O político Sergio Moro: de algoz de Lula a superministro de Bolsonaro

Fórum entrevistou juristas sobre o que representa a nomeação do juiz da Lava Jato no Ministério da Justiça

Brasília- DF- Brasil- 07/04/2015- O juiz federal Sérgio Moro participa de apresentação de um conjunto de medidas contra a impunidade e pela efetividade da Justiça, na sede Associação dos Juízes Federais do Brasil (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
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[caption id="attachment_144186" align="alignnone" width="700"] Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil[/caption] Para o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a nomeação de Sergio Moro no Ministério da Justiça “significa um tapa na cara do Poder Judiciário. Esse homem mandou prender o maior opositor do atual presidente eleito, saiu do cargo de juiz com maior visibilidade do país, agiu com mão de ferro, sempre dizendo que jamais faria política. Esse homem recebeu o principal ministro do presidente que estava para ser eleito antes das eleições e continuou no cargo. Eu acho que é uma afronta à liberdade do Poder Judiciário”. [caption id="attachment_144188" align="alignnone" width="500"] "Caiu a máscara. O Moro sempre foi isso aí e está demonstrando agora", diz o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay - Foto: Carlos Humberto/SCO/STF[/caption] O advogado cita o que, em sua opinião, é uma agravante: “E pior: não se exonerou imediatamente. Ele tinha a obrigação de fazer isso. Ele tirou férias e agora está fazendo reuniões e dando entrevistas como ministro da Justiça. Eu entendo que se ele quisesse assumir um cargo político, pois o Ministério da Justiça é evidentemente um cargo político, ele tinha obrigação ética, moral de imediatamente ter se exonerado. Não é correto. Mas ele tem uma visão muito própria do que é correto e do que é incorreto. Para ele, correto é aquilo que ele faz. Caiu a máscara. O Moro sempre foi isso aí e está demonstrando agora”. Para o jurista, essa nomeação não se trata de um fato isolado. “Tudo isso é um plano, uma ideia. Acho que ele quer ser presidente da República, o que é um direito dele, e ele tinha um plano: usou o Judiciário abertamente, com toda aquela aparente neutralidade – ‘Eu julgo todo mundo igual, eu condeno todo mundo’. Acho que nós, advogados criminais, vamos ter muito trabalho pela frente. Eu, como cidadão, reconheço que vivo um momento de muita perplexidade e preocupação ao ver esse reacionarismo assumir o país”. Marco Aurélio de Carvalho, advogado especializado em Direito Público e membro integrante dos grupos Prerrogativas e Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), espera que o Ministério da Justiça não seja utilizado como instrumento de Estado. “Espero que não vire um aparato repressivo de um partido político, de um projeto político. É claro que ele teria condições de utilizar o Ministério da Justiça para isso, mas espero que a opinião pública e a imprensa acompanhem e repreendam essa tentativa. Vamos torcer para que isso não ocorra”, destaca. Fernando Hideo, advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal na Escola Paulista de Direito, avalia a questão da seguinte forma: “Fato é que o juiz mais aclamado pela mídia brasileira e por agências econômicas internacionais abandonou a magistratura para ingressar de vez no mundo da política. Mais especificamente: o juiz que mandou Lula para a prisão aceitou ser chefiado pelo sujeito que prometeu deixar Lula apodrecer na cadeia”. Ele observa que, do ponto de vista do cidadão Sérgio Moro, embora haja questionamentos legítimos de entidades junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não há empecilho legal para sua nomeação. “Mas penso que devemos refletir sobre as questões sob a ótica moral e as consequências institucionais dessa transição de carreiras”. “Em primeiro lugar, compromete-se a credibilidade do magistrado: as decisões pretéritas