Cientista político afirma que "não há contradição" em apoio de PT e PDT a Rodrigo Pacheco

Em entrevista à Fórum, Josué Medeiros afirma que uma possível vitória de Pacheco na eleição para a mesa diretora do Senado não teria o mesmo impacto de um triunfo de Arthur Lira na Câmara, ainda que os dois recebam apoio do presidente Jair Bolsonaro

Rodrigo Pacheco - Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
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Nesta quinta-feira (14), o PDT anunciou seu apoio ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência da Mesa Diretora do Senado Federal. O partido se junta ao PT na chapa formada pelo apadrinhado político de Davi Alcolumbre (DEM-AP), atual presidente da casa.

A composição da oposição com Pacheco gerou polêmica em razão do apoio do presidente Jair Bolsonaro recebido pelo parlamentar.

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Os oposicionistas se juntaram a Baleia Rossi (MDB-SP) na Câmara afirmando que não poderiam permitir que um candidato apoiado pelo chefe do Executivo conseguisse o comando da casa legislativa. Na câmara baixa, o Planalto tem trabalhado por Arthur Lira (PP-AL).

A postura diferente nas duas casas passou a ser alvo de críticas de pessoas que enxergam a movimentação como contraditória.

Para o cientista político Josué Medeiros, professor da UFRJ e da UFRRJ e coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Democracia (NUDEB), essa contradição não existe.

Em entrevista à Fórum, Medeiros afirmou que uma possível vitória de Pacheco no Senado representaria mais uma continuidade do que representa Davi Alcolumbre - alinhado de "modo acrítico" com Bolsonaro - do que um triunfo político do ex-capitão, enquanto um eventual sucesso de Lira na Câmara poderia assegurar o controle do chefe do Executivo sobre o Legislativo.

"A Senado é uma casa revisora, com menor protagonismo na conjuntura política, sem poder de pautar projetos bomba tipo armamento da população ou aumentar o poder das PMs e sem prerrogativa de destravar o impeachment", destaca o cientista político.

Medeiros afirma que em pesquisa realizada por ele sobre a atuação das duas casas encontrou apenas "dois momentos em que o Senado foi mais convulsionado: a disputa entre Jader Barbalho x ACM em 2001 e depois, já no governo Lula, quando o Senado derrubou a CPMF". "Já a Câmara dos deputados é protagonista da conjuntura em vários momentos", avalia.

Nesse sentido, afirma enxergar uma diferença "substantiva" nas duas disputas. "Se o Pacheco vence e o Lira perde, muda pouca coisa ou quase nada com relação ao quadro Maia/Alcolumbre. Se o Lira vence e um cenário hipotético a esquerda elege o presidente do Senado, o quadro seria mais trágico do que o atual, pois o controle da Câmara acabaria com a já remota chance de impeachment e permitiria ao governo controlar a agenda parlamentar", declara.

O cientista político concorda com a avaliação de que a disputa no Senado se centra em um "lavajatismo" contra um "anti-lavajatismo" e que o PT poderia até apoiar o MDB caso a candidatura apresentada não fosse do grupo "Muda Senado", alinhado com as pautas da Lava Jato. Simone Tebet (MDB-MS), lançada pela legenda, faz parte do movimento.

"Esse ponto me parece central. O PT poderia ir com o MDB se o partido tivesse fechado um nome logo e não fosse o de Tebet. De fato, hoje o lavajatismo sustenta suas posições no Senado, nesse grupo chamado Muda Senado. Na Câmara não há mais clima para defender essa agenda. E isso é central para o PT desde a injusta prisão de Lula em 2018", analisa.

Um dos pré-candidatos do MDB era o senador Eduardo Braga (MDB-AM). Braga foi ministro no governo Dilma Rousseff e foi um dos poucos da disputa a não ter se colocado a favor do golpe parlamentar que removeu a ex-presidenta - ele não estava presente na sessão.

"Se ele fosse o candidato acho que seria sim uma construção interessante a ser feita", diz Medeiros. "O problema é que ele não se viabilizou, né?", completa.

Outro fator que pesa é a bancada reduzida da esquerda no Senado. "No Senado, a esquerda não tem como decidir. Na Câmara, a esquerda pode ser o fiel da balança. Eu acredito que a eleição será decidida no primeiro turno e por uma margem estreita de votos para o vencedor", avalia.

Confira a entrevista completa:

F: PT e PDT anunciaram apoio ao senador Rodrigo Pacheco à presidência do Senado. Muitas pessoas enxergaram a movimentação como contraditória, em razão da postura adotada pelas duas legendas na Câmara dos Deputados, de se posicionarem contra o candidato apoiado por Jair Bolsonaro. No Senado, é Pacheco quem possui esse apoio. O senhor enxerga uma contradição?

J: Eu não vejo contradição do PT e do PDT porque historicamente as esquerdas atuam de modo distinto na Câmara e no Senado.

Primeiro, porque uma questão institucional: o Senado é uma casa revisora, com menor protagonismo na conjuntura política, sem poder de pautar projetos bomba tipo armamento da população ou aumentar o poder das PMs e sem prerrogativa de destravar o impeachment.

