não foi feita, de heranças malditas que precisam ser combatidas.

Para um bom comunicador, a lição é clara: para enfrentar o fascismo, o obscurantismo e tudo que ainda pode vir, a cultura é o caminho. O teatro é denúncia viva. O cinema nas telas e nas escolas atrai novas gerações para o entendimento. As redes sociais – onde os brasileiros deram uma aula de engajamento no Oscar – são o palco onde devemos atuar para enfrentar as fake news e a desinformação. A música, a literatura e todas as formas de expressão artística têm a missão de ser o espelho da verdade.

A arte, que carrega em sua essência a emoção, o amor e a imensa potência de alcançar corações e mentes, é onde devemos estar para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça os horrores de um passado recente. Nessa onda de pessimismo que nos sufoca, não podemos sucumbir, porque temos uma cultura forte, capaz de mostrar quem, de fato, merece ser varrido para o lixo da história.

"Ainda Estou Aqui" mobilizou um país inteiro, em pleno Carnaval, em clima de Copa do Mundo. Se não aprendermos com esse fenômeno, com esse exemplo, sobre o caminho que devemos seguir na comunicação e na construção de narrativas, não conseguiremos enfrentar a guerra cultural, nem contarmos nossa real história. E não se enganem: essa guerra já está em curso.

Marcela Canéro é jornalista formada pela FACHA, com especialização em Gestão Estratégica de Marketing. Atua principalmente em reportagens voltadas para políticas culturais, movimentos sociais, literatura, mulheres, educação e políticas públicas.

Temas

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar