CHACINA NO RIO

Tarcísio Motta critica ação de Castro: "Não tem a ver com segurança, é cálculo político"

Ao Fórum Onze e Meia, deputado federal destrinchou razões políticas da operação mais letal do Rio de Janeiro

Deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ).Créditos: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (29) para falar sobre a operação mais letal do Rio de Janeiro e do país, comandada pelo governador Cláudio Castro (PL), o deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ) destacou que a ação extremamente violenta que resultou na morte de mais de 100 pessoas não tem a ver com segurança pública, mas com cálculo político

O deputado afirmou que, de acordo com relatos que os movimentos sociais têm recebido de execuções sumárias, se comprovados, fica evidente que o governador conduziu o "processo de uma chacina intencionalmente sendo feita como chacina". "Todas as declarações dele apontam que sim, ele compactuou com tudo o que aconteceu, ele deu aval para isso acontecer dessa forma", disse Tarcísio. Caso isso se confirme através das apurações, o governador precisa ser responsabilizado e afastado do cargo. 

O parlamentar relembrou que Castro tentou fazer uma operação nos mesmos moldes no começo do ano no Complexo de Israel, mas não conseguiu porque a polícia não teve como entrar. Agora, ele mudou o alvo para o Complexo da Penha às vésperas da venda da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro) "para ter o elemento político e a grana para as eleições do ano que vem", segundo Tarcísio. 

"É muita covardia e muita crueldade para a sociedade do Rio de Janeiro. Não tem nada a ver com segurança pública isso. Isso é puro cálculo eleitoral e não tem nada a ver com incompetência. Cláudio Castro errou da primeira vez e agora foi muito competente de fazer o que ele queria: paralisar a cidade, trazer as atenções para ele, botar esse tipo de debate que a população sente na própria pele a partir do medo para tentar ganhar votos. E por isso os patetas bolsonaristas estão aí batendo palma para uma coisa que todo mundo sabe que não vai resolver nada. Justiça não é, nunca foi e nunca pode ser vingança", declarou o deputado. 

Para Tarcísio, é preciso uma investigação independente, no âmbito da ADPF das Favelas ou do pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para apurar a conduta do governador. 

"Nosso primeiro papel nesse momento, papel dos movimentos sociais,  papel do governo federal, papel de quem tem responsabilidade com a segurança pública no Rio de Janeiro, é preservar o máximo de provas e de possibilidades que a gente tenha, porque senão tudo vai se perder e a vida vai voltar a uma normalidade muito infeliz na cidade do Rio de Janeiro. A nossa normalidade agora é conviver com chacinas e operações de tempos em tempos", lamentou. 

Transformar facções em organizações terroristas não resolve

Tarcísio também falou sobre o clima no Congresso Nacional, onde bolsonaristas estão comemorando as mais de 100 mortes durante a operação e inflando o discurso em defesa de classificar facções criminosas em organizações terroristas. "Esses bolsonaristas são arautos da morte e fazem política em cima do caixão das pessoas", afirmou o deputado. 

"Nós vimos ontem a polícia sob comando do Cláudio Castro, numa operação absolutamente espetacular, midiática e com olho nas eleições do ano que vem, matar e matar policiais, bandidos e inocentes sem que isso traga nenhum tipo de efeito prático e concreto para a vida dos moradores do Rio de Janeiro. É exatamente isso que os bolsonaristas querem que seja feito, porque as mortes são contabilizadas a partir do medo das pessoas e do dividendo eleitoral que isso trará para esses parlamentares que vivem da morte", declarou. 

O parlamentar destacou que esse cenário contribui para que a extrema direita trabalhe em cima do medo da população para criar um cenário de pavor e justificar um estado cada vez mais autoritário e menos propenso ao debate de diferentes ideias. "Eles tentam trabalhar com a simplificação de um assunto que é muito complexo", afirmou Tarcísio. 

O deputado explicou que o problema não está só no fato de o crime organizado ser capaz de paralisar um estado como o Rio de Janeiro, provocar medo e controlar territórios, mas na razão que leva a esse cenário. 

"O que que ajuda a caracterizar essas organizações de terroristas? Não vai resolver o problema. E muito pelo contrário, vai esconder o problema. Essa é a questão. Porque a legislação brasileira diz que são organizações terroristas as organizações que fazem atividades para provocar o medo na população por razões políticas, ideológicas ou religiosas. É isso que está na lei antiterrorista. O tráfico controla o território por alguma razão ideológica, por alguma razão religiosa, por alguma razão política? Não, a razão é econômica", disse. 

