ENSAIO GERAL

Há 1 ano, Lula era diplomado e bolsonaristas tocavam o terror em Brasília: "Nossa democracia quase ruiu"

Sob a desculpa de "libertar" o "cacique" Serere, apoiadores radicais de Bolsonaro tentaram invadir a sede da PF, incendiaram carros, ônibus e depredaram a capital federal, adiantando o golpismo que ficaria evidente nas semanas seguintes

Ônibus incendiado por bolsonaristas na "noite de terror" em Brasília, em 12 de dezembro de 2022.Créditos: Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
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Há exatamente 1 ano, no dia 12 de dezembro de 2022, o Brasil vivia um momento de tensão. Naquela data, fazia pouco mais de um mês que Luiz Inácio Lula da Silva havia ganhado a eleição presidencial contra Jair Bolsonaro e apoiadores radicais do ex-presidente realizavam atos antidemocráticos, acampamentos em frente a quartéis generais do Exército e bloqueios golpistas contra o resultado do pleito. 

Na tarde daquela segunda-feira, Lula foi diplomado como presidente da República pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tratava-se do último rito formal pós-eleição antes da cerimônia de posse, que aconteceria no dia 1º de janeiro de 2023.

Diplomação do presidente Lula no TSE (Foto: Divulgação/TSE)

Durante a cerimônia na Corte eleitoral, uma movimentação estranha começou a tomar a capital federal. Bolsonaristas radicais cercaram a sede da Polícia Federal, a violência foi escalando e, em dado momento, houve uma tentativa de invasão ao prédio da corporação. 

Com faixas, cartazes e palavras de ordem contra o Supremo Tribunal Federal (STF), o TSE e acusando fraude nas eleições, apoiadores de Bolsonaro justificavam que estavam tentando "libertar"  o indígena José Acácio Serere Xavante, o "cacique Serere", preso à época após ordem do STF por participar de atos antidemocráticos e reunir pessoas para cometer crimes. 

O que se viu na sequência, entretanto, não foi um ato espontâneo pela libertação de um homem, mas sim uma ação golpista coordenada, com ares de terrorismo, para promover o pânico na capital federal. De forma "profissional", os radicais, com pedras, pedaços de pau, bombas caseiras e fogos de artifício, roubaram botijões de gás em postos de gasolina, incendiaram carros, ônibus, efetuaram bloqueios e depredaram a cidade, aterrorizando os moradores. 

Carro incendiado em posto de gasolina por bolsonaristas na "noite de terror" (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

A investida golpista e violenta durou horas sob a inércia da Polícia Militar do Distrito Federal. Foi somente quando a Tropa de Choque, tardiamente acionada, entrou em cena que a "noite de terror" cessou, deixando um rastro de destruição e também de incertezas sobre o que viria a acontecer depois. 

No dia seguinte ao ocorrido, a reportagem da Fórum divulgou, com exclusividade, o primeiro relato de um servidor da Polícia Federal (PF),  lotado na Presidência da República, que acusou Gabinete de Segurança Institucional (GSI), à época comandado pelo general Augusto Heleno, de envolvimento direto com a ação golpista e terrorista dos radicais apoiadores de Jair Bolsonaro

“O que está acontecendo e, principalmente o que ocorreu ontem em Brasília, é terrorismo de Estado. O GSI está na cabeça disso, e o uso da área do QG, que é militar, é do Exército, não é à toa. O próprio secretário de segurança do DF disse isso ontem em coletiva, que ‘ninguém entra lá porque é área do Exército’, uma desculpa pronta e perfeita. O GSI tem hoje poder para controlar mais de mil militares diretamente lá dentro (do QG do Exército e nos acampamentos) e eles estão literalmente bancando, mantendo e abrigando essa gente lá dentro (da área do QG) e logicamente ninguém fardado está aparecendo, porque essa é a forma de operar deles, uma guerra híbrida que alimenta e fomenta tudo que está ocorrendo ali. É explícito para quem está perto que o GSI está incitando isso com esses civis, todo mundo está por ali (Gabinete da Presidência) sabe disso”, disse o servidor da PF à época. 

Ato golpista de bolsonaristas na "noite de terror" em Brasília (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Tal fonte foi a primeira a alertar sobre a participação de órgãos do governo Bolsonaro nas ações de "terrorismo de Estado" contra o resultado das urnas e, nas semanas seguintes, com a tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília em 24 de dezembro e os atos golpistas de 8 de janeiro, e as consequentes investigações do STF e da CPMI instalada no Congresso Nacional, confirmou-se o alerta do servidor da PF. 

"Nossa democracia quase ruiu" 

O mesmo servidor da PF, que já no dia seguinte à noite de terror em Brasília alertou sobre o envolvimento do GSI de Heleno com o golpismo, foi o responsável pelos relatos à Fórum que basearam uma série de reportagens sobre os atos golpistas, inclusive transmitindo ao vivo o levante antidemocrático, de dentro do Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro

Em nova entrevista à Fórum, 1 ano após a "noite de terror" que serviu como uma espécie de ensaio geral para os próximos atos extremistas que ocorreriam, a fonte palaciana faz um balanço dos acontecimentos e relembra que, à época, "ninguém queria ver" o que "estava debaixo dos nossos narizes". 

"Aqueles atos de terrorismo de Estado estavam debaixo dos nossos narizes, mas parece que ninguém queria ver... Aí alguém lá riscou o fósforo e houve a fagulha, e deu no que deu, a gente viu o 8 de janeiro logo na sequência”, pontua. 

“Eu disse desde o início que a violência ia aumentar e que a nossa democracia estava em perigo. Era o que eu vi lá de dentro, e não deu outra... Sem contar naquele atentado a bomba que acabou não ocorrendo e aquilo ia ser a maior tragédia da história do Brasil... Estava dito e de fato aconteceu tudo que nós vimos no dia 8 de janeiro”, prossegue a fonte. 

Ato golpista em 8 de janeiro (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

De acordo com o servidor da PF, já na "noite de terror" de 12 de dezembro havia o envolvimento do GSI de Heleno, apesar da descrença de alguns. 

"Na publicação da primeira matéria [da Fórum], no dia seguinte, no dia 13, as pessoas lá de dentro da PF repercutindo e também a repercussão no Planalto, onde eu trabalhava, deixava claro que algo estrondoso tinha sido revelado... Ainda bem que essas revelações que fiz à Fórum chamaram a atenção do então governo de transição e parece que o pior foi evitado, não houve uma ruptura em nossa democracia”, declara. 

"Tudo que a CPI mostrou, que as investigações do STF mostraram depois, evidenciou o que eu já tinha denunciado desde o início na Fórum, de que havia um intuito golpista real, aberto, e que aqueles militares, aquela gente do GSI, do general Heleno, não aceitava a democracia que tinha vindo das urnas no dia 30 de outubro... Eles estavam tentando algo, e ficou mais do que comprovado depois do 8 de janeiro", prossegue. 

“Muita gente que leu o que vocês publicaram, ou que falavam comigo à época e não entendiam o que estava se passando, até gente do então governo de transição não acreditava naquilo. Achavam que era exagero. Só que aconteceu. A tentativa de golpe, partindo dos militares sobretudo do GSI, aconteceu. O Brasil viu o que aconteceu e como a nossa democracia quase ruiu”, finaliza o servidor. 

Quase, mas não ruiu 

Apesar da tentativa, a democracia brasileira manteve-se viva. Naquele 12 de dezembro, ainda que bolsonaristas tenham aterrorizado Brasília, Lula foi diplomado e, poucas semanas depois, 4 bolsonaristas suspeitos de participar da ação violenta foram presos. 

Em 24 de dezembro, houve a tentativa de atentado a bomba no Aeroporto de Brasília, que por pouco não provocou uma das maiores tragédias da história do país. Os autores também foram presos. 

Já em 8 de janeiro, uma semana após o presidente Lula tomar posse em uma cerimônia histórica, bolsonaristas promoveram o levante golpista contra as sedes dos Três Poderes. Centenas de pessoas, incluindo militares, empresários e políticos, foram presas, e um relatório indiciando dezenas de nomes ligados ao bolsonarismo produzido pela CPMI instalada no Congresso Nacional está, agora, nas mãos da PGR. 

Cerimônia de posse de Lula em 1º de janeiro de 2023 (Foto: Ricardo Stuckert)

Nesta terça-feira (12), um ano após o "ensaio geral" golpista deflagrado pelos bolsonaristas, Lula anunciou um ato, a ser realizado em 8 de janeiro de 2024, para celebrar a democracia no Brasil. 

“No dia 8 de janeiro nós vamos fazer um ato em Brasília para lembrar ao povo que tentou se dar um golpe e que ele foi debelado pela democracia desse país. Eu pretendo ter todos os governadores aqui, os deputados, os senadores, os empresários, para a gente nunca mais deixar as pessoas colocarem em dúvida que o regime democrático é a única coisa que dá certeza das instituições funcionarem e do povo ter acesso a participar da riqueza que ele produz". 

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