do juiz Moro perdem qualquer aparência de imparcialidade que ainda restava, colocando-se em uma situação característica de suspeição. Em segundo lugar, limita-se a atuação de uma das mais importantes pastas do Executivo, pois as expectativas sobre os atos futuros do ministro Moro se resumem à expansão da lógica bélica Lava Jato como racionalidade de governo. Acontece que a atuação do Ministério da Justiça (especialmente agora, como um “Superministério”) é muito maior do que simplesmente o combate à criminalidade. Além disso, os obstáculos políticos que Moro enfrentará para implementar a sua agenda serão muito mais difíceis de transpor do que aqueles que enfrentava em seu gabinete no Poder Judiciário”, ressalta Hideo. Quarentena Questionado sobre se Moro deveria aguardar um período para ingressar definitivamente na política, Marco Aurélio acredita que sim. “Se bem que esse ingresso na política agora é meramente simbólico, formal. Ele já estava na política quando usou a função que abraçou para tirar do processo eleitoral o então candidato favorito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Então, ele sempre atuou com dimensão política, sempre olhando para os holofotes, sempre procurando a aprovação da opinião pública, atuando em conluio com setores da imprensa, com setores da política tradicional para atingir tais resultados”. [caption id="attachment_144189" align="alignnone" width="500"] O advogado Marco Aurélio de Carvalho: "Eu acredito que tem que haver uma espécie de quarentena para todo e qualquer juiz que queira entrar na política" - Foto: Arquivo Pessoal[/caption] Para o advogado, Moro já tinha usado a toga para fazer política. “Eu acredito que tem que haver uma espécie de quarentena para todo e qualquer juiz que, por ventura, queira entrar na política. Não vejo nenhum problema que entre na política, mas a quarentena é fundamental, exatamente para evitar que a função pública seja utilizada com interesses político-eleitorais, político-partidários. Então, é uma quarentena, que poderia equivaler a um, dois ou três anos e seria muito saudável, muito bem-vinda”, avalia. Segundo Fernando Hideo, Moro tem agido politicamente desde, ao menos, o início da Operação Lava Jato. “O que distingue a atividade jurídica e a política? A função de um juiz é aplicar a Constituição e a lei de modo imparcial e objetivo. Já o conceito do político, segundo Carl Schmitt, remete à identificação e ao combate de um inimigo. Assim, fica a reflexão: o que o juiz Moro tem feito nos últimos anos, se não orientar o exercício da sua função de magistrado para um anunciado combate de inimigos rotulados de corruptos? A verdade é que combater inimigos não é função de juiz, mas uma atividade tipicamente política”, ressalta. Kakay tem opinião semelhante: “Sem dúvida, tem que haver uma regulamentação sobre isso. Um cidadão não pode ser um juiz hoje, ajudar a decidir os destinos de uma eleição, mandar prender os opositores, ajudar a implementar uma pauta no país e imediatamente entrar no governo que ganhou”. A procura O próprio Sérgio Moro admitiu que foi procurado por Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, antes do término das eleições. Para Marco Aurélio, esse fato só agrava a situação. “Mostra que houve, de fato, da parte dele um descuido absolutamente imperdoável, que provocou, seguramente, um resultado eleitoral que o beneficiou. Ele atuou com dimensão política dentro do cargo que ocupou e ninguém duvida disso, muito ao contrário, a própria opinião pública internacional tem o seu veredicto, seu diagnóstico a respeito. Infelizmente, esse episódio apenas confirma o que a gente sempre falou, que ele estava atuando com o objetivo claro de tirar das eleições o franco-favorito: o ex-presidente Lula. Então, ele ter sido convidado no primeiro turno ainda, ter tido o comportamento que teve, de expor uma delação inconsistente, a delação do Palocci, com resultados eleitorais é, no mínimo, questionável”. Kakay