Tabata Amaral defende modelo australiano às universidades brasileiras: ele é viável para o Brasil?
Diante do debate em torno da PEC 206, que acaba com o acesso universal das universidades públicas brasileiras, parlamentar apresentou proposta em que os estudantes pagariam depois de formados
Nesta terça-feira (24) foi retirado da pauta da Câmara dos Deputados a PEC 206, que tem por objetivo instituir a cobrança de mensalidades para os estudantes de classes mais ricas.
Atualmente, a gratuidade das universidades públicas do Brasil é garantida pelo artigo 206 da Constituição Federal, que garante o acesso universal às instituições de ensino superior (IES), ou seja, não há recorte de renda, raça, cor ou gênero.
A PEC 206/2019 tem poro objetivo alterar a universalidade do acesso às universidades públicas. E como isso se daria? Cada universidade poderia criar a sua própria comissão para analisar e definir as gratuidades a partir de um corte renda a ser estabelecido pelo Poder Executivo. E é aqui que mora o problema da proposta: não há qualquer indicativo de como isso seria definido.
O texto da PEC diz o seguinte: "Art. 2º O art. 207 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º: As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiveram recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimos e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo".
Na prática, o texto da PEC acaba com a gratuidade das universidades públicas do Brasil.
Modelo australiano
Em meio à discussão sobre a PEC 206, a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) defendeu o modelo australiano de financiamento das universidades públicas.
A partir de um fio postado em seu perfil no Twitter, a parlamentar fez questão de deixar claro que é contrária a PEC 206.
"Como se não bastassem os ataques à lei de cotas e a outras formas de democratização do ensino superior, querem agora autorizar a cobrança de mensalidade em universidades públicas, aumentando ainda mais as barreiras que impedem que muitos acessem o ensino superior", escreveu a deputada.
Em outro tuíte, a deputada compartilha uma entrevista que deu para o podcast Lança a braba, onde defende uma adaptação do modelo australiano para o Brasil, que ela resume:
"Junto com o meu time, estudamos uma proposta adequada à realidade brasileira. Enquanto estuda, o aluno não paga nada! Após se formar, só contribui se ultrapassar um limiar de renda. Está desempregado ou recebe um salário baixo: não contribui! Possui um salário alto: contribui".
Mas, como funciona o modelo de financiamento da universidade na Austrália?
Antes de entrarmos no modelo em si, vamos fazer uma comparação do sistema universitário brasileiro com o australiano:
Segundo o Censo da Educação Superior 2019, o Brasil tem 2.608 universidades, dessas, 302 são públicas. O levantamento também revela que "em 2019, a matrícula, na rede pública, cresceu 0,1% e, na rede privada, 2,4%. Segundo o Ministério da Educação, o processo de expansão da educação superior no Brasil teve início no final dos anos 90".
O dado acima revela a primeira falácia da PEC 206 ou de outras propostas que visem instituir cobranças nos IES: o problema principal é a falta de oferta de vagas.
E quando pegamos dados do mundo universitário da Austrália nos deparamos com um universo completamente distante da realidade brasileira e o modelo defendido pela parlamentar, mesmo adaptado, se torna muito improvável de ser aplicado.
A Austrália possui, ao todo, 43 instituições de ensino superior, sendo que 37 delas são públicas. Ou seja, 90% das universidades são públicas e as instituições privadas representam uma porcentagem de matrícula insignificante, realidade oposta do Brasil.
Todas as universidades da Austrália cobram taxas semestrais e que variam conforme os programas dos IES: a taxa mais barata são AU$ 3.950 e a mais cara de AU$ 14.500.

O financiamento estudantil
Apesar de um universo reduzido de universidades públicas, o sistema de financiamento das universidades e dos alunos da Austrália é bem complexo e varia de região para região.
De acordo com o portal do Ministério da Educação voltado para a graduação e pós-graduação do pais, “a principal fonte de financiamento das universidade australianas é o Commonwealth Grant Scheme (CGS) é fonte única de financiamento do governo para as universidades. É alocado com base no número de estudantes domésticos equivalentes em tempo integral em Lugares Apoiados pela Comunidade (CSPs)".
E nos últimos anos, o número de estudantes financiados por bolsas foi reduzido e novas bolsas serão submetidas ao desempenho, conforme o próprio governo informa: "Até 2017, as universidades recebiam financiamento do CGS para quantas vagas quisessem oferecer (o "sistema orientado à demanda"). Em dezembro de 2017, o Ministro limitou o financiamento total nos níveis de 2017. A partir de 2020, o limite aumentará em uma pequena quantidade a cada ano – sujeito a um novo sistema de financiamento baseado em desempenho que ainda está para ser anunciado".
O empréstimo específico que deputada se refere é o HELP (Programa de Empréstimo do Ensino Superior). " Os estudantes que usam um empréstimo HELP não precisam pagar nenhuma taxa universitária antecipadamente, mas sim fazer contribuições uma vez que estão no mercado de trabalho ganhando uma renda", diz o portal do governo.
"O empréstimo não precisa ser pago até que o tomador ganhe mais do que um valor especificado, conhecido como "limite de reembolso". Os pagamentos são uma porcentagem dos ganhos anuais dos mutuários e essa taxa de reembolso aumenta à medida que a renda do tomador aumenta."
Assim como a deputada, o governo australiano defende a política e afirma que ela permite que todos frequentem a universidade. "A HELP permitiu que milhões de australianos tenham acesso ao ensino superior e percebam os benefícios que o ensino superior traz. Ao permitir que os alunos adiem o pagamento de suas taxas até que estejam ganhando um prêmio com sua educação, a HELP facilita o acesso à universidade para estudantes, independentemente de sua experiência financeira".
Renda per capta
Visto que são os estudantes graduados, aqueles, como indica o texto governamental, que estão no mercado de trabalho e, por sua vez, só passam a pagar o empréstimo quando rendimento foi entendido como alto, aqui cabe uma comparação com renda per capta entre Brasil e Austrália.
Segundo dados do Work Fair (Justiça do Trabalho), o salário mínimo da Austrália é AU$ 3.090,40 e o médio de AU$ 4.394,33. Convertido em reais, o salário médio australiano seria de R$ 19.194, ou seja, uma realidade bem distante e que os jovens que ingressam no mercado de trabalho brasileiro não irão alcançar nos primeiro dez anos de carreira.
Como se vê, a comparação ou mesmo a sugestão de adaptar um modelo que faz parte de uma realidade tão distinta da brasileira beira o risível, pois, como indicado pelo Censo, o problema do Brasil não está no financiamento, mas sim no investimento e na ampliação de universidades públicas.