Fabricando a realidade paralela: como a extrema direita usa a mentira para manipular a opinião pública
A fabricação e disseminação de mentiras pela extrema direita configuram um ataque frontal à integridade das instituições
O episódio da falsa alegação de que a primeira-dama brasileira, Rosângela da Silva, a Janja, teria viajado à Rússia com malas recheadas de dinheiro ilícito, rapidamente desmentido pela apuração jornalística, exemplifica a metodologia de manipulação da opinião pública pela extrema direita. Essa manobra se insere em um padrão de disseminação de notícias falsas e teorias da conspiração, que explora as vulnerabilidades do ambiente digital para construir narrativas que atendem a seus objetivos políticos e fragilizam adversários. A análise desse caso, à luz da obra de Giuliano da Empoli, "Os Engenheiros do Caos", revela o uso das técnicas e a eficácia das fake news, das teorias da conspiração e dos algoritmos para disseminar o ódio, o medo e influenciar eleições.
A gênese de uma mentira na era digital geralmente começa com uma alegação sensacionalista, sem evidências, que circula nas redes sociais frequentemente acompanhada de vídeos ou imagens manipuladas. No caso de Janja, a invenção baseou-se em informações reais de sua viagem à Rússia, criando uma narrativa conspiratória envolvendo um “esquema de corrupção” que se iniciou no governo Bolsonaro mas foi revelado no governo Lula. A contabilidade de “200 malas” e a suposta “interceptação pelas autoridades russas”, prontamente desmentidas pela imprensa, ilustram a audácia na fabricação da mentira mas revela a eficácia de sua engenharia. O uso de um vídeo real de uma operação policial realizada meses atrás na Paraíba para “provar” a apreensão na Rússia, demonstra como a desinformação se apropria de elementos verídicos para dar credibilidade à narrativa inventada. E funciona.
A disseminação de fake news, como observado por Empoli, é facilitada por ferramentas digitais e pela manipulação dos algoritmo, no que ele nomeia de política quântica. O “marketing viral” é evidente na rápida circulação do ataque a Janja, com algoritmos priorizando conteúdo engajador, mesmo que falso, ampliando o alcance dessas mentiras. A estrutura das plataformas digitais permite envio massivo de mensagens personalizadas, facilitando a disseminação de invenções.
Outro elemento dessa tática é a participação de indivíduos que propagam essas narrativas. Os “trolls” replicam e amplificam mentiras, conferindo legitimidade através de comentários e compartilhamentos. No caso de Janja, a menção a “vídeos supostamente gravados por funcionários do aeroporto” cria a impressão de disseminação espontânea.
A extrema direita converteu a política em um “reality show”, onde o objetivo é manter a atenção da mídia e dos seguidores - e isso é facilitado pela polêmicas. A invenção sobre Janja tem o objetivo de gerar engajamento e alimentar a desconfiança em relação ao governo. A veracidade dos fatos é secundária frente ao efeito da narrativa. Nesse contexto, a verdade é irrelevante.
Empoli destaca o investimento em “analistas físicos” que coletam e analisam dados para personalizar a comunicação. A criação de uma narrativa específica e viral sugere a compreensão das dinâmicas da opinião pública online e das vulnerabilidades de determinados grupos.
Além do caso Janja, outros exemplos recentes ilustram essa tática. Durante o mesmo período, fake news sobre a ministra Simone Tebet distorceram seu pronunciamento, tentando imputar a ela uma fala negativa em relação aos pensionistas do INSS. Até o novo Papa Leão XIV foi alvo de alegações infundadas da extrema-direita brasileira, de que teria feito “orações em prol de Jair Bolsonaro”, o que jamais aconteceu.
A eficácia dessa estratégia se dá pela velocidade da disseminação online. O viés de confirmação, por sua vez, leva as pessoas a acreditarem em informações que corroboram suas crenças. É o “efeito da verdade ilusória”, onde a repetição de mentiras as faz parecer verdadeiras. A desconfiança nas instituições tradicionais cria um ambiente propício para essas narrativas alternativas. Mas o isso é um círculo vicioso: a desconfiança torna o ambiente propício a essas narrativas; e as narrativas aumentam essa desconfiança.
Diante dessa realidade fugidia, urge desenvolver estratégias específicas de combate à desinformação. A apuração rigorosa da imprensa, a educação midiática da população e a responsabilidade das plataformas digitais na moderação de conteúdo são essenciais. A sociedade deve estar vigilante e engajada na desconstrução dessas narrativas, fortalecendo o debate público baseado em fatos. A fabricação e disseminação de mentiras pela extrema direita configuram um ataque frontal à integridade das instituições, demandando uma resposta firme e unificada para salvaguardar um espaço público saudável, plural e genuinamente informado.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum