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CPI do sertanejo: municípios carentes usam "emendas pix" para bancar shows milionários

Cidades sem energia elétrica e saneamento pagam cachês de até 800 mil para artistas com dinheiro público enviado por deputados e senadores; farra entrou na mira da justiça

Gusttavo LimaCréditos: Reprodução
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Municípios sem energia elétrica, posto de saúde e saneamento já desembolsaram cifras milionárias em shows sertanejos, em ano eleitoral. Os recursos enviados por deputados e senadores e que deveriam ser empregados para melhorar a vida da população,  são usados a bel-prazer dos prefeitos e sem prestação de contas.

A cidade de Mar Vermelho (AL)  a 110 km de Maceió é um dos municípios com menor renda do país e que gastou R$ 370 mil com Luan Santana. Seus 3.474 habitantes enfrentam problemas como falta de saneamento, ausência de pavimentação e desemprego. Ainda assim, o prefeito André Almeida (MDB) quer levar o artista para se apresentar no munícipio em agosto, a dois meses das eleições.

Os recursos que vão patrocinar o show de Luan Santana em Mar Vermelho foram enviados pelo senador Renan Calheiros e pelo deputado Isnaldo Bulhões, ambos do MDB alagoano. Eles, porém, não determinaram qual seria a destinação do decisão ficou a cargo do prefeito.

Renan afirmou que costuma apoiar o Festival de Inverno da cidade, mas que é contra a contratação de artistas a preços exorbitantes. “Eles pedem todo ano uma participação para este festival. Mas não fizemos isso para (a prefeitura) contratar (artistas) com esses honorários que estão sendo denunciados, não. Sou contra”, declarou o senador. Bulhões, por sua vez, ressalvou que a emenda foi para a cidade, não para custear show.

São Luiz (RR), foi outra cidade que aceitou pagar R$ 800 mil por um show de Gusttavo Lima em dezembro. Dados do IBGE indicam que menos da metade da população  do município com 8.232 habitantes, conta com tratamento de esgoto adequado e apenas 17% das vias públicas estão urbanizadas. 

Na contratação que entrou na mira do Ministério Público, a prefeitura argumentou que se tratava de “show musical do artista de notável reconhecimento”.

No município de Teolândia (BA) o show de Gusttavo Lima vai custar R$ 704 mil dos cofres públicos. Do outro lado, a população ainda enfrenta os efeitos das chuvas que atingiram a região, com estradas em estado precário e pontes destruídas. O cantor foi escolhido porque a prefeita Maria Santana (Progressistas) disse que “sonhava” conhecê-lo. 

Neste domingo, 5, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, mandou cancelar de vez a Festa da Banana, a poucas horas da apresentação.

Diante da falta de regras para o uso do dinheiro público, prefeitos empregam os recursos como bem entendem, sem qualquer transparência ou prestação de contas dos gastos. 

A prefeitura de Areia Branca (SE) vai pagar R$ 550 mil a Wesley Safadão para uma festa que vai superar R$ 1,5 milhão em gastos com cachês, ampla estrutura de palco, sonorização e equipes de segurança . No documento oficial, a cidade ainda usou uma frase do professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, autor do livro Contratação Direta Sem Licitação, copiada também em outros contratos semelhantes para referendar a ação: “Todo profissional é singular, posto que esse atributo é próprio da natureza humana”.

Em Santa Terezinha do Itaipu (PR), a prefeitura da cidade com 23 mil habitantes,  gastou ao menos R$ 2,2 milhões com atrações musicais e estrutura. Desse montante, R$ 850 mil foram usados para pagar o cachê de Gusttavo Lima. 

Casos como esses proliferam pelo interior do País, onde políticas públicas são praticamente inexistentes. Levantamento do jornal Estadão mostra gastos superiores a R$ 14,5 milhões com cachês de Gusttavo Lima, Zé Neto e Cristiano, Wesley Safadão, Luan Santana e Leonardo em 48 cidades. Os artistas foram contratados por prefeituras de municípios com menos de 50 mil habitantes.

A farra com dinheiro público só foi possível com a ajuda das emendas parlamentares de Brasília. As  cidades que contrataram os shows receberam R$ 28,5 milhões em emendas parlamentares de uso livre. 

São as chamadas “emendas Pix”, também conhecidas como “cheque em branco” que caem direto na conta da prefeitura, sem o acompanhamento do legislativo. Dos 48 shows bancados com verba pública, o Estadão conseguiu rastrear os cachês em 35 deles.