OPINIÃO

Educação sionista: apagamento da história palestina e formação de militares - parte 2

A base ideológica da Geografia Escolar em Israel consiste na mensagem sionista da redenção e do restabelecimento da pátria-mãe pelos filhos de Israel

Bandeira de Israel.Créditos: Pexels
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Este texto apresenta a continuação da análise que fiz sobre o sistema de ensino de Israel, principalmente dos livros didáticos, a partir da leitura da obra “Ideologia e propaganda na educação”, de Nurit Peled-Elhanan.

Nessa “parte 2”, abordo o recrutamento da disciplina de Geografia para a perpetuação da identidade territorial israelense e a legitimação dos vários massacres do povo palestino nos livros didáticos, em função de seus “resultados positivos” para a consolidação do Estado de Israel. Ou seja, como diz uma famosa expressão: os fins justificam os meios. Segundo a narrativa sionista, qualquer método é aceitável para alcançar objetivos considerados importantes para a nação.

Historicamente, a Geografia, enquanto disciplina escolar, está fortemente vinculada com o poder dos diferentes Estados-Nações, a quem interessa, política e economicamente, a formação de crianças e jovens impregnados pela ideologia nacionalista. E não é diferente em Israel.

Desde seu início, o movimento sionista reconheceu a importância de ensinar a identidade territorial, definida no currículo nacional como “o amor e o conhecimento da nossa pátria-mãe”. Inclusive, na primeira metade do século passado, a disciplina de Geografia foi rebatizada de “estudos pátrios”.

A base ideológica da Geografia Escolar em Israel consiste na mensagem sionista da redenção e do restabelecimento da pátria-mãe pelos filhos de Israel, que, sendo detentores exclusivos dos direitos históricos à terra, voltaram para “casa” após dois mil anos de exílio.

Portanto, no país, se desenvolveu uma forma exclusiva de etnonacionalismo territorial, com intuito de “nativizar” rapidamente os judeus imigrantes. Trata-se do projeto de semitização de indivíduos que vieram de diferentes partes do planeta, tendo em comum apenas o exercício da fé judaica (ou o pertencimento a essa comunidade).

Os conteúdos dos livros didáticos de Geografia hibridizam discursos políticos, históricos e científicos, reforçados por versículos bíblicos, canções patrióticas e poesia heroica.

No empenho de ensinar a “conhecer e amar a nossa pátria”, são louvadas as conquistas sionistas na paisagem palestina, a partir dos avanços no campo da agricultura (domar o deserto, canalizar rios, secar pântanos), da engenharia florestal (restaurar a glória das florestas bíblicas) e na construção.

Também há a legitimação da expansão territorial israelense, como uma espécie de designo divino (uma adaptação moderna da velha narrativa da “Terra Prometida” ao “povo escolhido”). Colônias situadas além das fronteiras oficiais de Israel são apresentados em todos os livros escolares como exemplos de alto padrão de vida, e não como realmente são: assentamentos ilegais. Não por acaso, os livros didáticos não mencionam “A geografia do Estado de Israel”, mas “A geografia da Terra de Israel”, implicando, consequentemente, em todos os mapas, a inclusão de territórios que se situam além das fronteiras oficiais israelenses (regiões ocupadas, que foram tomadas durante as guerras, mas cujo status legal não faz delas propriamente parte do Estado).

Por outro lado, é ocultada, trivializada ou marginalizada a existência de um povo palestino na região, antes da chegada dos judeus sionistas – seja na agricultura, nos ambientes sociais, nas mudanças rurais ou urbanas. Desse modo, os livros didáticos israelenses manipulam a cartografia com a finalidade de excluir os palestinos, enfatizar a ameaça árabe, apagar as fronteiras internacionais do Estado de Israel e legitimar a ocupação da Palestina.

Conforme escreveu Nurit Peled-Elhanan: “A marginalização dos árabes é enfatizada em todos os livros didáticos de geografia: cidades e aldeias árabes no interior de Israel estão ausentes dos mapas e o mundo-da-vida palestino não aparece nos textos”.

