BIG TECHS CONTRA A REPÚBLICA

Twitter Files: Conheça a narrativa de Elon Musk que faz coro com bolsonaristas contra Moraes

O dossiê que denuncia a suposta censura à plataforma foi produzido por Michael Shellenberger, jornalista dos EUA, com a ajuda de profissionais ligados a site bolsonarista

Alexandre de Moraes e Elon Musk.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil e Trevor Cokley/Wikimedia Commons
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“O Brasil está envolvido em um caso de ampla repressão da liberdade de expressão liderado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal”, disparou na última quarta-feira (3) o jornalista americano Michael Shellenberger, em sua conta no X (antigo Twitter). A frase foi dita no contexto da divulgação da sua apuração a respeito dos pedidos do STF para a retirada de publicações e perfis que disparam fake news para usuários brasileiros. A esse dossiê, que pretende provar que o Poder Judiciário é uma “ameaça à democracia”, foi dado o nome “Twitter Files Brazil”.

O nome, inclusive, deriva de um caso semelhante ocorrido nos EUA ao qual Shellenberger teve acesso. À época, foi o próprio Elon Musk quem revelou os documentos e os repassou ao jornalista logo após comprar o Twitter e mudar seu nome para X. O “Twitter Files” original apontava que agências do governo dos EUA se esforçaram durante a pandemia para retirar do ar postagens negacionistas da ciência e do próprio Covid-19. Na narrativa apresentada por Musk e pelo jornalista, no entanto, o objetivo seria “censurar a internet de forma profunda”.

Agora, na versão brasileira da conspiração do bilionário de extrema direita, o 'Twitter Files Brazil' aponta que a “censura” ao Twitter não parte apenas de agências federais, mas de ordens judiciais emitidas pelo próprio Supremo, que devem ser cumpridas. O dossiê contou com a colaboração de dois jornalistas que escrevem para a Gazeta do Povo, um site reconhecidamente pró-Bolsonaro.

Na postagem do X supracitada, Shellenberger acusa Moraes de intervir em publicações de parlamentares bolsonaristas e solicitar dados de usuários. O jornalista ainda suspeita que o ministro estaria interessado em cruzar esses dados com outras investigações, o que seria proibido por lei. No entanto, não há realmente uma comprovação dessa tese para além de e-mails que a equipe do X/Twitter – Brasil revelou no âmbito do ‘Twitter Files Brazil’. Trata-se de uma interpretação e hipótese, mas ainda sem comprovação.

É curioso como a narrativa vem bem a calhar para Elon Musk tanto no âmbito político como na concorrência com outras plataformas. Ao longo das postagens, e assim como ocorreu em 2022 no Twitter Files dos EUA, a rede X é a única apontada como “defensora da liberdade e dos dados dos usuários”. No caso brasileiro em especial, a rede de Musk teria sido a única que só entregou as informações mediante decisão judicial, ao contrário das concorrentes Google e Meta (Facebook, Insagram e WhatsApp), que teriam disponibilizado as informações por livre e espontânea vontade às autoridades.

“Moraes colocou pessoas na cadeia sem julgamento por coisas que elas publicaram nas mídias sociais. Ele exigiu a remoção de usuários de plataformas. E exigiu a censura de postagens específicas, sem dar aos usuários qualquer direito de recurso ou mesmo o direito de ver as provas apresentadas contra eles (…)”, escreveu Shellenberger.

O Twitter Files Brazil em alguns passos

Shellenberger dirá, logo no início da publicação, que o dossiê surge como uma resposta à ação do STF e de Moraes contra a difusão de fake news no X/Twitter. Ele aponta que em 14 de fevereiro de 2020, Rafael Batista, consultor técnico do Twitter Brasil, revelou o conteúdo dos pedidos judiciais pela primeira vez à matriz nos EUA, por e-mail.

A seguir, critica o STF e o TSE (Superior Tribunal Eleitoral) por não “censurarem” perfis de esquerda. Esse ponto é tratado como uma “explicação de contexto” a respeito dos tribunais. A crítica, por sua vez, tenta colocar em xeque a composição dos mesmos e sua própria existência, em franco ataque a um dos poderes da República. O objetivo? Por certo atiçar o público identificado com a extrema direita.

Logo depois apontará alguns pedidos de entrega de dados de usuários que publicaram hashtags conspiratórias – como as que pediam voto impresso e questionavam a lisura do sistema eleitoral – e faz a propaganda já citada contra as concorrentes. Para reforçar a imagem do X/Twitter como um “guardião da liberdade de expressão”, expõe ainda informações sobre um processo que Rafael Batista, conselheiro jurídico da plataforma no Brasil, passou a responder em fevereiro de 2021 por não entregar os dados solicitados.

Cada ponto é ilustrado com prints de trocas de e-mail entre a cúpula dos Twitters brasileiro e internacional a respeito do caso. Ao final, o jornalista americano tira sua conclusão: “Estamos, infelizmente, vivendo tempos estranhos no Brasil”. A seguir, a história segue com mais exemplos de pedidos dos tribunais, inclusive sobre dados de Carlos Bolsonaro.

Obrigações da Justiça brasileira e contexto político

Mas ao contrário das “ameaças ao Estado democrático de Direito” propagadas pelo jornalista americano, a Justiça brasileira, e em especial a Justiça Eleitoral, tem a obrigação de retirar do ar conteúdos mentirosos acerca das eleições e dos candidatos que as disputam. O objetivo é que narrativas mentirosas não influenciem o juízo dos eleitores.

Pensando em perspectiva, o dossiê de Elon Musk e seu jornalista viraliza no mesmo dia em que Moraes participou ao lado da Polícia Federal e da Advocacia-Geral da União da assinatura de acordos para o combate às fake news. Entre as ações está prevista a criação do Ciedde (Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia) que já começa a atuar nas eleições municipais desse ano. Para Moraes, a “desinformação é o mau do século”.

Além disso é importante apontar um segundo aspecto do momento em que a denúncia vem a público. Em novembro desse ano quem passará por eleições presidenciais são os próprios Estados Unidos. E o ex-presidente Donald Trump - de quem Musk se declara apoiador - já inicia sua campanha e ataca com mentiras, reeditando o velho discurso de que imigrantes indocumentados teriam maior inclinação a cometer crimes hediondos. Uma fake news sem qualquer comprovação científica.

The Donald caminha para um retorno à Casa Branca, dada a impopularidade de Joe Biden e dos democratas. E enquanto no Brasil vão sendo punidos os golpistas do 8 de janeiro e o cerco ao ex-presidente inelegível vai se fechando. Nesse sentido, uma das estratégias da nossa extrema direita para voltar ao Palácio do Planalto se concentra na reedição dos ataques à República, mais ou menos como Trump feito nos EUA.

 

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