é contundente em relação à questão: “Acho absolutamente imoral que um juiz receba um pedido de um governo que, de certa forma, ele estava claramente ajudando e que, imediatamente após a eleição, resolva sair do cargo e aceitar esse pedido”. Na avaliação de Hideo, é indiscutível que as decisões do juiz Moro impactaram o processo de impeachment da presidenta Dilma e a corrida eleitoral que conduziu Bolsonaro à presidência. “Aceitar ser comandado por um sujeito que se beneficiou da sua atuação enquanto magistrado para ser eleito presidente compromete a mínima aparência de imparcialidade que ainda poderia existir.” [caption id="attachment_144192" align="alignnone" width="500"] Na avaliação do criminalista Fernando Hideo, é indiscutível que as decisões do juiz Moro impactaram a corrida eleitoral que conduziu Bolsonaro à presidência - Foto: Arquivo Pessoal[/caption] Prêmio Marco Aurélio de Carvalho tem absoluta convicção de que Moro recebeu uma espécie de prêmio. “Se eventualmente Jair Bolsonaro quisesse chamar um juiz para ocupar o Ministério da Justiça não faltariam opções. Há juízes extremamente sérios e comprometidos com a função pública e extremamente respeitados pela classe e pela opinião pública, muito mais, inclusive, do que o próprio Sérgio Moro e com muito mais experiência. Ele escolheu Moro, seguramente, como um reconhecimento ao papel que ele teve nessas eleições”, destaca. “Foi uma jogada de mestre da equipe do presidente eleito. Bolsonaro só tem a ganhar. De cara, associa sua imagem ao juiz mais aclamado pela mídia brasileira e por agências neoliberais internacionais. Futuramente, se o novo ministro fracassar pode dispensá-lo a qualquer momento. Por outro lado, se for bem-sucedido pode fazê-lo seu sucessor ou nomeá-lo ao Supremo Tribunal Federal (STF). A nomeação do juiz Moro agrega ao novo governo de militares a aclamação midiática de uma vertente autoritária do Poder Judiciário”, afirma Hideo. Kakay, por sua vez, não acredita “nessa história de toma lá, dá cá, como se fosse uma espécie de prêmio por ele ter tirado o Lula da eleição. Isso é um plano, adredemente preparado por todo um grupo. Ele faz parte de um grupo que quer tomar o poder. Ele próprio está se dando um prêmio, pois ajudou a construir isso”. Lula Para Marco Aurélio, uma vez no ministério, Moro pode interferir ainda mais nas pautas que têm relação com o presidente Lula. “Ele já demonstrou isso, inclusive, na coletiva que deu. Foi muito preocupante a forma como se comportou, ao sinalizar que queria rever a execução provisória das penas. O objetivo é claro, deixar mais pacífica a discussão sobre a presunção de inocência, que poderia favorecer o presidente Lula. Isso é muito grave, que precisa ser duramente repreendido. Se ele utilizar o Ministério da Justiça com o objetivos político-partidários, como fez com a função pública de juiz, ele vai, seguramente, sofrer processos e as consequências dessa ação. Agora, que é possível ele utilizar na dimensão de prejudicar ainda mais o presidente Lula, ninguém tem dúvida, infelizmente”. Hideo, por sua vez, não acha que a preocupação futura de Sérgio Moro seja o ex-presidente Lula. “Ao que me parece, ao entrar na política, seu real objetivo é a sucessão de Bolsonaro”, avalia. Pautas reacionárias Como será que Moro vai lidar com as pautas mais reacionárias de Bolsonaro, como permitir que professores sejam gravados em sala de aula, o projeto “Escola Sem Partido” ou outras agendas relacionadas ao discurso de ódio do militar, como criminalizar movimentos sociais, por exemplo? “Ele vai ter muita dificuldade. Eu sou um crítico de Moro, mas, evidentemente, ele tem uma formação, é um homem preparado. O Bolsonaro não conhece nada. É um homem de rompantes. Estive agora na França e todas as pessoas com as quais eu conversei tinham a perplexidade de como o Brasil elegeu um homem tosco e primário como Bolsonaro. O Moro, evidentemente, não é um homem primário”, reflete Kakay. O criminalista cita a entrevista coletiva concedida por Moro. “Ele colocou que tem posições, mas é um subordinado. Quando o presidente eleito foi ao Congresso Nacional, teve mais ou menos um quarto de tempo de cobertura na grande imprensa em relação à entrevista do Moro. O Moro apareceu muito mais do que ele, teve muito mais destaque do que ele. Não sei como o Bolsonaro vai reagir a isso. A pergunta é ‘Como o Bolsonaro vai lidar com a posição do Moro?’, ‘Quanto tempo eles vão conseguir suportar um ao outro?’