ESTRATÉGIA OU DESESPERO?

Bolsonaro cava a própria prisão preventiva; entenda o motivo

Tese ganha força no meio jurídico após declaração do ex-presidente sobre buscar refúgio em embaixada

Bolsonaro estaria provocando para ser preso preventivamente.Mulher segura cartaz que retrata Jair Bolsonaro como presidiário e que leva a frase "Tá na hora do Jair já ir em cana" em manifestação da Frente Povo Sem Medo em São PauloCréditos: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Entre pedidos desesperados por anistia e declarações negando que tenha tentado um golpe de Estado no Brasil, Jair Bolsonaro esboça o que parece ser uma nova estratégia após ser indiciado pela Polícia Federal (PF): cavar sua própria prisão preventiva.

Em entrevista ao portal UOL, divulgada nesta quinta-feira (28), o ex-presidente admitiu a possibilidade de se refugiar em alguma embaixada caso sua prisão seja decretada.

"Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá", afirmou Bolsonaro. Ele ainda defendeu que não teria motivos para fugir: "Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado."

No entanto, sinalizar uma possível fuga para uma embaixada é, por si só, razão suficiente para que a PF solicite ao ministro Alexandre de Moraes, relator da investigação sobre a tentativa de golpe, a decretação de sua prisão preventiva. Essa é a avaliação de Pedro Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, considerado um dos principais juristas do país.

"Essa declaração dele, em tese, enseja motivo para prisão preventiva, porque a fuga para a embaixada é a fuga do território nacional. Inclusive, o sujeito que recebe asilo político ou algum tipo de proteção da embaixada, recebe um salvo-conduto para pegar um avião e ir até o país sede da embaixada. Então, é uma forma de fuga, sim, e fuga é um dos motivos para se prender preventivamente de forma legítima", explicou Serrano em entrevista à Fórum.

O jurista reforçou: "Se ele realmente tentar uma fuga para alguma embaixada ou se deu essa declaração de forma clara, isso pode ser um motivo para prendê-lo, sim."

Pode ser que a fala de Bolsonaro tenha sido um ato de desespero, já que poderia culminar em sua prisão. Porém, a tese de que o ex-presidente está deliberadamente provocando sua prisão preventiva tem ganhado força no meio jurídico.

Estratégia de provocação?

Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos maiores advogados criminalistas do Brasil, concorda com Pedro Serrano de que a fala sobre buscar refúgio em uma embaixada pode justificar uma prisão preventiva. Contudo, Kakay vai além, sugerindo que Bolsonaro pode estar intencionalmente buscando essa prisão para causar "certa comoção".

"De certa maneira, mesmo sendo Bolsonaro um inepto absoluto, um indigente intelectual, soa estranho essa afirmação dele, porque ela é tão ofensiva... reconhecer que vai fugir... Isso é uma espécie de fuga. Se ele procura uma embaixada, ele está fugindo. Então isso seria motivo evidente de uma prisão preventiva. Minha dúvida é: por que ele tem provocado tanto o judiciário, insistindo em ser preso?", questionou Kakay em entrevista à Fórum.

Para sustentar sua hipótese, Kakay citou a recente fala de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), senador e filho do ex-presidente, que, em tom de ameaça, atacou o ministro Alexandre de Moraes após a divulgação do relatório da PF que aponta Jair Bolsonaro como o líder da organização criminosa que tentou o golpe.

"O filho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro, fez uma ameaça explícita ao ministro Alexandre. Se você juntar todo esse conjunto da obra, parece que ele [Jair Bolsonaro] está provocando uma prisão para causar uma certa comoção. Acho, com toda sinceridade, que o ex-presidente da República deveria ter responsabilidade com a instabilidade institucional, mas ele não tem, porque tentou quebrá-la", afirmou Kakay.

"Ele tentou exatamente quebrar o Estado Democrático de Direito. Nesses casos, é salutar imaginar que o Supremo Tribunal tenha que tomar uma atitude. Não pode permitir que o ex-presidente continue fragilizando a democracia com essas provocações. Se ele está buscando uma prisão preventiva, então que a prisão preventiva venha", completou o advogado.

Michel Saliba, também entrevistado pela Fórum, endossou essa análise. Para ele, "Bolsonaro, ao que parece, torce para que uma medida cautelar seja aplicada, pois isso reforçaria sua narrativa de vítima e potencializaria seu capital político, especialmente entre seus eleitores e até mesmo entre os neutros."

Saliba alertou ainda que uma prisão preventiva, apesar de juridicamente questionável para um ex-presidente, poderia servir aos interesses políticos de Bolsonaro. "Essa estratégia poderia consolidar sua base política para o lançamento, como candidato, do seu filho Flávio ou de outros membros de sua família, que levem para a campanha o sobrenome Bolsonaro, já que ele, Jair, é inelegível", concluiu Saliba, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Bolsonaro indiciado

O relatório final da Polícia Federal, encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), pede o indiciamento de Bolsonaro e outras 37 pessoas, detalhando o envolvimento do ex-presidente na tentativa de golpe.

A investigação da PF foi taxativa: "Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade", diz o documento, preservando-se a grafia original.

Além disso, o relatório aponta que o grupo investigado, liderado por Bolsonaro, "criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019". O objetivo seria sedimentar na população a falsa percepção de fraude eleitoral para dois fins: primeiro, evitar que uma eventual derrota fosse interpretada como casuística, e segundo, criar as bases para os atos golpistas que se sucederam após a derrota do então candidato.

Leia mais detalhes sobre o relatório da PF aqui.