A deputada Renata Souza articula, para esta sexta-feira (31) às 17h, a entrega do pedido de impeachment do governador Cláudio Castro por violações de direitos fundamentais durante o massacre realizado no âmbito da Operação Contenção, realizada nos complexos da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro. O documento também foi assinado pelos demais deputados do partido, Professor Josemar, Dani Monteiro, Yuri Moura e Flavio Serafini, e pelos parlamentares Dani Balbi (PCdoB), Marina Silva (PT) e Carlos Minc (PSD).
A denúncia se fundamenta em indícios de crimes de responsabilidade cometidos em decorrência da operação deflagrada na terça-feira(28), que resultou na morte de pelo menos 132 pessoas e na paralisação de serviços essenciais em diversas comunidades, bairros e regiões do Rio.
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A bancada de oposição ao governo acusa Castro de atentado à vida da população, em política contrária ao que rezam a Constituição Federal e a Estadual. Para os parlamentares, o governador violou dispositivos cruciais da Lei do Impeachment (Lei nº 1.079, de 1950).
O documento evoca uma fala de Picasso ao ser questionado sobre Guernica para contextualizar a gravidade da situação: "É preciso devolver ao poder público a autoria da tragédia que ele produziu. Uma operação policial que deixa mais de uma centena de mortos, paralisa escolas e unidades de saúde e afronta decisões do Supremo Tribunal Federal não é um desvio isolado: é o retrato fiel de uma política de Estado que transformou a exceção em método e a violência em governo."
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A Operação Contenção, que mobilizou aproximadamente 2.800 agentes das polícias Civil e Militar, com drones, helicópteros, blindados e veículos de demolição, teve como objetivo declarado cumprir mandados de prisão contra integrantes de facções. No entanto, o seu impacto na vida civil foi devastador.
A denúncia aponta Castro como o principal responsável por quatro operações entre as mais letais na história do Rio de Janeiro. O governador, segundo o documento, promoveu ainda perturbação generalizada da vida civil, com diversas unidades de saúde primária impactadas e suspensão do atendimento, e severo caos no sistema escolar, com 24 escolas no Complexo do Alemão e 17 na Penha fechadas, além da suspensão de aulas presenciais em universidades como a UFRJ, UERJ, UFF e PUC-Rio.
Estima-se que 163 mil estudantes foram impactados pela violência entre fevereiro e outubro de 2025. Há também referência no pedido de impeachment a diversos relatos alarmantes de moradores sobre práticas de tortura e execução sumária. Segundo a Agência Brasil, testemunhas denunciaram espancamentos, ameaças e execuções, com descrições perturbadoras de corpos encontrados "sem camisa, fuzilados, com mãos e dedos decepados e também decapitados". Outro morador afirmou que "teve gente que pediu perdão, se ajoelhou, jogou os fuzis, mas foi morta".
No documento, os deputados criticam veementemente as declarações do governador nas quais ele classificou a operação como um "sucesso". Castro confirmou oficialmente apenas 58 mortes, inclusive os policiais, sem esclarecer a disparidade numérica em relação aos 64 corpos anunciados na terça-feira ou aos outros 64 corpos deixados por moradores na Praça São Lucas, no Complexo da Penha.
Ao afirmar que a operação representou "um estado de defesa" para combater o "narcoterrorismo", o governador se autodenunciou: para os parlamentar ele fez declarações "reveladoras do expediente de exceção" e uma "usurpação de conceitos previstos na Lei Antiterrorismo". Deturpou assim a natureza do tráfico de drogas e abriu caminho para a resposta estatal em "um patamar de exceção". Ampliou poderes punitivos e repressivos, sem a devida previsão legal, o que caracterizou "a violação de direitos fundamentais".
O pedido de impeachment aponta para uma série de violações constitucionais e legais. Classifica a conduta do governador como um "atentado direto aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da moralidade administrativa e da supremacia dos direitos fundamentais."
Principais acusações ao governador Cláudio Castro:
- Descumprimento de Decisão Vinculante do STF (ADPF 635)
Castro é acusado de ignorar as determinações da ADPF 635, que impõe limites, protocolos e controle externo às operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro. A decisão exigia, entre outros pontos, respeito rigoroso à proporcionalidade, presença de ambulâncias, uso de câmeras corporais e preservação do local para perícia independente. Nenhuma dessas exigências teria sido observada na Operação Contenção.
- Crimes de Responsabilidade (Lei nº 1.079/1950)
Art. 7º, incisos 5, 6, 7 e 9 - Acusações de servir-se de autoridades subordinadas para abuso de poder, subverter a ordem política e social por meios violentos, incitar militares à desobediência à lei e violar patentemente direitos e garantias individuais e sociais (direito à vida, integridade física, saúde, educação e segurança). A letalidade massiva, a ausência de planejamento proporcional e o uso de armamento de guerra em áreas densamente povoadas são citados como exemplos.
? Art. 9º, incisos 3, 4 e 7 - Crimes contra a probidade na administração, incluindo a não efetivação da responsabilidade de subordinados diante de delitos funcionais, expedição de ordens contrárias à Constituição e decisões judiciais, e conduta incompatível com a dignidade, honra e decoro do cargo. A omissão do Governador em apurar os fatos e a exaltação da operação são consideradas provas.
? Art. 12, incisos 1 e 2 - Crimes contra o cumprimento de decisões judiciárias, por impedir o efeito e recusar o cumprimento de mandados e decisões do Poder Judiciário, em especial a ADPF 635. A decisão do Ministro Alexandre de Moraes, de 29 de outubro de 2025, que reiterou a necessidade de informações circunstanciadas sobre o cumprimento das medidas, teria sido ignorada, configurando "afronta deliberada à autoridade do Supremo Tribunal Federal".
O documento ainda argumenta que a operação não impactou de forma neutra, mas sim "comunidades periféricas, compostas majoritariamente por população negra e de baixa renda". Foi reiterado desse modo um padrão de "necropolítica", onde se define "quem pode viver e quem deve morrer". Cita ainda os conceitos de "invisibilidade e demonização" de Oscar Vilhena Vieira e a produção de "subcidadãos" de Marcelo Neves, para explicar como o Estado legitima a repressão desproporcional.
Diante da gravidade dos fatos, os deputados requerem à Assembleia Legislativa:
- A produção de todas as provas admitidas em direito, inclusive perícias independentes, inspeção judicial e requisição de informações e relatórios oficiais.
- 2O recebimento e processamento da denúncia, com o consequente encaminhamento dos autos ao Tribunal Especial Misto para julgamento, para a perda do mandato do governador e a inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos.
"A instauração do processo de impeachment é uma necessidade para preservação da Constituição e da democracia diante de uma devastadora violação massiva e inédita de direitos fundamentais", explicou a deputada Renata Souza.