Globo defende a Lava-Jato e "empata" o jogo

Emissora segue a agir como partido, que organiza o discurso conservador no Brasil e tenta salvar a imagem de Moro

Foto: Lula Marques/PT
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Desde o Mensalão, em 2005, a TV Globo cumpre o papel de organizar o discurso da direita no Brasil. Importante frisar bem esse verbo: ela "organiza" todo um campo político, e não apenas divulga ou reforça o discurso dos setores "liberais". É conhecida a afirmação do pensador italiano Antonio Gramsci de que, nos momentos de crise, os jornais (na época dele, primeira metade do século XX, não havia TV) cumprem o papel de autêntico "partido da burguesia". A Globo fez isso mais uma vez nesta segunda-feira (10) à noite, com o Jornal Nacional que se seguiu ao escândalo dos vazamentos de conversas entre Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato. No domingo à noite e na manhã de segunda, a emissora ainda tateava, com uma cobertura cuidadosa e quase "neutra". Foram necessárias 24 horas para que a Globo agisse como comitê central da burguesia brasileira e finalmente desse a linha do partido: - Moro e a Lava-Jato foram vítimas de vazamentos ilegais; - Por serem fruto de uma ação ilegal, os vazamentos revelados pelo site The Intercept não podem ensejar nulidade dos processos, nem muito menos facilitar a libertação de Lula. De forma transversal, o subtexto da gigantesca cobertura do caso no JN era: "não ousem desmontar a Lava-Jato agora; Moro e a operação seguem a ser nossa joia da Coroa." Com o JN de segunda, a Globo "empatou" um jogo em que o ex-juiz e seus garotos colaboradores no MPF vinham sendo massacrados de forma impiedosa. As mensagens obtidas por "The Intercept" mostraram que, entre juiz e acusação, havia uma promiscuidade que, segundo o Código de Processo Penal, deveria gerar a suspeição do magistrado e a nulidade dos processos. Mais que isso: ficam claras nas mensagens trocadas entre os rapazes de Curitiba que a Operação Lava-Jato cumpriu papel politico-partidário de impedir a vitória de Lula em 2018. Numa velocidade surpreendente, OAB, operadores do Direito (no Judiciário e na Academia) e setores de centro-direita e de centro até então simpáticos à Lava-Jato, jogaram Moro ao mar. O agora Ministro da Justiça descobriu o que é ser tratado como suspeito, numa coletiva em que os repórteres avançaram sobre ele de forma furiosa em Manaus. Moro, ali, tinha a fisionomia de um pugilista nocauteado, mas que seguia em pé, encostado às cordas. O procurador Deltan Delagnoll também surgiu num vídeo, tentando reagir, mas com aparência quase chorosa. A Globo de Ali Kamel percebeu o perigo iminente. O JN de segunda lançou uma boia para impedir que a Lava-Jato fosse desmontada. Esse fato tem importância. A Globo sinaliza que a Lava-Jato é uma risca no chão que permite, na prática, a interdição do PT e de Lula. Se essa linha for ultrapassada, Lula e o PT voltam com muita força ao jogo. A cobertura da emissora teve o papel de enviar sinais ao STF e aos setores do Centrão que, ao longo da segunda, emitiam sinais de que Moro e a Lava-Jato podiam ser inviabilizados. A família Marinho pareceu dizer: "alto lá, está muito cedo para isso!" "A capa do jornal da família Marinho, nesta terça (11/06), é bastante didática do movimento feito pela maior empresa de comunicação do país: o que interessa não é o conteúdo escandaloso das conversas ilegais entre juiz e procuradores.... Mas o fato de que a Lava-Jato foi vítima (pobrezinha) de vazamentos. Quando Dilma foi vítima de vazamentos (perpetrados por Moro e seus rapazes, em 2016), a Globo fez o oposto: o que interessava era expor a conversa com Lula, sem questionar o fato de uma presidenta ser vítima de grampo ilegal (leia mais sobre isso aqui)". O desgaste e a desmoralização de Moro e da Lava-Jato são irreversíveis entre operadores de direito, entre professores e setores médios que acompanham o noticiário de forma mais apurada. Isso não tem volta. A imagem do super-juiz está trincada. Hoje se sabe (e éramos poucos os que apontavam isso desde 2014) que a Operação de Curitiba é toxica para a Democracia: um veneno de delações, partidarismo, vazamentos e falta de limites.  Aqueles que inocularam o veneno no Brasil hoje provam da mesma substancia deletéria, e têm a cara de pau de reclamar: "somos vítimas de vazamentos", berram os garotos vazadores. O esforço da Globo e de setores da elite, portanto, é de redução de danos: evitar que esse desgaste vire um desmoronamento. Tudo leva a crer, e o que se impõe aqui é o realismo, que essa derrocada não acontecerá. O jogo seguirá "empatado", com Moro mais fraco, sem perspectiva de uma vaga no STF ou de ser candidato a presidente. Mas ainda de pé, como símbolo desse dique de contenção ao PT. Será que o empate persistira por muito tempo? Depende das novas revelações prometidas por Glenn Greenwald (diretor de The Intercept). E depende das ruas, com a Greve Geral de 14/06 e a mobilização crescente de estudantes, professores e setores organizados. Vale lembrar que a Globo pode muito. Mas não pode tudo. Em 2017, tomou a decisão de derrubar Temer após as gravações de Joesley (aquele vazamento, de uma conversa na residência presidencial, não escandalizou a Globo nem seus jovens procuradores em apuros), mas fracassou rotundamente. Se a onda contra Moro avançar mais, a emissora da família Marinho pode se tornar impotente para defender a operação que ajudou a construir. Mas, até lá, a elite brasileira terá ganho algum tempo para costurar novas alternativas políticas. E para manter Lula enclausurado. Joao Dória (PSDB) parece atuar já nesse sentido, pressentindo que os exageros terraplanistas do bolsonarismo e a promiscuidade jurídica de Moro podem fazer dele, o governador de São Paulo, a melhor alternativa para novos embates - pela direita. Falta combinar com os russos. Já que o "Russo" (Moro era chamado assim nas mensagens vazadas dos procuradores), esse já não tem tanto peso. E em breve, talvez, tenha o mesmo fim dos cunhas e temers - usados, e descartados, no jogo sujo do Golpe prolongado que tomou de assalto o Brasil.