GOLPE CONTINUADO

“Essa operação foi feita para mobilizar base eleitoral do bolsonarismo”, diz Villaça sobre massacre de Castro

Em entrevista à Fórum, Pablo Villaça destaca que chacina foi usada pela oposição como 'vitrine eleitoral' após implosão da extrema direita; organizações denunciam violação aos direitos humanos

Créditos: Pablo Porciúncula / AFP
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O Jornal da Fórum desta quarta-feira (29) recebeu o cineasta Pablo Villaça que comentou a chacina comandada pelo governador por Cláudio Castro (PL), nos bairros da Zona Norte da capital fluminense, deixando mais de 121 mortos - incluindo 4 policiais - e causando caos e pânico em toda a cidade na última terça-feira (28), além de acarretar diversas consequências nos dias seguintes, em termos educacionais, econômicos, de mobilidade e sociais. Ele destaca que nada justifica a "operação", que na verdade, "foi feita para mobilizar a base eleitoral do bolsonarismo".

Segundo ele, é efeito da implosão da extrema direita nos últimos meses. "Bolsonaro sendo condenado, a direita se desfacelando, o Eduardo Bolsonaro lutando contra o próprio país lá fora, o Flávio Bolsonaro pedindo intervenção militar dos Estados Unidos no Brasil. Com tudo isso, a direita, que havia perdido o rumo, tenta se distanciar do núcleo bolsonarista (embora o apelo permaneça para eles) e busca executar uma ação desse tipo que, pela quantidade de sangue, pelo absurdo, pela violência e pelo grotesco, acaba mobilizando essa base eleitoral deles e vai funcionar para a base eleitoral deles", afirma.

Villaça apontou que a base ideológica do bolsonarismo é “totalmente alicerçada pela violência, pela brutalidade, pelo aparato policial com uma força descomunal, executando pessoas” e criticou a exploração política da violência, dizendo que ações como essas funcionam como “uma vitrine eleitoral”.

 "Tem um campo político no Brasil que a vitrine eleitoral é o sangue"

"É obviamente uma forma de tentar mostrar para os que se acreditam cidadãos de bem, que eu sempre falo, qualquer um que se identifica como cidadão de bem, para que eles sintam assim representados”

Ainda segundo ele, “mesmo que fossem criminosos, não cabe a polícia ser juíza, júri e executora. Mas é impossível que seja. Então, assim, você sabe que morreu gente inocente ali”, diz. Em nota, o procurador-geral de Justiça afirmou que o Ministério Público do Rio de Janeiro disse nesta quinta-feira (30) que não esteve envolvido no planejamento nem na execução da operação nos complexos da Penha e do Alemão. O MP apenas solicitou os mandados de prisão, enquanto a ação foi conduzida por cerca de 2,5 mil agentes das polícias Civil e Militar, que também sofreram diante da violência.

O cineasta explica que é preciso que a população reconheça a insanidade do ocorrido. "O que eu espero e eu sempre torço é que algum grau de sanidade, pelo menos, recaia sobre uma parcela da população que pode ter sido hipnotizada pelo bolsonarismo. Olha esse tipo de coisa e fala: "Não, espera aí, isso é errado. Não é isso não é humano, não é racional, não faz sentido. Agora, para aquele para aquela raiz forte do bolsonarismo, sem dúvida tem uma pele eleitoral fortíssima".

Em entrevista à Fórum, a  antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jacqueline Muniz também destacou que esse tipo de operação violenta serve somente para sustentar a política de produção da insegurança como projeto de poder para elevar o resultado eleitoral. 

"Matança dá voto, sim, porque quem mata tem mérito e quem morre tem merecimento neste discurso bravateiro de políticos irresponsáveis e apocalípticos que vendem uma coisa que não podem entregar. Por isso, você não pode dizer se ele está certo ou errado. Ele está sempre ali como um pregador do Senhor da Guerra, do profeta do caos e do mercador da proteção", afirmou a pesquisadora. 

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Em 16 pontos, a especialista fez uma análise preliminar sobre a chacina no Rio, destacando pontos principais do contexto do crime, como o abandono da população e exposição ao risco, o aumento da letalidade e da vitimização, a paralisação da cidade, colapso da mobilidade e produção de pânico e insegurança, o comprometimento da capacidade de resposta, a sabotagem do trabalho de inteligência e investigação, além do esgotamento do recurso repressivo, o serviço prestado ao crime organizado, a ineficácia operacional e manutenção do poder das organizações criminosas, o planejamento politiqueiro e desrespeito a protocolos, a propagação de desinformação e ausência de comando, bem como o dever de casa malfeito, o teatro da guerra e a falácia da falta de integração porque falta lei.

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Risco de intervenção de Trump

Em fevereiro deste ano, o governo do Cláudio Castro enviou ao Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro um relatório sobre organizações criminosas do Brasil, sem consultar o presidente Lula. O documento coincide com o período em que o governo Trump completava um mês de bombardeios a barcos, sob a justificativa de confundir tráfico de drogas com terrorismo. “Acontece justamente agora”, destacou Pablo Villaça, sinalizando a proximidade das ações internacionais do Brasil.

Segundo Villaça, o episódio pode ser parte de uma estratégia maior: “Com esse documento agora, de fato, encaminhado à diplomacia e ao governo americano, dá para a gente perceber talvez que isso realmente venha de uma coisa engendrada para alimentar essa sanha dos Estados Unidos por um intervencionismo no Brasil? Mas sem dúvida nenhuma.”

Ele também apontou os interesses golpistas e o esforço de setores da direita em se reerguer: “Isso junta ao interesse golpista, porque é a natureza desse governo de golpe, associa-se ao viralatismo absoluto e a uma tentativa de reerguer uma direita que tá contra as cordas. Então, assim, não existe qualquer dúvida que isso faz parte de uma estratégia.”

Assista à entrevista completa no Jornal da Fórum

ONGs endossam: “segurança pública não se faz com sangue

Uma nota conjunta de 27 organizações da sociedade civil critica a operação que é considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro. Antes dela, a operação de 2021 no Jacarezinho deixou 27 civis mortos. Segundo as organizações, “segurança pública não se faz com sangue” e os resultados da operação desta terça-feira expõem “o fracasso e a violência estrutural da política de segurança no estado”.

O texto diz ainda que, ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, as favelas fluminenses têm visto a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de “guerra” ou “resistência à criminalidade”. As ações seriam atuação seletiva, dirigida contra populações negras e vulneráveis.

Além de não haver sinais de que as ações reduzam o poder das facções criminosas, geram insegurança e medo na população e interrompem o cotidianos de milhares de famílias. A morte não pode ser tratada como política pública, dizem as entidades.

“O que se testemunha hoje é o colapso de qualquer compromisso com a legalidade e os direitos humanos: o Estado substitui a segurança pública baseada em direitos por ações militares de grande escala. Sob o pretexto da ‘guerra às drogas’, instala-se um estado de insegurança permanente, voltado contra a população negra e pobre das favelas. Não há justificativa para que uma política estatal, supostamente voltada à proteção da sociedade, continue a ser conduzida a partir do derramamento de sangue”, diz trecho do comunicado.

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