ANÁLISE

O diálogo social como prática educativa – Por Heleno Araújo

A educação só se faz boa para todo o país se for construída também por meio do diálogo social, escutando a todos e a todas da comunidade educacional

Imagem Ilustrativa.Créditos: Studio Formatura/Galois/Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Nessa série de artigos em que estamos pautando o Documento produzido pelo Grupo de Alto Nível da ONU, criado pelo Secretariado Geral da entidade ainda no ano de 2022 e que teve seus resultados divulgados no ano passado, teve como objetivo central fazer um diagnóstico global sobre a falta de professores/as em todos os países. E apresentar soluções para o seu enfrentamento, na forma das suas 59 Recomendações que, se cumpridas pelos governos nacionais, têm o enorme potencial de superar o fenômeno conhecido como “apagão docente”.

Aqui falamos de um conjunto enorme de Recomendações da ONU que tratam sobre questões diversas e plurais, desde medidas para solucionar a questão da formação e contratação de professores até indicações de temas como Inteligência Artificial e desenvolvimento sustentável que fazem parte de um temário que anda junto com a educação. Hoje, no penúltimo eixo do Documento abordaremos a importância de os sistemas educativos dos países debaterem todas as questões que envolvem a educação e o papel exercido pelos professores e pelas professoras através do que se conhece como diálogo social.

O diálogo social é um conceito central na área das relações do trabalho que diz respeito ao processo de negociação dos atores sociais nele envolvidos e, no caso da educação, em especial quando nos referimos aos sistemas públicos das redes de ensino que temos no Brasil, envolve o diálogo entre as gestões das secretarias de educação dos Estados, Municípios e do Distrito Federal com as representações sindicais dos professores/as e também as entidades estudantis.

Em nosso país sabemos bem como essa é uma questão difícil de ser enfrentada diante da nossa cultura política autoritária, avessa à transparência e participação política. Nossos governos, de um modo geral, não têm o hábito de, pela política, fazer negociações com os/as trabalhadores/as. Nosso país foi forjado pelas negociações entre as elites políticas e econômicas, por acordos feitos “por cima”, sem a participação da classe trabalhadora. Isso sempre aconteceu, tanto no setor privado como no público. Por isso os especialistas falam em uma cultura autoritária. É algo que paira sobre as pessoas e governos, se impondo de forma automática nas nossas relações.

Enquanto em países europeus como, por exemplo, na Alemanha, temos em toda fábrica ou empresa a participação obrigatória, em lei, de entidades sindicais de trabalhadores/as nos conselhos das empresas ou dos órgãos de governo, no Brasil isso foi um processo conquistado com muita luta e, até hoje, não raro, padece de regulamentação. O processo democrático na Alemanha está tão mais avançado nessa questão que, até nas embaixadas alemãs fora do país, existem os cargos de adidos sindicais, indicados pela central sindical alemã para fazer a interlocução com os movimentos sindicais dos países. Quando vemos isso, percebemos o quanto ainda estamos atrasados.

E eis que o Documento da ONU coloca a questão do diálogo social como algo central a ser exercitado pelos governos nacionais para, na educação, superar os problemas da falta de professores/as nas escolas. O Documento defende que o exercício da profissão docente deve ser regulado e regulamentado pelos próprios pares, por meio de suas organizações de representação sindical. Defende também a participação e escuta ativa das entidades estudantis, de modo que os interesses dos estudantes sejam atendidos. Trata-se de um esforço que os governos devem fazer para exercitar o diálogo social desde a escola, ouvindo os grêmios estudantis e as representações sindicais dos/as educadores/as.

O Censo Escolar de 2023 apontou que apenas 14% das escolas brasileiras contam com um grêmio estudantil organizado no espaço escolar. As dificuldades que os sindicatos de professores/as e funcionários/as da educação têm para exercerem o seu direito à participação é também enorme em nosso país. Temos casos de muitas vezes os dirigentes sindicais sequer conseguirem entrar nas escolas. Isso porque encontram barreiras impostas pelos próprios diretores/as escolares, companheiros e companheiras que fazem parte de nossa categoria. Esse é mais um exemplo de que o nosso desafio é da ordem de nossa cultura política secular. Até nas nossas relações pessoais privadas, somos muito avessos às práticas democráticas de diálogo.

O Documento da ONU termina esse eixo de diálogo social falando sobre a importância de nossas organizações sindicais exercitarem a prática da pesquisa sobre temas afins às políticas educacionais. Que tudo sobre nós seja feito e discutido conosco, ouvindo nossas representações sindicais. Temas pedagógicos, de uso de tecnologias e de inovação devem ser sempre objeto de nosso interesse e ação. No caso brasileiro, devemos fortalecer muitos os espaços dos fóruns estaduais e municipais de educação, bem como não descuidar da nossa responsabilidade em estar sempre atentos à nossa inserção no Fórum Nacional de Educação (FNE). A educação só se faz boa para todo o país se for construída também por meio do diálogo social, escutando a todos e a todas da comunidade educacional.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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