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A Ucrânia perdeu a guerra. Os EUA e a Europa também.

Negociações de paz recomeçam em Istambul e escancaram a realidade

Escrito en Opinião el
Jornalista formado pela Escola de Jornalismo da Énois e cientista social pela USP. Já publicou em veículos como The Guardian, The Intercept, Hypeness, UOL e Carta.
A Ucrânia perdeu a guerra. Os EUA e a Europa também.
Zelensky e Giuseppe Cavo, chefe do comitêm militar da OTAN. President Of Ukraine

Nesta quinta-feira (15), iniciaram-se as negociações de paz entre Ucrânia e Rússia em Istambul. Zelensky e Putin estão ausentes, mas as equipes representantes dos presidentes estão em diálogo para conseguir uma solução negociada para o fim do conflito.

Esta é a primeira vez que as partes vão dialogar com foco em um cessar-fogo desde março de 2022, quando um cessar-fogo tinha sido acordado. Contudo, pressões de EUA e Inglaterra impediram Zelensky de acabar com a guerra sob aqueles termos.

Os governos de Joe Biden, Boris Johnson, Emmanuel Macron e Olaf Scholz seguiram incentivando por três anos um conflito via proxy e utilizaram Zelensky como peão no seu jogo de xadrez. Trump recolheu as peças porque assumiu a verdade escancarada, como havia percebido no Afeganistão: esta é uma guerra impossível de ser vencida.

Continuar o conflito tinha dois objetivos: um econômico e outro político. O primeiro, reavivar as indústrias bélicas destes países e seguir alimentando a máquina de guerra do capitalismo ocidental.

O segundo era mais complexo: tentar demonstrar a dominância militar ocidental contra os armamentos russos, testá-los em um teatro de guerra real, enfraquecer a economia russa e Vladimir Putin.

A meta econômica foi bem-sucedida no seu sentido mais puro: nunca se ganhou tanto dinheiro vendendo armas, apesar da guerra ter sido direta responsável pela estagflação europeia que se observa desde 2022 — um fenômeno catalisador da extrema direita.

O segundo propósito não foi nada efetivo. Os equipamentos caríssimos desenvolvidos pela OTAN não foram capazes de impor derrotas significativas a Moscou; a economia russa cresceu e se industrializou depois da guerra e Vladimir Putin se consolidou como vilão no Ocidente, mas seguiu popular na Rússia, como mostram as pesquisas do Instituto Levada, e ganhou tração de popularidade na África.

No campo de batalha, a Rússia consolidou e se estabilizou controle sobre Repúblicas de Donetsk, Lugansk, Zaporizhye, Kherson e uma parte minoritária de Kharkiv. Desde 2024, não houve grandes mudanças nessas regiões, com lentos avanços russos em especial em Donetsk.

O grande câmbio de rota da guerra foi a invasão do oblast de Kursk pelos ucranianos, que conseguirma se estabilizar por um período de alguns meses no território russo, uma medida de distração efetiva que  se transformou em um dos capítulos mais sangrentos do conflito.

Contudo, a reconquista do território no início de 2025 fez com que os ucranianos perdessem sua principal moeda de troca em uma negociação com os russos.

Os equipamentos ocidentais não foram capazes de evitar a perda de quase 30% do território ucraniano. Isso, me desculpem, é perder uma guerra.

É claro que Vladimir Putin não saldou os seus objetivos conflito. A ideia de desnazificar a Ucrânia ou de afastá-la ideologicamente do Ocidente não foi bem sucedida. É claro que Kiev não entrará na OTAN nos próximos anos, mas deve continuar sendo um polo de inteligência anti-Rússia.

Mas só de se sentar à mesa e reconhecer a necessidade de se chegar à paz, Zelensky faz uma declaração factual de derrota. E traz consigo seus financiadores ocidentais. Quem enriquecerá com os espólios da guerra serão os bilionários que compraram a Ucrânia rifada e os acionistas das empresas de armas que lucraram terrivelmente com esta guerra.

Mas neste Vietnã frio e inóspito do Donbass, conte-se mais uma derrota dos EUA. Perderam em Saigon, Cabul, Baghdad e agora, em Donetsk.

* Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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