São raros os casos na história recente em que o Senado foi responsável por alguma questão mais de fundo. Na minha pesquisa sobre as eleições para as mesas das duas casas encontrei dois momentos em que o Senado foi mais convulsionado: a disputa entre Jader Barbalho x ACM em 2001 e depois, já no governo Lula, quando o Senado derrubou a CPMF

Já a Câmara dos deputados é protagonista da conjuntura em vários momentos. Impeachment do Collor, reeleição do FHC, crise do mensalão, presidência do Cunha e golpe de 2016, presidência do Maia e manutenção do Temer no poder.

A segunda questão é quantitativa mesmo. O peso das esquerdas no Senado sempre foi mais limitado. Nessa legislatura, o PT tem 6 senadores, o PDT tem 4, PSB tem 1. É muito pouco.

É possível comparar o deputado Arthur Lira com Rodrigo Pacheco? Qual a relação dos dois com o presidente?

Ambos são vistos pelos parlamentares como corretos e cumpridores de acordos. Acho que a questão principal não é o perfil pessoal deles, mas qual é o papel que cada um terá na constituição do projeto político autoritário do Bolsonaro.

Minha aposta é que o Rodrigo Pacheco está mais preocupado em se consolidar em Minas Gerais do que em ser um testa de ferro do governo. A crise em Minas é dramática, o governo estadual bolsonarista é uma tragédia. O Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), pode ser candidato a governador ou mesmo vir a uma chapa nacional e o Pacheco pode ser uma figura central dessa construção. Tanto que ele foi a BH se reunir com o prefeito para construir sua candidatura.

Está, aliás, foi construída primeiro entre um grupo de senadores e depois teve o aval do governo.

Já com o contrário, ele [Arthur Lira] só pode ser eleito se tiver apoio de Bolsonaro. E até onde eu sei ele não tem pretensões majoritárias no seu Estado. Isso significa que o sentido estratégico da sua gestão será mesmo o de sustentar e fazer o governo avançar nas instituições.

É possível, então, afirmar que uma eventual vitória de Lira atenderia mais à pauta do governo do que a de Pacheco?

Com certeza. A diferença me parece substantiva. Se o Pacheco vence e o Lira perde, muda pouca coisa ou quase nada com relação ao quadro Maia/Alcolumbre.

Se o Lira vence e um cenário hipotético a esquerda elege o presidente do Senado, o quadro seria mais trágico do que o atual, pois o controle da Câmara acabaria com a já remota chance de impeachment e permitiria ao governo controlar a agenda parlamentar

A presidência de Alcolumbre foi muito menos "combativa" à pauta do governo do que a de Rodrigo Maia. Acredita que isso é uma característica do Senado?

Sim e não. De fato, o Alcolumbre se alinhou ao Bolsonaro de um modo muito rápido e acrítico. É possível ter sim um presidente na casa mais independente. O próprio Pacheco, a depender do jogo de forças em Minas, por exemplo, pode se posicionar diferente.

Mas, por outro lado, quais foram as consequências desse alinhamento? Tudo que o governo aprova ou perde é primeiro na Câmara.

A verdade é que o único interesse do Bolsonaro no Senado é proteger o filho dele de investigações. Foi esse o centro do acordo com Alcolumbre e será assim com Pacheco. O resto da agenda é na Câmara.

Uma das alegações do PT para apoiar Pacheco foi o fato da disputa estar entre o MDB e o DEM e que haveria o risco do MDB - o partido marcado pela articulação do impeachment - comandar as duas casas legislativas. Como o senhor avalia um cenário de comando duplo do MDB sobre o Congresso?

Acho que não faria muita diferença o congresso comandado pelo MDB nas duas casas ou MDB e DEM. Essa alegação do PT me parece mais uma desculpa vinda de algum setor mais envergonhado.

Alguns tem afirmado que a disputa do Senado está marcada por um "lavajatismo", que seria representado por Simone Tebet, contra um "anti-javajatismo", que seria representado por Rodrigo Pacheco. Como o senhor enxerga essa afirmação?

Esse ponto me parece central. O PT poderia ir com o MDB se o partido tivesse fechado um nome logo e não fosse o de Tebet. De fato, hoje o lavajatismo sustenta suas posições no Senado, nesse grupo chamado Muda Senado. Na Câmara não há mais clima para defender essa agenda.

E isso é central para o PT desde a injusta prisão de Lula em 2018.

A oposição tem uma presença maior, em termos proporcionais, na Câmara do que no Senado. Acredita que esse fator influenciou na conformação das chapas do Senado?

Com certeza. No Senado, a esquerda não tem como decidir. Na Câmara, a esquerda pode ser o fiel da balança. Eu acredito que a eleição será decidida no primeiro turno e por uma margem estreita de votos para o vencedor.

Um dos pré-candidatos do MDB era Eduardo Braga, ex-ministro do governo Dilma e talvez o único da disputa a não votar favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Ele ainda foi contra a Reforma Trabalhista. Acredita que o PT deveria tê-lo apoiado?

O problema é que ele não se viabilizou né? Acho que justamente por essas características que você falou. Como ele foi próximo demais do PT, não consegue emplacar internamente. Se ele fosse o candidato acho que seria sim uma construção interessante a ser feita.