Alexandre Padilha: "Frase sobre mortalidade infantil mostra ignorância de Bolsonaro"

Médico e ex-ministro da Saúde afirma que "bobagem" dita pelo candidato do PSL à presidência é preocupante. "Ele e os aliados dele, que criaram e mantiveram o governo Temer, inventam o tempo todo teses e hipóteses, as mais absurdas, para tentar esconder o dado real, que é o aumento da mortalidade infantil"

Foto: Paulo PInto/Analítica
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"Uma grande bobagem." Esta é a opinião de Alexandre Padilha, médico e ex-ministro das Relações Institucionais no governo Lula, ex-ministro da Saúde de Dilma Rousseff e responsável pela implantação do programa Mais Médicos. Padilha, em entrevista à Fórum, comenta a resposta do candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) no programa Roda Viva sobre mortalidade infantil.  Questionado sobre como faria para reduzir os índices de mortalidade infantil que voltaram a crescer pela primeira vez desde 1990, o militar mostrou desconhecimento sobre a realidade brasileira. "Mortalidade infantil tem a ver com os prematuros. Um bebê prematuro tem mais chances de morrer." Fórum – O candidato Jair Bolsonaro afirmou que a questão da mortalidade infantil, que voltou a crescer no Brasil, está muito ligada ao nascimento de bebês prematuros e que é preciso trabalhar na prevenção de exames na mulher, como exame bucal. O que acha dessas afirmações? Alexandre Padilha – Essa é uma das bobagens, que demonstram a ignorância do candidato militar sobre os problemas diários de nosso país. Isso preocupa muito, porque ele e os aliados dele, que criaram e mantiveram o governo Temer, inventam o tempo todo teses e hipóteses, as mais absurdas, para tentar esconder o dado real, que é o aumento da mortalidade infantil, depois de 26 anos de redução permanente. Isso tem uma relação direta com o sistema de saúde e com a piora da situação social do país. É uma grande bobagem que está dizendo o presidenciável militar Bolsonaro. Quando você tem um crescimento da mortalidade, relacionado a aumento de nascimento de prematuros, há um aumento da mortalidade neonatal. Ou seja, a mortalidade dos bebês prematuros acontece nos primeiros dias, nos primeiros 30 dias. Então, se a tese de Bolsonaro estivesse correta, haveria um aumento de mortes nas crianças nos primeiros 30 dias. E não é isso que aconteceu. Foi exatamente o contrário. Nós tivemos um forte aumento da mortalidade na infância, ou seja, a partir de um ano até cinco anos de idade. Isso tem uma relação direta com a realidade social, com a realidade socioeconômica do país, pois foi um aumento de mortalidade por doenças diarreicas, o que mostra, claramente, a volta da desnutrição e da fome no país. Ou seja, não tem relação direta com a prematuridade. Portanto, é uma grande bobagem, o que não me surpreende, porque ele já falou que não entende nada de economia, de saúde, de educação. E mais do que isso, é mais uma tentativa de quem deu o golpe no país de criar teses estapafúrdias para justificar e esconder a real causa do aumento da mortalidade infantil, que está relacionada com a piora da situação econômica das famílias e com a desestruturação do sistema de saúde. Fórum – Quais são os fatores de desestruturação do sistema de saúde, que estão provocando o aumento da mortalidade infantil? Alexandre Padilha – Primeiro, o governo Temer criou uma regra onde os municípios não têm mais obrigação de manter agentes comunitários de saúde para continuar recebendo recursos da saúde da família. Isso faz com que vários municípios estejam demitindo agentes comunitários de saúde, que são, principalmente, aqueles profissionais que visitam a casa das pessoas que têm maior risco de óbito, que o pré-natal não estava com qualidade. É exatamente o que está sendo desmontado pelo Temer. Segundo, até 2016 houve redução da mortalidade infantil. Em 2017, no primeiro orçamento do Temer, houve corte em dois programas fundamentais, que tratam da mortalidade infantil: a Rede Cegonha, um programa criado na minha gestão no Ministério da Saúde, que buscou qualificar o parto, o pré-natal e o acompanhamento das crianças no primeiro ano de vida. Depois, a redução da expansão das equipes da Saúde da Família e da manutenção dos médicos do programa Mais Médicos. Temer tirou dez milhões de brasileiros do Programa Mais Médicos. E o terceiro corte, que não é da saúde, foi dos programas sociais, que foram os cortes do Bolsa Família e de assistência social. Também tem impacto direto. A mortalidade infantil, em geral, é um indicador muito sensível, ou seja, oscila rapidamente quando tem mudanças, que possam impactar a realidade das famílias ou do serviço de saúde. Estão tentando esconder, mais uma vez, as reais causas do aumento da mortalidade infantil. Fórum – Da mesma maneira que a mortalidade infantil aumenta de forma rápida, quando há esse desmonte, caso seja retomada uma política de saúde, como vinha sendo feito anteriormente, a mortalidade infantil tende a reduzir de forma rápida, tal como ela aumentou? Alexandre Padilha – Uma das demonstrações disso foi, por exemplo, na cidade de São Paulo. Quando fui secretário do Haddad, nós reduzimos muito a taxa de mortalidade infantil, só pela chegada dos médicos do Programa Mais Médicos nas regiões da periferia. A maior redução foi em Cidade Tiradentes, que não podia ter médico permanente, passou a ter do Mais Médicos na unidade básica de saúde e foi onde mais reduziu a mortalidade infantil. Então, ações como equipe de atenção básica, melhora da situação da família e o programa de assistência ao parto funcionando rapidamente são fundamentais. Uma demonstração disso foi que quando eu era ministro da Saúde, nós recebemos em 2012, o reconhecimento da ONU, porque tínhamos atingido as metas do milênio de mortalidade infantil, que estavam previstas para 2015, ou seja, três anos antes. Isso por conta das ações do Rede Cegonha e da expansão das políticas de assistência social no país, que garantiam uma rede de proteção social às famílias mais vulneráveis. Fórum – Além das políticas relacionadas diretamente com a saúde, o que mais pode ser feito para diminuir novamente os índices de mortalidade infantil? Alexandre Padilha – É muito importante, além das políticas de saúde, mudar a regra que o atual Congresso Nacional aprovou, do congelamento de investimento nos próximos 20 anos para saúde, educação e assistência social. Tem um estudo recente, feito por pesquisadores da Fiocruz, publicado nas principais revistas internacionais, que é preocupante. Eles fizeram uma projeção que se esse congelamento de 20 anos continuar, além da redução que já fizeram no Mais Médicos, nas próximas duas décadas nós vamos ter mais de 20 mil crianças morrendo a mais em nosso país.