ENTREVISTA

Sâmia Bomfim: Cassação para Glauber Braga é "desproporcional"

Ao Fórum Onze e Meia, deputada fala sobre movimento de resistência do parlamentar e expectativas para votação em plenário

Glauber Braga durante sessão no Conselho de Ética da Câmara.Créditos: Lula Marques/Agência Brasil
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A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) esteve no Fórum Onze e Meia desta sexta-feira (11) para analisar o movimento de resistência que o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) iniciou, após a votação favorável no Conselho de Ética à cassação de seu mandato

Em greve de fome há três dias, Glauber tem recebido acompanhamento médico e visitas solidárias de militantes contrários à sua cassação, contou Sâmia. "[Ele] está sendo muito cercado de solidariedade e eu queria aproveitar para agradecer muito a todo mundo que tem escrito nas redes sociais, tem dialogado com os colegas, tem mandado força, energia, isso é muito importante para enfrentar esse momento tão difícil. É importante para ele, para seguir forte, mas é importante também no que diz respeito à formação da opinião pública, para pressionar o Congresso, que por ora finge que não tem nada acontecendo e isso é muito indignante", afirmou a parlamentar. 

Sâmia destacou que a punição aplicada a Glauber é "desproporcional", e que isso tem sido reforçado até mesmo por políticos de partidos da oposição. "No dia da aprovação do Conselho de Ética, eu ouvi de pessoas que são de partidos que nos detestam dizendo: 'olha, é desproporcional cassar por isso, acho que é grave, é um precedente'", contou a deputada. Ela também acrescentou que poucas pessoas sabem, mas há outras penas possíveis no Conselho de Ética.

Sâmia também falou sobre o questionamento da deputada Natália Bonavides (PT-RN), que perguntou ao relator do processo, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), por que, diante de todas as possibilidades de punição, ele "levou técnica, política e juridicamente a escolher a pena mais grave, a mais severa de todas"? 

"Ele não soube responder e, para mim, esse é o ponto central. Por que ele vai cassar o Glauber se teve deputado que tentou golpe de Estado?", declarou Sâmia. A parlamentar também citou o caso de Carla Zambelli (PL-SP), que perseguiu à mão armada um jornalista, e o caso do deputado Carlos Alberto da Cunha (PP-SP), conhecido como Delegado da Cunha, que foi acusado de violência doméstica pela namorada e teve vídeo do episódio divulgado pelo "Fantástico". Nenhum dos dois teve o mandato cassado pelo Conselho de Ética. 

"O relator Paulo Magalhães apresentou um voto [nas outras votações citadas acima] em separado, argumentando que processos judiciais não justificam a intervenção da Câmara sobre mandatos invioláveis. O que mudou? Por quê?", questionou Sâmia. "Para mim, fica muito evidente que são outras forças poderosíssimas do Congresso Nacional que estão por trás disso", acrescentou.

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A deputada ressaltou que a cassação de Glauber é "uma forma de tentar intimidar a esquerda, mesmo os demais mandatos que são combativos, que denunciam escândalos de corrupção, que trazem dentro dos limites do possível do parlamento representação popular aqui para dentro. Então, é por isso, porque o Glauber e consequentemente outros parlamentares de esquerda não estão dentro do script do corporativismo da Câmara", afirmou. 

Sâmia ainda destacou o caso do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco, e que teve o pedido de cassação de seu mandato aprovado pelo Conselho de Ética, mas que segue, há um ano, engavetado pela Câmara dos Deputados. 

"Se ele [Glauber] fosse um cara da direita, do centrão, assassino, como é o caso do Brazão, eles não teriam essa pressa para cassar, como não tem há um ano. Então, é uma situação absurda e muito dramática, mas ao menos tem servido para as pessoas entenderem do que se trata o parlamento", afirmou Sâmia. 

A deputada também declarou que inclusive lideranças do Centrão defendem que o processo de cassação de Glauber seria uma "vingança" do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após o deputado do PSOL expor o esquema do orçamento secreto. 

"No dia que saiu a cassação no Conselho de Ética, nós procuramos algumas pessoas para falar sobre a gravidade do que está acontecendo. E muitos nos disseram: 'ah, mas isso aí não é o Paulo Magalhães, né? Isso aí todo mundo sabe quem é'. Ele brigou com quem não devia, com gente que é muito poderosa, que ainda tem poder aqui dentro, ele denunciou o orçamento secreto, que aí não envolve só o ex-presidente da Câmara, envolve muita gente, muitos partidos e que, enfim, não admitem ter os seus esquemas tão profundamente revelados", afirmou Sâmia. 

"Então, sim, é uma retaliação por, na visão deles, ter ido longe demais essa exposição do que eles são, do que eles fazem", completou a deputada. 