. Veja bem, os dois têm uma visão reacionária e de direita do mundo, principalmente do Direito. Mas é diferente. O Moro já leu, é um homem que conhece o Direito, embora eu seja opositor a ele. O Bolsonaro não conhece absolutamente nada. Será que o Moro vai abrir mão de todas as suas convicções só pelo poder? Ele já demonstrou que pelo poder faz quase tudo, mas será que fará tudo?”, questiona Kakay. [caption id="attachment_144191" align="alignnone" width="500"] Kakay: "O Moro já leu, é um homem que conhece o Direito, embora eu seja opositor a ele. O Bolsonaro não conhece absolutamente nada" - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil[/caption] Marco Aurélio acredita que o juiz vai se distanciar das pautas mais polêmicas. “Com toda a franqueza, Sérgio Moro se comunica muito bem. Seguramente, ele vai se afastar das pautas problemáticas e se aproximar daquelas que têm mais apelo popular, maior apoio popular. Não há a menor dúvida disso, pois ele é muito inteligente e utiliza muito bem a comunicação para interagir com a opinião pública. O que for polêmico e o que não for do agrado da opinião pública ou de parte dela, não vai ser objeto da atenção dele. Ele vai dizer que, embora integre a equipe do governo, integra em uma outra dimensão e que não tem relação direta com esses temas, vai fugir dessas polêmicas”. Fernando Hideo menciona um artigo publicado, no ano de 2004, sobre a Operação Mãos Limpas, deflagrada na Itália. “O juiz Moro já exaltava o apoio da mídia como condição para o sucesso de ações judiciais espetacularizadas. Penso que deve seguir a mesma lógica agora na política, orientando seus atos pelo termômetro midiático”. Onyx Durante sua primeira entrevista coletiva, após ter aceitado ser ministro, Sérgio Moro, ao se referir a Onyx Lorenzoni, seu futuro colega no ministério de Bolsonaro, réu confesso de Caixa 2, disse: “Ele já admitiu e pediu desculpas”. Uma reação, no mínimo, surpreendente para alguém que, ao menos na retórica, sempre se posicionou intransigente quando o assunto é corrupção. “Nesse episódio, Moro acabou inaugurando um novo capítulo na legislação penal e processual do país: um excludente de culpabilidade. É como se o pedido de desculpas tornasse aquela conduta absolutamente lícita, ou eventualmente não passível de responsabilização pelo agente que a provocou. É absolutamente incoerente. Não é a primeira vez que ele se depara com situações como essa: no discurso, diz uma coisa e, na prática, faz outra. Espero que a opinião pública acompanhe para fazer seu próprio julgamento. Mas é a primeira das muitas contradições que ele vai apresentar no decorrer da função que ele abraçou”, diz Marco Aurélio. “Me parece que o juiz Moro compreendeu muito bem a lição de Carl Schmitt, quando o autor alemão diz que a essência da política é a diferenciação entre amigos e inimigos”, observa Fernando Hideo. Na avaliação de Kakay, ele criou um novo tipo de extinção de punibilidade, que é o arrependimento, “em claríssimo desacordo com tudo o que ele fazia como juiz. Ele condenaria, se fosse do PT. Várias condenações dele deveriam ser revistas, se as pessoas simplesmente se arrependessem. Esse é o Moro político. Na verdade, ele sempre fez política, só que ele fazia política com a toga e com o peso do Poder Judiciário atrás dele. Agora, resolveu tirar a toga, por enquanto, não tirou de tudo, porque não se exonerou, e vai fazer a política que ele sempre fez”, completa.