Crônica

No trem para Moscou – Por Esther Rapoport

Olhei para o nosso trem e não me pareceu rústico como seria na Bolívia, nem sofisticado, como seria na França. Era Russo!

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Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha.
No trem para Moscou – Por Esther Rapoport

Me senti em outro tempo histórico.

Olhei para o nosso trem e não me pareceu rústico como seria na Bolívia, nem sofisticado, como seria na França. Era Russo!

O trem não era velho mas não era novo. Tinha uma “ferro-moça” que ficava na porta conferindo o bilhete de viagem e nossos passaportes. Aliás, na Rússia não existia uma carteira de identidade, só o passaporte, mesmo para se deslocar internamente.

Encontramos nossa cabine. Eram dois beliches e uma mesinha central, embaixo da janela. Tinha um colchão enrolado sobre cada cama com um travesseiro no meio. Depois passou a “ferro-moça” e entregou quatro sacos de plásticos com lençol, fronha e toalha de rosto.

Dali a pouco entrou o quarto passageiro, um rapaz, que se sentou ali no nosso lado sem nem um “oi”. Já estava começando a me acostumar com a frieza pessoal russa.

Fiquei observando e perguntando tudo: temos que arrumar nossas camas, podemos usar o banheiro até meia hora antes da chegada, tem chá no corredor, com um copo de vidro dentro de um suporte lindo de prata com o logo da Ferrovia, tem um vagão restaurante, quando acende e quando apaga a luz, etc etc e, de repente, o quarto passageiro revelou que falava (e muito bem) inglês, e entrou na nossa conversa sobre viagens. 

Uma hora depois da partida começamos a nos arrumar para dormir. O rapaz saiu da cabine para podermos trocar de roupa.

Fiquei na cama de cima e de lá podia observar tudo que acontecia dentro e fora do trem. Lá fora estava tudo nevado, o trem estava deslizando ritmado e fiquei relembrando toda a história que já tinha rolado naquele caminho, e era muita história ... Mudanças profundas em curto espaço de tempo. Saltaram de um reino medieval para o socialismo e depois, a jato, para um capitalismo feroz. Queria entender o esforço deste povo para se adaptar a cada mudança. Me senti enriquecida com a experiência, o contato com as diferenças culturais que ia encontrando, o que sempre estimula muito a minha curiosidade, e o trem era cômodo, silencioso, histórico ... estava deleitada em dormir embalada por estes pensamentos quando o quarto passageiro voltou para nossa cabine, tirou o sapato e o casaco, subiu na sua cama, a outra cama alta, e eu caí real: que catinga e que chulé!!! 

Acabou o clima bucólico da minha reflexão, descobri, desesperadamente, que não podia abrir a janela e que a porta devia ficar fechada. 

Rezei à Lenin, que me desse resistência e força para aguentar essa tortura olfativa, apaguei a minha luz de leitura, enfiei a cara no travesseiro até quase sufocar e tentei dormir!

Boa noite .... até Moscou!!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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