"O tráfico controla territórios, assim como a milícia – e hoje está tudo misturado no Rio de Janeiro – para ter a possibilidade de atividades ilegais lucrativas: o tráfico de drogas, o tráfico de armas, o adulteração de combustíveis, o controle de território para construir prédios para vender para a população, o serviço de 'gatonet', o serviço de eletricidade. Isso não é terrorismo. Isso é máfia. Isso é uma outra caracterização", acrescentou Tarcísio. 

O deputado ainda ressaltou que muitas vezes quem realmente está ganhando com o crime organizado são agentes do próprio estado que permitem os esquemas de corrupção e que não estão nas favelas. 

"Quem está ganhando não está nem na favela, quem está ganhando dinheiro de fato com essa história vai ficar muito a cavaleiro enquanto o Estado continua fazendo operações como ontem, dizendo que estamos diante de uma organização terrorista que justifica cada vez mais armas, cada vez mais intervenção, cada vez mais operações maiores uma atrás da outra, e a população continua à mercê desse tipo de situação", destacou o parlamentar. 

O deputado, portanto, defendeu que a solução não está nas operações, mas em trabalhar com a lógica da inteligência, do sufocamento financeiro e da ruptura dos espaços políticos que essas pessoas têm. 

"O Comando Vermelho não se preocupa com as vidas perdidas ontem. Ele vai recrutar jovens na próxima semana com dinheiro do lucro – que inclusive vai ter porque agora o preço da droga subiu, o preço do fuzil subiu. Ele vai colocar pessoas no lugar e a vida vai continuar com o controle do território. O Comando Vermelho, assim como o PCC, assim como as milícias, se importam com dinheiro, com poder, e é isso que precisa ser o foco, não a juventude pobre negra que está morrendo fardada ou não nas favelas nessa lógica insana que não leva a lugar nenhum".

Por que PEC da Segurança não anda no Congresso

O deputado também debateu a PEC da Segurança e explicou por que o projeto apresentado pelo governo Lula (PT) não tem avançado na Câmara dos Deputados. Tarcísio explicou que a PEC  aponta para o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública onde o governo federal trabalharia em conjunto com os estados, e por essa razão os bolsonaristas e a extrema direita têm realizado uma ofensiva contra o projeto, uma vez que o resultado dessas operações letais são instrumentos para angariar votos nas eleições. 

"Eles não querem perder o seu poder de usar, a partir de um cálculo eleitoral, as polícias para fazerem o que fizeram ontem no Rio de Janeiro. Por isso a PEC da Segurança não anda, porque hoje há uma hegemonia dessa ideia de que segurança pública é tiro em favela. E não querem dar ao governo Lula o protagonismo de finalmente ter um arcabouço jurídico constitucional que determina a integração entre os vários pólos da própria segurança pública."

Proibição das drogas causa mais mortes do que legalização

Outro tópico essencial para o debate sobre segurança pública discutido pelo deputado foi a questão da legalização das drogas. Para Tarcísio, esse é um "passo importante" para uma política de segurança pública efetiva. 

"Tratar o uso abusivo de drogas hoje como caso de segurança pública é decretar a morte de tanta gente viciada ou não viciada, como a gente está vendo nessas operações. É um absurdo. O uso abusivo de drogas é um problema de saúde pública", afirmou. 

Tarcísio ressaltou que as drogas são mantidas no campo da ilegalidade por interesse econômico. "Há grupos que ganham muito dinheiro com essas drogas e com todos os esquemas de segurança em torno desse processo. Essa é uma decisão do mundo capitalista. Ela não está baseada numa ciência, nem na ciência médica, muito menos na ciência social que demonstra que o proibicionismo causa mais mortes do que políticas de legalização", esclareceu. 

O parlamentar, no entanto, pontuou que, apesar da legalização ser um processo fundamental para quebrar partes dos interesses econômicos do tráfico de drogas e das milícias, ela não vai "resolver feito mágica o problema que nós estamos colocados". "Hoje, o tráfico e a milícia lucram com combustível adulterado, com venda de imóveis, com controle de 'gato net', com controle de serviços como água e luz, com segurança privada e muitas outras coisas. Então, a legalização é crucial, é fundamental e a esquerda não pode ter medo de falar disso, mas ao mesmo tempo temos que tomar cuidado para não achar que uma coisa só vai resolver", concluiu Tarcísio. 

Confira a entrevista completa do deputado Tarcísio Motta ao Fórum Onze e Meia

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