MISÉRIA

Fome: Dados da ONU “mostram calamidade e retrocesso no Brasil”, diz ex-ministra

Tereza Campello afirma que aumento da insegurança alimentar ocorreu porque o governo Bolsonaro destruiu políticas públicas que tiraram o país do Mapa da Fome

Mais de 60 milhões de brasileiros estão em insegurança alimentar.Créditos: Reprodução/Outras Palavras
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A economista Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no período de 2011 a 2016, não tem dúvida em apontar o responsável pelo Brasil ter voltado ao Mapa da Fome.

De acordo com dados do relatório produzido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), divulgado nesta quarta (6), a insegurança alimentar moderada ou grave afetou, entre 2019 e 2021, 61,3 milhões de brasileiros, o que corresponde a 28,9% da população.

“O fundamental é que gente compreenda que, ao contrário de outras regiões do mundo, a situação de insegurança alimentar no Brasil já vinha disparando antes mesmo da pandemia. É claro que a pandemia acirrou o quadro, mas o caminho de volta ao Mapa da Fome foi engendrado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), ao destruir o conjunto de políticas públicas que havia sido responsável pela saída do Brasil do Mapa da Fome”, declarou Tereza à Fórum.

A ex-ministra coordenou o “Plano Brasil Sem Miséria”, que retirou 22 milhões de pessoas da pobreza extrema.

A economista avaliou como imprescindível que a ONU tenha voltado a publicar o mapa, pois vinha divulgando somente o ranking e números gerais. ‘É fundamental, porque confirma o que a gente vinha alertando. O Brasil já havia voltado ao Mapa da Fome e a gente vinha afirmando isso, mas não tinha nenhum elemento baseado nos dados das Nações Unidas para poder comprovar”, avaliou.

Tereza destacou que os dados gerais divulgados pela Rede de Pesquisadores em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional já mostravam que 65 milhões de brasileiros não comiam o suficiente por dia. Os dados da ONU apontam 61,3 milhões. “São dados muito próximos e mostram a calamidade e o retrocesso que acontecem no Brasil”.

A economista lembrou os relatórios divulgados pelas Nações Unidas, em 2014, um deles, inclusive, feito exclusivamente para citar o Brasil. “A ONU considerou esse conjunto de políticas públicas como responsável pela saída do Brasil do Mapa da Fome. Todas elas foram destruídas pelo governo Bolsonaro”.

A ex-ministra mencionou quatro pontos centrais, que considera os mais relevantes, promovidos pelos governos do PT e desmantelados pela gestão Bolsonaro.

Desvalorização do salário mínimo

“Primeiro: a ONU atribuía à política de fortalecimento do salário mínimo, aumentando o poder de compra da população, como um dos itens centrais da saída do Mapa da Fome. Isso aconteceu ao longo de todo o período entre 2003 e 2015 (governos Lula e Dilma Rousseff, do PT)”, relatou.

A ex-ministra reforçou que o fim da política de valorização do salário mínimo e a disparada dos preços e da carestia ao longo do governo Bolsonaro são o oposto da situação do país entre 2003 e 2015.

“Explica, em grande medida, a perda do poder de compra da população e a falta de acesso a alimentos de qualidade. O povo não só está comprando menos comida, como está trocando alimentos saudáveis por alimentos de péssima qualidade, arroz e feijão por macarrão instantâneo e salsicha”, disse.

Destruição do mercado de trabalho

O segundo ponto destacado por Tereza é a destruição do mercado de trabalho. “Nós temos um número altíssimo de população desempregada e desalentada. Além disso, entre os ocupados, a metade está na informalidade, com salários muito baixos. A renda do brasileiro caiu muito”.

A ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome destacou que o cenário em tempo de Bolsonaro contrasta com o período de geração de 20 milhões de empregos formais durante dos governos petistas.

Fim da transferência de renda e garantia de alimentos

“A terceira grande questão, também listada pelas Nações Unidas, são programas de políticas públicas de transferência de renda ou de garantia de alimentos para a população que eram estáveis: o Bolsa Família, que durou 18 anos; o programa de alimentação escolar com comida de verdade; o programa de aquisição de alimentos, entre outros. Ou seja, um conjunto de ações regulares, ao contrário do que está acontecendo hoje: a população não sabe quanto vai ter de dinheiro e se vai ter”, ressaltou.

Desmonte de políticas relacionadas à agricultura familiar

O quarto aspecto apontado por Tereza é a destruição de todas as políticas voltadas para o crescimento da agricultura familiar e camponesa.

“O fortalecimento dessa agricultura é bom por dois grandes motivos: aumenta a renda no campo, portanto, garante que a população no meio rural tenha mais qualidade de vida e acesso a alimentos; e fortalece a produção de alimentos saudáveis, que são exatamente os que deveriam estar chegando à mesa da população”.

“Todas as políticas voltadas para a agricultura familiar foram detonadas. O ministério acabou, hoje a agricultura familiar é um subtema dentro de um grande ministério voltado ao agronegócio, perdeu crédito, assistência técnica e perdeu o conjunto das políticas de compras públicas que garantiam uma demanda firme para esse setor”, acrescentou.

Como se não bastasse toda a destruição causada pelo governo Bolsonaro, foi desmontado, também, o conjunto de políticas públicas que davam sustentação à saúde, educação e assistência social.

Fechou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, acabando com o controle social, com a transparência e com a democracia”, afirmou.

“Portanto, conforme já havíamos alertado, a destruição de todo esse caminho que havia sido pavimentado, que nos tirou do Mapa da Fome, é o que nos colocou de volta nessa trajetória dramática revelada e reafirmada, também, pelos dados das Nações Unidas”, completou Tereza.