O Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (9) recebeu o escritor, historiador e professor de literatura João Cezar de Castro Rocha para comentar sobre o atual cenário político no Brasil, principalmente sobre a força do bolsonarismo e as expectativas para o futuro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), agora réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.
Rocha relembrou que, em seus dois livros dedicados ao tema do bolsonarismo, ele defendia a ideia de que o movimento de apoio a Bolsonaro permaneceria até mais forte sem a figura do ex-presidente. "Eu supunha isso porque, em 2018, nós temos que reconhecer, com bastante honestidade intelectual, que o Bolsonaro foi o maior fenômeno político individual da Nova República.
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"Aquela onda que ele provocou, aquelas dezenas de milhões de votos, ele elegeu deputados estaduais, deputados federais, senadores, governadores, muitos colocaram Bolsonaro na cédula para serem eleitos. Foi um fenômeno impressionante. Eu sou do Rio de Janeiro, eu jamais imaginei que o Bolsonaro teria um carisma com potencial messiânico, o que ele mostrou que tem. