RESPOSTA AO NEGACIONISMO

Fritado por Bolsonaro, ex-diretor do Inpe assume o CNPq

Ricardo Galvão foi exonerado em 2019 após divulgar dados sobre desmatamento no ficou conhecido como a primeira briga do governo Bolsonaro contra a ciência

Ricardo Galvão.Fritado por Bolsonaro, ex-diretor do Inpe assume o CNPqCréditos: Associação Nacional de Pós-Graduandos/Divulgação
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O físico e pesquisador Ricardo Galvão, premiado internacionalmente - e fritado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2019 quando dirigiria o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) - se emocionou nesta terça-feira (17) ao assumir a presidência do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Como não poderia deixar de ser, fez duras críticas ao governo anterior em seu discurso de posse ao afirmar que a ciência sobreviveu a um “cataclismo político” promovido pelo “governo negacionista”.

“Bolsonaro empreendeu verdadeiro desmonte das políticas públicas em diversas áreas. No dia de hoje viramos essa página triste da nossa história com a convicção de que a ciência voltará a promover grandes avanços para a nossa sociedade”, declarou.

Ricardo Galvão é professor titular de física da Universidade de São Paulo (USP) e um cientista premiado internacionalmente. No CNPq, irá comandar uma das principais agências federais de fomento à pesquisa e à ciência responsável, entre outras coisas, pelo pagamento de bolsas de estudo de pós-graduação. Sem reajuste há 10 anos, o aumento no valor das bolsas é uma das prioridades da ministra Luciana Santos, da Ciência e Tecnologia.

A exoneração do Inpe

Diretor do Inpe entre 2016 e 2019, foi exonerado em agosto do primeiro ano de Bolsonaro na presidência após ser pivô do primeiro ataque negacionista do antigo governo à ciência. Na ocasião, Bolsonaro acusou o Inpe de divulgar dados falsos sobre a alta de desmatamento na Amazônia.

Galvão respondeu aos ataques de Bolsonaro com veemência: “Ao fazer acusações sobre os dados do Inpe, na verdade, ele faz em duas partes. Na primeira, ele me acusa de estar a serviço de uma ONG internacional. Ele já disse que os dados do Inpe não estavam corretos segundo a avaliação dele, como se ele tivesse qualidade ou qualificação de fazer análise de dados”, disse Galvão à época sobre as acusações de Bolsonaro.

Sua exoneração já antecipava, em 2019, o negacionismo que se instalaria nas autoridades brasileiras com mais força cerca de 6 meses depois, já em 2020, quando começou a pandemia da Covid-19.

Após ser demitido da direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o físico revelou que desde janeiro daquele ano vinha enfrentando dificuldades para informar os órgãos ambientais sobre os focos de desmatamento.

O processo de fritura de Galvão começou depois que o presidente Jair Bolsonaro insinuou que o físico estaria “a serviço de uma ONG”, declaração imediatamente rebatida pelo diretor do Inpe. Tanto Bolsonaro quanto o ministro do meio Ambiente, Ricardo Salles, contestaram publicamente os dados sobre o avanço do desmatamento divulgados pelo Inpe. Galvão, que ocupava o cargo desde 2016 (tinha mandato de quatro anos), alega que nunca foi procurado por Salles para debater o assunto.

Ele chegou a ser substituído interinamente pelo coronel Darcton Policarpo Damião, que foi acusado por pesquisadores do órgão de montar um “comando paralelo” no Inpe, nos moldes de estruturas militares. De acordo com Galvão, a principal intenção de Bolsonaro com sua saída seria o fim da divulgação dos dados de queimadas. Curiosamente, nos anos seguintes à exoneração de Galvão, entre 2020 e 2022, o Brasil bateu recordes de queimadas.

No começo de 2021 Galvão foi o vencedor do Prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês). E o que motivou a premiação foi justamente o que levou Bolsonaro a demiti-lo. A associação destacou que “quando o presidente brasileiro Jair Bolsonaro atacou a legitimidade de um relatório destacando um aumento dramático no desmatamento na Amazônia, Galvão manteve a defesa dos números, uma decisão que lhe custou o emprego”.

“O professor Galvão defendeu a ciência sólida em face da hostilidade”, disse Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos e Direito da AAAS, na nota que divulga o prêmio. “Ele agiu para proteger o bem-estar do povo brasileiro e da imensa maravilha natural que é a floresta amazônica, um patrimônio mundial.”

A entidade diz que o prêmio concedido a Galvão homenageia “cientistas que demonstraram liberdade científica e / ou responsabilidade em circunstâncias particularmente desafiadoras, às vezes em risco para sua segurança profissional ou física”.