ANTES DO JULGAMENTO

Bolsonaro pode ser preso a qualquer momento por declaração sobre embaixada; entenda

Fala do ex-presidente admitindo a possibilidade de fugir para alguma embaixada é motivo para pedido de prisão preventiva, dizem juristas

Jair Bolsonaro pode ser alvo de prisão preventiva a qualquer momento.Homem em manifestação carrega cartaz que retrata Bolsonaro atrás das grades e traz a frase "Dentro das 4 linhas"Créditos: Danilo Verpa/Folhapress
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Jair Bolsonaro já pensa em fuga antes mesmo de ter um julgamento marcado. Em entrevista ao portal UOL divulgada nesta quinta-feira (28), o ex-presidente admitiu que pode vir a se refugiar em alguma embaixada caso tenha sua prisão decretada. Ele foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa.

"Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá", disse. "Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado", afirmou.

Segundo Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e considerado um dos maiores juristas do país, a fala de Bolsonaro sobre se refugiar em uma embaixada pode ensejar um pedido de prisão preventiva. Isto é, o ex-presidente pode ser preso a qualquer momento, antes mesmo de ir a julgamento. 

A prisão preventiva é uma medida cautelar aplicada quando há indícios de que o acusado pode prejudicar a investigação, fugir para evitar o cumprimento da lei ou representar uma ameaça à ordem pública ou à aplicação da justiça. No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, a declaração de que poderia se refugiar em uma embaixada caso enfrentasse uma ordem de prisão pode ser interpretada como um indicativo de risco de fuga, o que pode justificar, em tese, um pedido de prisão preventiva, caso outros requisitos legais estejam presentes e fundamentados pela autoridade judicial.

"Essa declaração dele, em tese, enseja motivo para prisão preventiva porque a fuga para a embaixada é a fuga do território nacional. Inclusive, o sujeito que recebe asilo político ou algum tipo de proteção da embaixada, ele recebe um salvo-conduto para pegar um avião e ir até o país sede da embaixada. Então, é uma forma de fuga, sim, e fuga é um dos motivos para se prender preventivamente de forma legítima" , explicou Pedro Serrano em entrevista à Fórum

"Se ele realmente tentar uma fuga para alguma embaixada ou se deu essa declaração de forma clara, isso pode ser um motivo para prendê-lo, sim", prosseguiu o jurista. 

"Bolsonaro está provocando uma prisão" 

Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, considerado um dos maiores advogados criminalistas do país, concorda com Pedro Serrano que a fala de Bolsonaro sobre buscar refúgio em uma embaixada pode ensejar uma prisão preventiva. Kakay, entretanto, vai além: o advogado acredita que o ex-presidente esteja provocando sua própria prisão para causar "certa comoção". 

"De certa maneira, mesmo sendo Bolsonaro um inepto absoluto, um indigente intelectual, soa estranho essa afirmação dele, porque ela é tão ofensiva, reconhecer que vai fugir... Isso é uma espécie de fuga. Se ele procura uma embaixada, ele está fugindo. Então isso seria motivo evidente de uma prisão preventiva. A minha dúvida é por que ele tem provocado tanto o judiciário insistindo em ser preso", declarou Kakay em entrevista à Fórum

Kakay, para sustentar sua linha de raciocínio, citou o discurso do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em tom de ameaça ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), logo após vir à tona o relatório da PF que aponta seu pai, Jair Bolsonaro, como o grande líder da organização criminosa que tentou um golpe de Estado no Brasil. 

"O filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro, fez uma ameaça explícita ao ministro Alexandre. Então, se você juntar todo esse conjunto da obra, parece que ele está [Jair Bolsonaro] está provocando uma prisão para causar uma certa comoção. Eu acho, com toda sinceridade, que o ex-presidente da República deveria ter responsabilidade com a instabilidade institucional, mas ele não tem, porque ele tentou quebrá-la", avalia Kakay. 

"Ele tentou exatamente quebrar o Estado Democrático de Direito. Nesses casos, é salutar que a gente imagine que o Supremo Tribunal tenha que tomar uma atitude. Ele não pode deixar que o ex-presidente continue, de certa forma, fragilizando a democracia com essas provocações. Se ele está buscando uma prisão preventiva, então que a prisão preventiva venha", emenda o criminalista. 

Também entrevistado pela Fórum, o advogado Michel Saliba foi na mesma linha e afirmou que "Bolsonaro, ao que parece, torce para que uma medida cautelar seja aplicada, pois isso reforçaria sua narrativa de vítima e potencializaria seu capital político, especialmente entre seus eleitores e até mesmo entre os neutros", analisa.

"Considerando que ele é um ex-presidente da República, a decretação de uma prisão preventiva, além de não se alinhar às balizas jurídicas, pode servir exatamente aos interesses políticos dele. Essa estratégia poderia consolidar sua base política para o lançamento, como candidato, do seu filho Flávio, ou outros membros de sua família, que levem para a campanha o sobrenome Bolsonaro, já que ele, Jair, é inelegível", acrescenta Saliba, criminalista, eleitoralista e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Bolsonaro indiciado 

O relatório final da Polícia Federal (PF), encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) propondo o indiciamento de Jair Bolsonaro e de outras 37 pessoas, traz com detalhes o envolvimento do ex-presidente na trama golpista.

A investigação da PF é taxativa no documento. "Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade", diz trecho do relatório, sendo preservada aqui a grafia original. 

O arcabouço probatório colhido pelos investigadores demonstra que o grupo investigado e liderado por Bolsonaro "criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019". O objetivo seria sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para que dois objetivos fossem alcançados posteriormente: "primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato".

Leia mais detalhes sobre o relatório da PF aqui.