ANÁLISE

Estratégia sensacionalista de Bolsonaro serve para manter "mito do herói", diz Olga Curado

Em entrevista ao Fórum Onze e Meia, comunicadora também analisa caso INSS com lições do Aikido

Jair Bolsonaro durante 1° dia de julgamento no STF.Créditos: Flickr/STF
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A jornalista, escritora, consultora de comunicação e aikidoísta, Olga Curado, esteve no  Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (30) para falar sobre seu novo livro, "Os Ventos de Kumano: no Tatame Como na Vida, Lições do Aikidô Para a Comunicação", e o cenário político atual. A comunicadora analisou a postura sensacionalista do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a internação no hospital, o caso do INSS e as armadilhas comunicacionais da extrema direita

Olga avaliou que a estratégia sensacionalista de Bolsonaro ao se filmar internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital DF Star, em Brasília, faz parte de uma  tentativa de manutenção do "mito do herói". "É um limite da vitimização que chega na construção do mito do herói. Por que quem é o herói? É aquele que supera todas as vicissitudes, todas as agressões. Então, ele tem que mostrar a agressão, a dor, para depois sair triunfante, fazendo a live", afirmou a comunicadora.

Disputa política e o caso INSS

Ela disse que, através de seus aprendizados com o Aikido (arte marcial japonesa), pôde aprender algumas técnicas para lidar com a comunicação, "especialmente em situações de crise e de potencial conflito, que é da natureza da disputa política", destacou. 

"A disputa política, necessariamente, quer produzir controvérsia e gerar conflitos para, a partir desse conflito, estabelecer alguma dominação. É como numa luta. É uma luta por uma posição, por uma postura", analisou. 

Ela afirmou que, através dessa perspectiva da luta, o bolsonarismo seria classificado como o "agressor  extremamente violento". Nesse sentido, ela avaliou que, se o alvo que recebe essa agressão assume uma postura extremamente defensiva, ele não vai conseguir resolver o problema. 

"Então, o que o Aikido nos ensina é que se você vem com uma potência 9, eu vou com uma potência 1, um pouco menor, porque eu vou apenas utilizar aquilo que você traz como força para redirecionar", explicou.

"Eu não vou colocar potência igual, porque se eu coloco, aquele que é mais forte, que tem, naquele momento, mais capacidade de gerar tensão, vai vencer. E é muito difícil isso, porque exige você ter timing, velocidade", acrescentou Olga. 

A comunicadora relacionou esses aspectos com o caso dos descontos indevidos no INSS. "O que a gente está vendo hoje na questão do INSS é uma perda de timing. É o que eu chamo de paralisia da análise. Você espera que tudo esteja esclarecido para poder comunicar", analisou. 

Para ela, se o governo do presidente Lula (PT) já tinha ciência das fraudes, era preciso planejar uma forma de comunicação efetiva para passar informações à sociedade de maneira clara e objetiva, para que o problema não recaísse como culpa do governo. 

Sem essa estratégia, "o golpe vem muito violento e você fica paralisado, achando que alguma coisa vai se resolver a partir daquele movimento de agressão", disse ela, fazendo alusão aos ataques bolsonaristas que procuraram colocar o problema como responsabilidade do governo Lula, mesmo que as fraudes tenham sido iniciadas em 2019, durante o governo Bolsonaro, como mostrou a investigação da Polícia Federal (PF). 

Nesse sentido, ela defendeu que o movimento necessário é identificar qual é o potencial da situação. "Então, quando lá atrás, ou no início do governo, você já tinha informações sobre as denúncias dos aposentados, ali você já tem o prenúncio, que é uma informação muito objetiva, muito clara", afirmou. 

"Na arte marcial, no Aikido, você não espera. Você se antecipa. Para isso, existem pesquisas. Para isso tem informação", acrescentou. 

Olga ainda acrescentou que a "paralisia da análise é resultado de um sentimento de intimidação que eu tenho diante do outro".