Em suma, os livros didáticos de Geografia ensinam os alunos judeus israelenses a ver a si mesmos como donos da terra de Israel/Palestina, a controlar sua população, sua paisagem e seu espaço, e a fazer o que for necessário para aumentar a dominação judaica e seu “desenvolvimento”, ou seja, sua expansão.

Além da Geografia, a História também é manipulada no sistema escolar sionista. Como sabemos, desde o estabelecimento de Israel, o exército do país cometeu inúmeros massacres, tanto de cidadãos palestino-israelenses quanto de refugiados palestinos em suas aldeias e campos de refugiados na Jordânia.

Esses fatos não estão inteiramente ausentes dos livros didáticos de História. No entanto, são legitimados em razão do resultado positivo a que levaram: o estabelecimento e a manutenção de um Estado judaico coerente e seguro, com uma população de maioria judaica.

No negacionista histórico sionista, a Nakba – quando cerca de 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras, após a criarão do Estado de Israel – simplesmente não existiu. O êxito em massa de palestinos foi causado por instigação de seus próprios líderes comunitários e por boatos sobre atrocidades cometidas pelos judeus em vilas árabes.

Já os assassinatos de palestinos, quando admitidos, são vistos como ações irresponsáveis de indivíduos das forças de segurança israelenses (membros marginais da sociedade); nunca apresentados como política do Estado sionista em seu processo de limpeza étnica. Culpam pessoas, não instituições. É o mesmo que, no Brasil, se policiais matam jovens negros em favelas, noticia-se como “caso isolado”.

Tal prática discursiva é definida por Nurit como “legitimação baseada nos efeitos”, quando os acontecimentos são avaliados com base em sua capacidade de provocar mudanças boas ou más, grandes ou pequenas, por isso podem ser justificados por suas consequências. Seus motivos, em contrapartida, são estrategicamente omitidos.

Por exemplo, em um livro didático analisado pela autora, está escrito: “A fuga em massa dos árabes resolveu um terrível problema demográfico”. Nesse caso, o terrível problema demográfico não é apresentado como o motivo do massacre, mas torna-se a posteriori sua causa legitimadora.

Além disso, ao nomear as vítimas dos massacres sionistas como “árabes” – em vez de agricultores, famílias, lavradores – os livros didáticos israelenses recorrem à “genericização” para reenquadrar as vítimas como “o inimigo”, ignorando ou relegando a segundo plano a existência de mulheres, crianças e idosos palestinos, entre outros cidadãos mais vulneráveis. É a mesma linha de raciocínio dos noticiários internacionais da imprensa ocidental, que desumanizam palestinos e recorrem a sentimentos relacionados à alteridade para representar os israelenses.

Como recurso discursivo de manipulação, os livros de História utilizam alguns eufemismos, em que “massacres” são “operações militares”, “em acordo com os preceitos bíblicos”, “monitoramentos”, “incursões” “batalhas de rotina”, “proteção dos cidadãos”, “guerra ao terror” e “ações conformes as normas” (tanto com as normas específicas de Israel quanto com as ocidentais em geral).

Desse modo, a partir de armadilhas e manobras linguísticas, as obras didáticas que chegam às escolas israelenses nunca mencionam os motivos por trás dos massacres, para não ter de apresentá-los como ações propositais. Consequentemente, tais massacres são inseridos na memória coletiva sionista-israelense de uma maneira digerível. Tem-se, assim, um “passado aproveitável”, ao invés da precisão científica que se espera de todo livro didático trabalhado em sala de aula.

Logo, conclui-se que os livros escolares analisados em “Ideologia e propaganda na educação” são propagadores da memória coletiva popular, em vez de produtos da investigação histórica ou geográfica. Eles não introduzem os estudantes nos modos de investigação das disciplinas de História ou Geografia, mas induzem-nos a “dominar” a narrativa principal.

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