Expectativas para o voto em plenário

Sâmia também falou sobre as expectativas para a votação aberta no plenário da Câmara diante dessas opiniões contrárias à cassação até mesmo de políticos da oposição. Questionada sobre o que deve prevalecer,  se a defesa da desproporcionalidade ou a pressão de Lira, a deputada disse que espera que a greve de fome, a solidariedade e a pressão da sociedade abram espaço para diálogos e alternativas ao voto do relator.  

"Essas informações que a imprensa vem dando de que líderes do centrão compartilham de que seria exagerada [a pena], mas que também o Glauber teria exagerado na crítica mostram de alguma forma estão refletindo sobre essa situação", disse. "É a partir desse cenário que a gente quer buscar avançar", acrescentou Sâmia. 

A deputada também contou, "com muito aperto no coração", que Glauber não está disposto a recuar. "Eu acho que eles conhecem o Glauber o suficiente para entender o que isso significa. E é um peso no colo deles muito grande. Acho que eles não estão dispostos a pagar para ver, sinceramente. Eu espero que eles estejam entendendo a gravidade do que está acontecendo", destacou. 

Precedente para normalização de ataques a parlamentares

Durante a entrevista, Sâmia também ressaltou um ponto que é um dos principais argumentos que os políticos apoiadores do deputado Glauber vêm utilizando, que é a abertura de um precedente para facilitar outras cassações. Além disso, a deputada afirmou que, caso aprovada, a cassação significaria que "a Câmara está autorizando, estimulando, dando um salvo-conduto para provocadores, seja de parlamentares, de militantes e de lideranças". 

"E digo mais, falei isso no Conselho de Ética, me parece muito simples agora cassar um deputado para qualquer adversário de qualquer campo político. Contrata um provocador profissional, coloca essa pessoa atrás de um parlamentar por semanas, ofende a família, ofende a mãe, cerca, vai em atividade pública, vai no local de trabalho, até a hora que você vai revidar, porque não vai aguentar mais aquela situação. E aí vai para o Conselho de Ética e vai ser cassado, porque vai ter que acontecer isso com todos os demais", avaliou.

Ela ainda disse que recomenda, inclusive, que os parlamentares "não façam inimizade com os seus suplentes, porque se não os suplentes serão os primeiros a fazerem isso para tomar a vaga deles". "Eu dou essa situação mais absurda porque é esse o absurdo que eles estão criando. Eu não tenho dúvida que se passa a cassação, isso vai ser uma verdadeira avalanche, nas assembleias legislativas e nas Câmaras municipais, seja do MBL ou dos bolsonaristas do PL, por exemplo", apontou. 

Sâmia acrescentou que, além de um recado para a esquerda e para o povo, a possível cassação de Glauber é também um recado para a democracia, pois os níveis mínimos de atuação democrática no parlamento, que já tem diversas limitações, irão diminuir. 

"Não é um espaço preparado, feito, construído para ter essa representação popular, essa combatividade, a gente faz dentro dos limites do que a gente consegue. Tudo isso vai se perder e vai virar justamente essa avalanche e uma premiação para aqueles que deveriam ser os primeiros a serem punidos por isso", alertou a deputada.

"Inclusive, eu falo isso isso já com os próprios líderes do centrão, vocês podem achar que com Glauber não vai dar nada, mas no dia seguinte vai ser com eles também. Se não quiserem esse ou aquele projeto, se votarem algum projeto do presidente Lula. É isso, vão ser também igualmente atacados, achincalhados, ofendidos, vão ter as famílias expostas. Eu quero ver quem sustenta essa situação, por isso que é tão grave", destacou.

PL da Anistia

Sâmia também abordou as perspectivas para a votação do PL da Anistia, que atingiu as assinaturas necessárias para tramitar em regime de urgência na Câmara. A deputada alertou que, apesar de se posicionar publicamente contra a votação do projeto, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) que, de acordo com Sâmia, está com uma "agenda inatingível", se reuniu com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta quinta-feira (10). 

"Por que ele priorizou, nessa agenda tão inatingível dele, o ex-presidente inelegível? , questionou Sâmia. 

Ela ainda acrescentou que a coleta de assinaturas "escancara ainda mais a gravidade da situação" em comparação ao processo de cassação de Glauber. 

"Veja, então, se quer cassar um deputado que reagiu a uma provocação, mas se quer anistiar aqueles que tentaram dar um golpe de Estado?", disse a deputada. 

Ela completou afirmando que não duvida que os bolsonaristas queiram fazer uma ofensiva ainda maior nos próximos dias. "Eu acho que eles vão para uma ofensiva feroz agora, porque sabem que a situação jurídica do Bolsonaro é muito difícil de ser revertida e vão buscar uma saída para tentar livrá-lo de algum modo".

"Então, estejamos preparados, porque vem aí um período difícil de ofensiva da extrema direita no Congresso", concluiu a deputada.

Confira a entrevista completa da deputada Sâmia Bomfim ao Fórum Onze e Meia 

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