"Então, eu acabo dando muita força para o outro. As redes começam a traduzir e capitalizar o escândalo INSS na conta do governo", disse. Isso acontece porque o próprio governo ficou esperando reagir a uma situação criada pelo outro, segundo ela. 

"A gente aprende [no Aikido] que na hora que o outro te agarra, você já perdeu. E aí você precisará de muito mais recursos e ajudas para sair da sua imobilidade. Então, não é esperar. Você atua e, paralelamente, você negocia", afirmou. 

"A paralisia da análise é o principal gerador de crise. É o principal inimigo da comunicação. Claro que com todos os outros elementos que acabam potencializando também, como o erro equivocado dos canais de linguagem", ressaltou. 

Armadilha da extrema direita

Olga Curado também comentou a armadilha comunicacional da extrema direita, que tem como objetivo criar instabilidade ao provocar seu adversário e confundir sua real intenção. No ano passado, a comunicadora trabalhou na equipe do deputado e candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL-SP), que fez uma disputa acirrada na área de comunicação contra o ex-coach Pablo Marçal (PRTB), que utilizou intensamente de fake news para prejudicar a imagem do psolista. 

A comunicadora afirmou que o problema da campanha de Marçal era que ele tinha uma "agenda oculta" com objetivos para além da eleição, como outros candidatos extremistas. Por isso, ela destacou que uma das principais estratégias que o campo progressista deve adotar é a leitura das intencionalidades de determinado político. Se isso não acontece, "você acaba criando espaço para o outro dentro de uma disputa que não é a disputa que ele está fazendo", disse. 

"Você se deixa confundir pelo discurso do outro, então você acaba sendo conduzido pelo discurso do outro e caindo em armadilhas. E essas armadilhas são colocadas propositadamente com um objetivo claríssimo, que é criar instabilidade emocional", afirmou Olga. "Ninguém está trabalhando com lógica nesse processo. Está trabalhando com emoção, está trabalhando em fazer com que o outro perca equilíbrio", destacou a comunicadora. "Então, o grande desafio é manter o equilíbrio e deixar que o outro caia pela própria força que ele produz", pontuou. 

Olga Curado também utilizou essa análise no caso do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que está sendo alvo de um processo de cassação após ter reagido a provocações de um militante do Movimento Brasil Livre (MBL), que chegou a ofender a mãe do parlamentar. 

Para a comunicadora, a melhor postura diante dessas situações é a tentativa de manter o equilíbrio e não reagir às provocações. Ela afirmou que ser reativo nessas ocasiões não é "estar respondendo" a elas, mas sim "reativando-as". No entanto, a reação mais comum é "colocar gasolina no fogo" e, então, gerar problemas como esses.

"Se a situação é de provocação, deixa que a provocação se esvazie. Como é que a gente deixa a provocação se esvaziar? Sai da cena. 'Ah, mas vai ter imagem de você fugindo'. Não, vai ter imagem de que você não aceita aquilo", explicou. 

"Obviamente, quando eu trabalho para gerar instabilidade emocional, o que eu quero é demonstrar que você é instável, demonstrar que você não é confiável, e criar os memes e as cenas", acrescentou ela. 

Olga finalizou afirmando que quando a intenção é "atacar o outro", é preciso entrar em seu espaço. Porém, se o outro é ágil e rápido, ele captura o oponente. "E isso não é um ensinamento do Aikido, isso é um ensinamento milenar, isso é um ensinamento da arte da guerra", disse.

"Se você entra no espaço do outro, você pode ter uma força enorme, [mas] a dificuldade de você sair daquela armadilha que o outro cria no espaço dele é muito maior. Então, isso vale no discurso da disputa política", analisou. 

Por fim, a comunicadora afirmou que é preciso criar uma "informação nova" para sair da armadilha do outro, pois esse outro "não tem compromisso nenhum sem ser tumultuar". 

Confira entrevista completa

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