Bolsolão: Polícia Federal aciona STF para investigar o "orçamento secreto"

Corporação quer apurar suspeitas de irregularidades no uso dos repasses bilionários que estariam sendo utilizados por Bolsonaro para comprar apoio de parlamentares

Repasses do "orçamento secreto" teriam sido utilizados em compra de tratores superfaturados e negociação de apoio de parlamentares ao governo (Foto: Alan Santos/PR)
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A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (19), autorização para investigar suspeitas de irregularidades no uso do “orçamento secreto”, que estaria sendo utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro, em articulação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para supostamente “comprar” o apoio de parlamentares.

“Orçamento secreto”, ou bolsolão, é o nome com o qual vem se chamando as emendas de relator para o Orçamento da União. Essas emendas seguem um rito diferente de outras, que transitam por um rito rígido, atendendo a critérios específicos, para que haja um equilíbrio e uma equivalência entre todos os parlamentares que compõem a Câmara. A prática nada mais é do que um acordo informal que permite ao governo, por meio da direção da Casa, liberar recursos bilionários para que deputados passem a apoiar as propostas encaminhadas pelo Executivo ao Legislativo.

A PF pretende, caso o STF autorize, apurar desvio de recursos e compra de tratores superfaturados a partir dessas emendas. A base para as suspeitas estão em um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). 

Suposta compra de apoio de parlamentares

Nas últimas semanas, essas emendas de relator, que já somam R$ 16,9 bilhões, foram muito utilizadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para para garantir a aprovação em 1° turno da PEC dos Precatórios, o calote que permitirá ao governo Bolsonaro financiar o programa eleitoreiro Auxílio Brasil.

Deputados relataram que, além de encampar manobras regimentais, Lira chegou a oferecer liberações de R$ 15 milhões para quem decidisse votar a favor da PEC de última hora. A PEC foi aprovada com um margem bastante apertada, com apenas 4 votos além do necessário. Segundo o Estadão, o montante oferecido por Lira apenas nessa votação chega a R$ 1,2 bilhão.

Essa liberação de recursos para a aprovação da PEC dos Precatórios é base para uma ação do PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF). No último dia 5, a ministra Rosa Weber suspendeu a execução dessas emendas e, na última terça-feira (9), a decisão foi confirmada pela maioria dos ministros da Corte.

CPI do Bolsolão

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi o vice-presidente da CPI do Genocídio, vem se movimentando pela abertura de uma CPI para investigar o chamado "orçamento secreto".

O requerimento pela abertura da chamada CPI do Bolsolão no Senado, até o momento, recebeu assinaturas de 12 senadores, segundo lista obtida pela Fórum. Este número representa quase a metade do necessário, de 27 assinaturas, para a abertura de uma CPI na Casa.

Assinaram o requerimento de Randolfe, até o momento, os seguintes senadores: Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Jorge Kajuru (Podemos-GO), Reguffe (Podemos-DF), Fabiano Contarato (Rede-ES), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Styvenson Valentim (Podemos-RN), Jean Paul Prates (PT-RN), Paulo Paim (PT-RS), Leia Barros (Cidadania-DF) e Paulo Rocha (PT-PA).

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também vem trabalhando para rearticular o pedido de abertura da CPI do Bolsolão na Câmara. Até o momento, 60 deputados assinaram o requerimento.

O congressista havia apresentado o pedido para abertura da CPI em maio deste ano, isto é, antes de se vir à tona que Lira estava utilizando o “orçamento secreto” para aprovar a PEC dos Precatórios. À época, o jornal Estadão fez a primeira denúncia de como funciona o esquema.

O periódico trouxe à tona que Jair Bolsonaro montou, no final de 2020, um orçamento secreto e paralelo no valor de R$ 3 bilhões em emendas para comparar congressistas. Boa parte do dinheiro era destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas por preços até 259% acima da referência. Um conjunto de 101 ofícios foi encaminhado, por deputados e senadores, ao Ministério do Desenvolvimento Regional para apontar como eles preferiam utilizar os recursos comprova a farra com dinheiro público.

Os ofícios, obtidos pelo Estadão, indicavam que o esquema passa por cima das leis orçamentárias, pois é atribuição dos ministros definir onde e como aplicar os recursos. Além disso, prejudica o controle do Tribunal de Contas da União (TCU).

“O Ministério do Desenvolvimento Regional deveria executar seus recursos buscando corrigir as disparidades regionais e priorizar os municípios em pior situação socioeconômica. Ao executar seus recursos em benefício daqueles que votam a favor do Governo, a pasta subverte essa lógica, prejudicando a população, desviando-se de sua finalidade e convertendo-se em um verdadeiro balcão de negócios, situação que viola dezenas de dispositivos que são de observância obrigatório para qualquer gestor público”, escreveu Valente ao apresentar o requerimento de abertura da CPI.

Agora, com essas emendas sendo utilizadas para aprovar a PEC dos Precatórios, o deputado decidiu fazer uma nova ofensiva de coleta de assinaturas. Até o momento, o pedido de abertura da CPI conta com o apoio de 60 deputados – segundo o que revelou o psolista à Fórum. Para abrir uma CPI, são necessárias 171 assinaturas.

À reportagem, Ivan Valente informou que vai tentar coletar mais assinaturas. “Vamos para cima [para coletar assinaturas] de outros parlamentares (…) Essas emendas de relator são uma excrescência. Isso aí tem nome: é ‘toma lá, dá cá’, é corrupção. É fidelização de uma base parlamentar para impedir o impeachment ou para votar em toda a agenda governamental em troca de dinheiro”, atesta o congressista. “Isso é compra de votos, é escandaloso”, completa.