SEM SAÍDA

Desesperado, Bolsonaro pede acesso a depoimento dos ex-comandantes das Forças Armadas

Defesa do ex-presidente acionou ministro Alexandre de Moraes, do STF, para ler oitivas de Freire Gomes e Baptista Júnior

Bolsonaro seria líder da organização criminosa que tramou golpe de Estado após derrota eleitoral.Créditos: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou com pedido judicial ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo acesso aos depoimentos dados pelos ex-comandantes das Forças Armadas, Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Júnior (Aeronáutica), à Polícia Federal.

Para os advogados, as oitivas são entendidas como "cruciais" para a obtenção de cópias do inquérito da operação Tempus Veritatis, que apura a organização criminosa que teria envolvimento na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República no poder.

Os depoimentos do general Freire Gomes e do tenente-brigadeiro Baptista Júnior teriam confirmado a tese de que o ex-presidente teria elaborado duas versões da minuta golpista, em uma articulação para impedir que Lula (PT) retornasse ao Planalto após vencer as eleições em outubro de 2022.

O documento pede que os autos do processo sejam atualizados com os "termos de declarações relativos às últimas oitavas realizadas" por ambos. As oitivas são apenas duas das dezenas concedidas à Polícia Federal por investigados, incluindo outros militares que compuseram o corpo ministerial do governo Bolsonaro.

Os ex-comandantes prestaram depoimento na condição de testemunha, isto é, com o compromisso de responderem com a verdade. Freire Gomes e Baptista Júnior teriam se posicionado contra a trama golpista, usando seus cargos para acionar os demais colegas das Forças Armadas para barrar uma possibilidade de golpe.

O outro ex-chefe das FA, o almirante de esquadra Almir Garnier (Marinha), teria aderido ao golpe de Estado e colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro, por meio de pronto atendimento ao chamado de Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa.

As oitivas, realizadas entre o final de fevereiro e o início de março, estão mantidas sob sigilo.

Depoimento de Freire Gomes

Na oitiva de quase oito horas, realizada na sexta-feira (1), Freire Gomes afirmou que foi o próprio Bolsonaro, juntamente com o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, quem lhe apresentou duas versões da minuta golpista.

A declaração de Freire Gomes coincide com a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que teria dito à PF que o ex-presidente recebeu do então assessor especial da Presidência, Filipe Martins, a primeira versão.

A edição inicial previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. Bolsonaro, no entanto, teria enxugado o documento, que em sua segunda versão previa apenas a prisão de Moraes, seu principal desafeto. 

Freire Gomes ainda relatou que obedecia ordens diretas de Jair Bolsonaro para que não desmontasse os acampamentos golpistas em frente aos quartéis-generais - especialmente em Brasília, onde foi gestado o 8 de Janeiro. O ex-comandante foi indagado sobre sua inércia diante dos acontecimentos.

Em novembro, após o espalhamento de acampamentos por todo o país com o objetivo de contestar a vitória eleitoral de Lula, Freire Gomes assinou uma nota pública junto de Garnier e Baptista Júnior em defesa do direito de manifestação.

O general teria dito, na época, que as manifestações não durariam e se dissolveriam sozinhas. Contudo, a sua falta de atuação na retirada de manifestantes e instalações do local resultaram em um dos principais redutos radicais que culminou nos atos golpistas.

No entanto, teria reiterado que, desde o princípio, se opôs ao golpe, o que fez com que virasse alvo do também general - da reserva - e candidato a vice, general Walter Braga Netto. Na falta de um posicionamento favorável às intenções golpistas, o ex-ministro chama o então comandante do Exército de "cagão".

A oposição ao golpe também partiu do ex-comandante da Aeronáutica, Carlos Baptista Júnior, que confirmou a versão em depoimento no dia 23 de janeiro à PF. Baptista Júnior também virou alvo dos achaques e de memes de Braga Netto.

Segundo os investigadores, tanto o depoimento de Freire Gomes, quanto o de Baptista Júnior, foram "consistentes" e "reveladores", e teriam preenchido "lacunas" da delação de Cid.

Pedido de impedimento de Moraes

A defesa de Bolsonaro apresentou um recurso ao Supremo, em 27 de fevereiro, para pedir o afastamento do ministro Alexandre de Moraes da relatoria dos inquéritos dos atos golpistas, no curso das investigações da Operação Tempus Veritatis, após rejeição da petição na semana anterior.

Os advogados sugeriram duas opções ao Supremo: que o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, reconsidere a decisão que manteve Moraes como relator dos processos ou que o pedido de afastamento seja levado para julgamento no plenário do tribunal.

O argumento da defesa é de que o ministro assumiu, simultaneamente, a "condição de vítima e de julgador", o que seria motivo para afastamento do posto de relator do caso, diante de possível "parcialidade" no julgamento do inquérito, segundo o texto.

O corpo de advogados justifica que a parcialidade de Moraes seria um comportamento "inescapável": "Não se ignora e nem poderia se ignorar o notório saber jurídico do il. [ilustre] ministro Alexandre de Moraes, sendo um jurista academicamente qualificado e experiente, contudo é inescapável que, como todo ser humano, possa ser influenciado em seu íntimo, comprometendo a imparcialidade necessária para desempenhar suas funções".

Em 20 de fevereiro, Barroso, rejeitou 192 pedidos de suspeição ou impedimento contra Moraes na relatoria das ações penais, apresentados por réus e pelo ex-presidente. "Para essa finalidade, não são suficientes as alegações genéricas e subjetivas, destituídas de embasamento jurídico", escreveu na decisão.

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