A palavra “Mutantes” é dita apenas uma vez durante a uma hora e pouco que dura o documentário “Rita Lee: Mania de Você”, dirigido pelo argentino Guido Goldberg. O longa, que estreou na plataforma Max nesta quinta-feira (8), data em que completa exatos dois anos da partida da rainha do rock brasileiro, tem um recorte bem claro. O início do sucesso com a carreira solo da cantora e compositora.
Quem não conhece nem nunca ouvir falar de Rita Lee – como se isso fosse possível – vai imaginar que sua trajetória começou em 1975, com o lançamento do álbum “Fruto Proibido”. Nem mesmo seus primeiros álbuns solos, “Build Up”, de 1970; “Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida”, de 1972 e “Atrás do Porto tem uma Cidade”, de 1974, são citados.
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O ponto de partida do filme é seu primeiro grande sucesso, a emblemática canção “Ovelha Negra”. Trata-se, no entanto, de uma opção. “Rita Lee: Mania de Você” não se arvora a ser uma cinebiografia. Vai muito além disso. É, no final das contas, é um filme lindo, centrado nela, sua obra consagrada e, sobretudo, seus grandes casos de amor: seu marido, o multi-instrumentista, compositor e produtor Roberto de Carvalho, e os três filhos do casal, Beto, João (Juca) e Antônio (Tui).
Do rock para o mundo
Ao deixar os Mutantes e, posteriormente, uma sonoridade mais ligada ao rock, Rita Lee perdeu um pequeno público e ganhou uma multidão. E Roberto de Carvalho teve um papel fundamental nisso. Ao lado do marido ela fez álbuns impecáveis, com canções talhadas para o sucesso e sonoridade perfeita, prontas para o mundo. Não à toa, o fundamental guitarrista Luis Sérgio Carlini, da lendária banda Tuti Frutti, fala em entrevista da época mostrada no filme, que a separação se deu justamente por isso. Ela virou uma cantora pop e eles permaneceram tocando rock. Nada contra nem um nem outro.
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O fato é que, exatamente a partir de “Ovelha Negra”, Rita Lee começa a virar uma estrela de primeira grandeza. E é a partir deste instante também que ela se torna uma das nossas maiores feministas, sem talvez nunca ter feito proselitismo ou sequer dito esta palavra. Como bem ressaltam Gilberto Gil, e sobretudo, Ney Matogrosso, ela foi uma libertária sem precedentes e sofreu perseguições por conta disso. Foi uma das compositoras mais censuradas durante a ditadura e teve uma prisão deveras esquisita em 1976, que até hoje não foi totalmente esclarecida.
Carta inédita
Tudo isto e um tanto mais está no longa. O diretor, em uma manobra arriscada, optou por centrar toda a história em uma carta deixada por ela pouco antes de morrer para o marido e os filhos. Segundo um aviso que aparece logo de cara, os depoimentos foram gravados cerca de quatro semanas antes da cantora partir. O que poderia despencar para a pieguice vira uma ode de amor à mãe, esposa, artista e ser-humano rebelde e controverso que o Brasil e o mundo aprenderam a amar.
A relação dela com Roberto de Carvalho – que cai no choro em vários momentos – é uma daquelas coisas que poucos têm a chance de viver. Ela se declara a ele em vários momentos, em shows, programas de TV e entrevistas. Ele, por sua vez, afirma que vai dormir e acorda todos os dias para ela e por ela.
O documentário consegue ir do público, enorme público, ao mais íntimo sempre conectando as coisas sem deixar uma ponta solta. Vida, obra, paixão, amor, celebração e continuidade se dão as mãos quase como um conto de fadas, com direito às suas mazelas e bruxas, mas com um final quase feliz.
No final das contas, “Rita Lee: Mania de Você” é comovente. E só não se chora quem já morreu.
Veja o trailer abaixo: