QUEM DIRIA?

Confirmado: Joias da Arábia Saudita dadas a Bolsonaro têm relação com lobby do petróleo

Em viagem cujo objetivo era debater a transição energética, conversas giraram em torno de indústria petroleira; Documentos obtidos pela Agência Pública revelam a negociata

Jair Bolsonaro (PL) e as joias avaliadas em R$ 16,5 milhões.Confirmado: Joias da Arábia Saudita dadas a Bolsonaro têm relação com lobby do petróleoCréditos: Agência Brasil e TV Globo/Reprodução
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O que era uma suspeita, agora está confirmado. O pacote de joias avaliado em R$ 16,5 milhões, supostamente presenteado à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pela Arábia Saudita, foi entregue ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em meio a tratativas com o regime saudita sobre uma possível entrada do Brasil, por meio da Petrobras, na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Para piorar, o tema das discussões estava previsto para ser o inverso da extração e comercialização de petróleo, ou seja, a promoção de energias limpas com vistas à transição energética de que o planeta tanto carece.

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As revelações são da Agência Pública que, em matéria assinada por Jamil Chade, Giovana Girardi e Natalia Viana, expôs o teor dos documentos oficiais, a respeito das viagens e tratativas, obtidos pelo veículo.

De acordo com as novas revelações, a viagem que o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez à Arábia Saudita em outubro de 2021 tinha como finalidade marcar presença no lançamento da “Iniciativa Arábia Saudita Verde”. Mas as conversas da pasta com os sauditas acabaram versando sobre a produção de petróleo e do papel da Opep nesta indústria. Na ocasião, o Brasil tinha sido convidado pela segunda vez a participar da organização – o primeiro convite foi feito ao próprio Bolsonaro durante sua viagem ao país em 2019.

A partir desse contexto, a reportagem apontou que a viagem serviu como uma espécie de greenwashing, ou seja, uma forma de maquiar o real teor das conversas, dando-lhe a aparência de algo sustentável e ecologicamente correto. No final das contas, ainda que não tenha aderido à Opep, o Brasil acabou comprometendo-se – na contramão dos debates globais sobre o tema – em aumentar sua produção e consumo de petróleo.

Como já é de conhecimento público, foi nessa viagem que Bento Albuquerque recebeu os dois pacotes de joias sauditas que deveriam ser incorporados ao acervo da presidência da República. Ao chegar ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, a Receita Federal apreendeu um dos pacotes, o avaliado em R$ 16,5 milhões, que iria para o patrimônio da ex-primeira-dama. O segundo pacote, com joias masculinas avaliadas em R$ 400 mil, passou como se fosse contrabando e foi entregue a Bolsonaro mais de um ano depois, em dezembro de 2022. O escândalo foi revelado no início de março pelo Estadão.

De acordo com as fontes da Agência Pública no Itamaraty, as joias fariam parte de uma estratégia dos sauditas, apelidada de “operação sedução”, que ainda prometeria futuros investimentos em nosso país.

Um dia antes do evento ‘Iniciativa Arábia Saudita Verde’, Bento Albuquerque reuniu-se com o príncipe Abdulaziz bin Salman bin Abdulaziz Al Saud, que também exerce o papel de ministro de Minas e Energia daquele país. Em telegrama diplomático sobre a reunião enviado pelo embaixador do Brasil na Arábia Saudita, Marcello Della Nina, fala-se de uma “ofensiva” saudita para convencer Bolsonaro a incluir o Brasil no projeto de expansão da Opep.

De acordo com o príncipe, as intenções da expansão da Opep não seriam a formação de carteis para controlar o mercado, mas “discutir o gerenciamento da oferta, estabilizar o suprimento e evitar a destruição da riqueza dos países produtores de petróleo”. Na sequência, o governador da Arábia Saudita na Opep, Adeed Al-Aama garantiu que se entrasse na Opep+ o Brasil não precisaria reduzir sua produção. Albuquerque limitou-se a agradecer o convite e levar a proposta ao então presidente brasileiro. Além da proposta, também levou os dois pacotes de joias.

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Albuquerque ainda teria participado, em 24 de outubro, de encontros com fundos de investimentos e agentes privados, mas os registros dessas conversas se perderam. As joias foram entregues a Albuquerque em 25 de outubro, pouco antes do seu regresso ao Brasil, em jantar privado oferecido pela família real saudita.

O que é a Opep

Fundada em 1960, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo contava em seus primeiros anos com Arábia Saudita, Irã, Kuwait e Venezuela. Hoje em dia conta com mais de 10 países membros, além de nações considerada alinhadas, como a Rússia, que não participam oficialmente da organização mas possuem interesses em comum.

Essa lista de países alinhados recebeu o nome de Opep+ e foi criada para consolidar e expandir o poder político dos países membros da Opep. Os países que entram na Opep+ não precisam adotar todo o arcabouço previsto pela Opep, sobretudo em relação a metas de produção. Foi para este grupo que o Brasil foi convidado a participar.

De acordo com as fontes do Itamaraty ouvidas pela Agência Pública, o convite vêm em paralelo com o interesse dos sauditas em ser incorporado nos Brics. A ofensiva teria ganhado maior intensidade durante o governo Bolsonaro.

No entanto, entrar para a Opep+ não seria vantajoso para o Brasil. Para os especialistas, há dúvidas sobre os benefícios econômicos que traria. Não é certo que o país se beneficiaria da alta dos preços do barril de petróleo como ocorre com as balanças de Arábia Saudita, Irã e Venezuela e, em paralelo a isso, o Brasil deixaria de ser um forte aliado da Europa e um possível interlocutor com os EUA, como o é atualmente.