Raul Pont cobra auto-crítica do ex-Campo Majoritário

Deputado gaúcho aponta "avanços" nas teses aprovadas, mas cobra retratação. Para ele, não se pode governar com a direita sem pagar o preço

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Deputado gaúcho aponta "avanços" nas teses aprovadas, mas cobra retratação. Para ele, não se pode governar com a direita sem pagar o preço

Por Anselmo Massad

O convite para a entrevista foi aceito em meio às cadeiras que se esvaziavam após o fim das votações e os preparativos para a solenidade de abertura do Congresso. Raul Pont, deputado federal (PT-RS), ex-secretário executivo do PT e signatário da tese Mensagem ao Partido, é parado por seis vezes para assinar textos de emendas, cumprimentar militantes, ouvir elogios à história política e até à função de guru.

– Meu líder – exclama uma jovem paulistana com crachá de observadora – preciso tanto ouvir você falar, porque está difícil, estou com muita raiva desse partido – prossegue entre risos. – Ah, é? Então vamos conversar amanhã – devolve, sorridente. – Vamos. E ano que vem, vou para lá [Porto Alegre] fazer campanha, porque aqui não vai dar.

Pont responde que ela já está convidada e segue para a próxima parada: representantes de partidos de esquerda latino-americanos que, observadores internacionais, estão havia seis horas sem entender bem o que havia se passado na apresentação e votação das teses para os três eixos em discussão. O deputado passa a explicar num resumo em portunhol, o funcionamento.

Apontou a vitória do texto-guia do ex-Campo Majoritário para os três eixos, incluindo a última, apertada, porque houve concentração de forças entre as correntes minoritários. Aglutinamento insuficiente, porém, para vencer a votação. Mas ele considera que os textos aprovados não são de todo ruins, já que houve recuos do ex-Campo.

– Tivemos dificuldades no Pará e na Bahia, onde poderíamos ter tirado mais delegados, mas é onde estamos com governos de estado – explicou.

A conta é que os quadros do partido estão tão ocupados com a administração que não conseguiram conciliar com a organização partidária. Resultado: Belém e Salvador, as capitais, por exemplo, não tiveram quórum para eleger delegados diretamente ao encontro nacional.

A entrevista partiu daí. Confira os principais trechos.

Fórum – O senhor falava há pouco de recuos da tese "Construindo um novo Brasil"... Raul Pont – Não é bem um recuo, mas os textos apresentados não são exatamente a prática do primeiro mandato do presidente Lula. Tentamos, por quatro anos, discutir a taxa de juros, a necessidade de crescimento econômico. O Campo Majoritário dizia que não tinha que discutir isso. Agora, o texto não faz uma auto-crítica, mas incorpora o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e a visão de crescimento como se isso sempre tivesse sido defendido. Não explicam porque era pecado e agora é virtude falar nisso. Agora vamos ter de passar mais quatro anos para discutir democracia e participação popular? O texto aprovado parece concordar com a democracia participativa e o orçamento participativo, mas nem há cobranças ao governo. Se o país precisa de um PAC, o povo precisa de um plano de aceleração da democracia, democratizando o Estado, o orçamento, a elaboração de políticas públicas. Com democratização na estrutura de empresas públicas, como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, os Correios, mostrar formas diferentes de administrar, mostrando que o funcionário público não é um burocrata que apenas cumpre normas sem criatividade. Desburocratizar o Estado também é um modo de democratizá-lo. A tese aprovada não dá ênfase que acreditamos, mas vamos tentar conseguir isso nas emendas amanhã [sábado].

Fórum – E a questão do Caixa 2 e das estruturas internas? Pont – O mesmo ocorre com o partido. Ter mais controle da base sobre a direção, sustentação financeira pelos filiados, mandatos não tão longos para promover a renovação do partido são questões que defendemos. A tese aprovada prevê quatro anos de mandato, enquanto queremos dois, como foi nos primeiros 20 anos do partido – só mudou em 2001, quando campo impôs os três anos.

Fórum – Na sua visão, o que é o socialismo petista? Pont – Todos os documentos do PT mostram que nascemos criticano as experiências socialistas soviéticas e do Leste Europeu, bem como a social democracia européia. A origem do partido poderia até não ser claro para todos os militantes, mas para os dirigentes, a vanguarda, era muito claro. Para nós, o Muro de Berlim não caiu em 1989, porque já criticávamos tudo aquilo, defendíamos um socialismo crítico e plural, com pluripartidarismo, sem uma força toda-poderosa, mas com democracia intrapartidária, com direito de tendência e representação proporcional. E incorporando reivindicações de movimentos sociais na luta contra o racismo, contra a opressão da mulher, pelas questões ambientais etc., até então fora da política partidária no Brasil. Não tínhamos respostas para todas as questões, mas buscamos fazer discussões que culminaram no Orçamento Participativo e na busca por democracia participativa, muito mais ampla. As respostas estariam em um novo parlamento, menos burocrático, mais sólido na relação com os eleitores e movimentos sociais. Mudanças que caminhassem para o fim da propriedade privada, com uso racional dos recursos do planeta, em busca de redução da desigualdade. Não abdicamos e defendemos esses pontos, ainda que não dêem conta de todas as questões internacionais e outras, mas a prática teria que refletir isso. Achávamos que, ao chegar ao governo federal, seria o momento oportuno, mas foi frustrante e o debate diminuiu. O pragmatismo diminuiu o debate, e acredito que o Congresso seja o momento para retomá-lo.

Fórum – Falando em pragmatismo, deve haver mecanismos no PT para punir e coibir práticas como o caixa 2 que culminaram na crise de 2005? Pont – Nos vários pronunciamentos, o que aconteceu no Campo é que tem gente que faz auto-crítica e pensa em mudar, mas não está muito definido como isso seria feito. O pragmatismo no governo teve, na crise ética de 2005, uma consequência direta. É mais do que um desvio ético, é errado e têm que pagar. O que levou à crise foi o caixa 2, o financiamento de partidos aliados e o uso de recursos do partido por certas correntes ferindo o princípio de lealdade. Não se pode governar com a direita sem pagar o preço ou tentar corrompê-la, o que acabou por corromper parte do partido. É uma visão errada, mas muitos, incluindo alguns dos cassados, não fizeram a auto-crítica.