CUMPLICIDADE

Tony Garcia: imprensa foi conivente com desmandos da 'República de Curitiba'

Em entrevista à Fórum, ex-deputado estadual e empresário revela as maquinações do então juiz Sergio Moro e do ex-procurador Carlos Fernando durante investigações sobre o Mensalão pela Justiça Federal de Curitiba

Créditos: Fotomontagem - Tony Garcia (reprodução) acusa Carlos Fernando (reprodução) e Sergio Moro (Lula Marques) de conluio em entrevista da Veja que incriminou José Dirceu no caso do Mensalão
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Em entrevista ao programa Fórum Onze e Meia desta terça-feira (6), Tony Garcia afirma que a 2ª Vara Federal Criminal e o Ministério Público Federal (MPF), em Curitiba (PR), contaram com a conivência da imprensa para perpetuar os desmandos durante as investigações que culminaram com o caso do Mensalão, a Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2005 e 2006, e que serviu de embrião para a Operação Lava Jato.

"Eles plantavam coisas na imprensa e tiveram conivência enorme da imprensa para poder escalar da maneira como eles escalaram", afirmou Garcia durante a participação na TV Fórum. "A imprensa precisa passar isso a limpo também. Acho que nós estamos tendo uma oportunidade agora", completou. 

A 2ª Vara Federal Criminal da capital paranaense era comandada pelo então juiz federal e hoje senador Sergio Moro (UB-PR) e que, entre 2014 e 2018, atuaria como magistrado titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde tramitavam os processo relacionados à Operação Lava a Jato. Pelo MPF, as investigações contra Garcia, em 2005 e 2006, estavam sob responsabilidade do procurador federal Carlos Fernando Lima, que posteriormente integrou a Força Tarefa Lava Jato em Curitiba, entre 2014 e 2018, e que hoje está aposentado e atua como advogado. 

Entrevista para à Veja

Garcia ilustra o conluio entre imprensa comercial e a então nascente 'República de Curitiba' no caso do Mensalão com uma entrevista que concedeu à revista Veja e que posteriormente se tornou uma das provas para consolidar a teoria jurídica do 'domínio do fato' (leia abaixo sobre o Mensalão) contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil durante o primeiro mandato de Lula, José Dirceu.

O ex-deputado estadual e empresário relatou na entrevista à Fórum que foi procurado pelo jornalista Alexandre Oltramari, que atuava no semanário, para participar como fonte de uma matéria para incriminar Dirceu. Garcia conta que foi autorizado a falar sobre fatos que estariam em segredo de justiça em telefonema feito ao procurador Carlos Fernando. Na entrevista à Veja, ele afirmou que Dirceu e o advogado paranaese Roberto Bertholdo - nomeado em 2003 por Lula para a diretoria da Hidrelétrica de Itaipu - operariam um suposto mensalão.

Capa da Veja de 15 de março de 2006 trazia entrevista de Tony Garcia

Garcia afirma que essa entrevista à Veja foi acertada e instruída por Moro e Carlos Fernando com o objetivo de incriminar Dirceu. Ele relembrou que o repórter telefonou para ele e comentou que iria produzir uma matéria sobre o PT e que precisava conversar com ele.

Oltramari, segundo Garcia, teria dito que a matéria seria produzida de qualquer maneira. O viés, teria explicado o repórter, dependeria da escolha do entrevistado

"Se você não quiser falar, nós vamos falar o que a gente quiser. É bom você falar para ver o seu lado", recordou Garcia sobre a fala do repórter da Veja à época dos preparativos para a entrevista sobre o PT e o Mensalão.

Garcia relata ainda que, ao ler a matéria, foi surpreendido pelo seu teor. Todavia, segundo Garcia, a entrevista não foi gravada. A matéria foi veiculada na edição de 15 de março de 2006. Em 2012, José Dirceu foi condenado pelo STF no caso do Mensalão, com voto da ministra Rosa Weber, que tinha Moro como juiz auxiliar.

Quem é Alexandre Oltramari

O jornalista Alexandre Oltramari, segundo consta na página dele na internet, é graduado em Comunicação dela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e atuou como repórter especial da Folha de S.Paulo e que, por mais de uma década - inclusive durante o período em que Garcia concedeu a entrevista sobre o Mensalão - foi editor da revista Veja em Brasília. 

"O mundo mudou – e eu mudei junto. Em 2010, migrei para as áreas de relações públicas e marketing institucional e político. Estudei marketing e social media na University of California (Universidade da Califórnia - UCSD). Me tornei sócio da Profile, talvez a única agência de PR [Public Relations, Relações Públicas] que recusa um cliente que não tenha um propósito social e ambiental. E hoje, misturando o que aprendi na teoria e na prática, atuo como consultor independente ajudando pessoas, empresas e instituições a contar histórias verdadeiras, impactantes e poderosas", informa a seção 'Sobre mim' do site do jornalista.

Por meio de mensagem no WhatsApp do número de telefone informado no site do jornalista a Fórum entrou em contato com ele para ouvir a sua versão sobre os fatos denunciados por Garcia. A mensagem foi enviada às 13h03 desta terça-feira. Foi estipulado o prazo até às 16h desse mesmo dia para que ele encaminhe o seu lado dos fatos.

Também foram feitas três ligações para o telefone informado como contato do jornalista. Nenhuma das ligações foi atendida. Na página de Oltramari, na área destinada a Contato, embora constem ícones para o Linkedin, para e-mail e para o canal dele no YouTube, nenhum dos links funciona. Pelo Twiitter, a conta dele só aceita mensagens de quem é seguido por ele.

O espaço segue aberto para Alexandre Oltramari se manifestar.

Relembre o Mensalão

A Ação Penal 470 (AP 470/MG) do STF foi o processo jurídico penal que julgou os acusados de corrupção no escândalo do Mensalão. A PGR apresentou denúncia contra 38 réus pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira, dos quais 25 foram inicialmente condenados. O escândalo envolvia o pagamento mensal a deputados em troca de apoio em votações no Congresso.

Mensalão veio a público a exatos 18 anos, em 6 de junho de 2005, quando o então deputado federal Roberto Jefferson (PTB), hoje preso, disse à Folha de S.Paulo que o PT pagou a vários deputados 30 mil reais por mês para votar pela aprovação de projetos de interesse do partido na Câmara. Os fundos supostamente vieram dos orçamentos de publicidade das empresas estatais, canalizados por meio de uma agência de publicidade de propriedade de Marcos Valério.

Juridicamente, a decisão é emblemática por estabelecer na doutrina e jurisprudência brasileira a teoria do domínio do fato, assim como o "arrastamento competencial", tese pela qual réus sem foro privilegiado, mas concorrentes no crime, são julgados diretamente na última instância.

A teoria do domínio do fato afirma que é autor - e não mero partícipe - a pessoa que, mesmo não tendo praticado diretamente a infração penal, decidiu e ordenou sua prática a subordinado seu, o qual foi o agente que diretamente a praticou em obediência ao primeiro. Trata-se de uma das teorias da imputação penal mais discutidas no âmbito acadêmico nos dias de hoje, embora sua aplicação prática ainda seja controversa e tema de vários questionamentos. 

Assista a entrevista na íntegra

 

 


 

 

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