ELEIÇÕES 2022

PEC dos gastos de Bolsonaro coloca Brasil em Estado de Exceção em período eleitoral, dizem juristas

Para especialistas, PEC 16/22 que autoriza criação de benefícios, como o voucher para caminhoneiro, em ano eleitoral é "Estado de exceção travestido de estado de emergência econômica".

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.Créditos: Edu Andrade/Ascom/ME
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A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 16/22, que tramita toque de caixa e pode ir à votação ainda nesta quinta-feira (30) no Senado, pode colocar o Brasil em Estado de Exceção durante o período eleitoral, elevando poderes de Jair Bolsonaro (PL) que busca por meio da medida se blindar juridicamente driblando a legislação, que proíbe a criação de novos benefícios sociais em ano de eleições.

Para obter sustentação jurídica para driblar a lei e furar o teto - o que permitiria a implantação de medidas eleitoreiras como o voucher de combustíveis a caminhoneiros e o aumento de R$ 400 para R$ 600 -, a PEC prevê o reconhecimento de um suposto "estado de emergência".

"Seria um estado de exceção em pleno período eleitoral. Uma emergência exatamente que funda um estado de exceção para poder praticar atos de interferência na democracia, digamos assim. Para se produzir políticas públicas fake, somente para produzir um resultado eleitoral. Me parece, sim, que cria um estado de exceção e que é inconstitucional. A solução do Supremo É suspender a eficácia dessa norma se for aprovada através de uma ação adequada", disse à Fórum o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Puc-SP.

O governo alega que o "estado de emergência" se justifica em razão da alta de preços dos combustíveis que teria sido provocada pelo aumento de preços do barril do petróleo no mercado internacional devido à guerra na Ucrânia, ignorando a política de paridade internacional (PPI) adotada pela Petrobras durante o governo Michel Temer e mantida por Bolsonaro e Paulo Guedes.

"Emergência é para uma catástrofe que está para acontecer, algo previsível que vá gerar um grande desastre ou coisas nesse sentido. Já calamidade é quando já aconteceu, como chuvas no Nordeste, por exemplo. Ai você pode decretar estado de calamidade na região. Agora isso aí é em virtude de uma política adotada pelo governo e ai você decreta emergência para furar o teto de gastos. É uma clara burla à legislação. É uma pernada gigantesca", afirma Fabiano Silva dos Santos. mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP.

Segundo ele, a decretação do Estado de Emergência não interfere nas liberdades individuais, mas é "uma medida claramente eleitoral, que visa atender os interesses do presidente da República, que é dar um tíquete para os caminhoneiros, o Auxílio-Brasil quer aumentar para R$ 600 para fins eleitoreiros e talvez baixar o preço da gasolina um pouco", diz, emendando que "para o Brasil é uma porrada em termos fiscais".

Professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa, Lenio Streck ressalta que "estado de emergência não é estado de defesa e nem de sítio", mas a medida de Bolsonaro visa claramente criar um estado de exceção jurídica e econômica no país.

"Essa PEC coloca o Brasil em estado de exceção jurídica e exceção econômica. Realmente, o Congresso, por iniciativa do Presidente da República, pretende excepcionalizar normas constitucionais e legais. De primeira, afeta o Federalismo e exigências orçamentárias e fiscais. Estão fazendo por emenda constitucional para afastar uma possível responsabilização do Presidente. Essa PEC força os Estados, DF e municípios a aceitarem um regime financeiro e tributário excepcional. Onde fica a federação? Incrível", diz Streck.

Para ele, a PEC proposta do governo em pleno ano eleitoral representa um "arrastão contra a Constituição".

"Querem transformar a Constituição  em um ornitorrinco jurídico. Não é jurídico, não é um pato, põe ovos e não é galinha e não é um castor. É como um ADCT [Ato das Disposições Constitucionais Transitórias] escrito por Deus ao final da criação do mundo. Sobrou coisa? Faça-se o ornitorrinco. Um bota-fora constitucional", diz o jurista.

"Vejam a pata do ornitorrinco que está no inciso IV do artigo 120 do Ato das Disposições Transitorias Constitucionais: a não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza", emenda Streck.

Paa ele, a medida "é Estado de exceção travestido de estado de emergência econômica", ao se criar um estado de emergência para desatrelar o preço do petróleo do mercado internacional, sendo que a Petrobras, que adotou a política, é parte da administração pública indireta.

"Hegel dizia, na aurora do seculo XIX, que a Alemanha já não era um Estado. Sua frase: Deutschland ist kein Staat mehr (Alemanha já não é um Estado). Hoje, diria: Brasilien ist kein Staat mehr. Brasil já não é um Estado", conclui o professor.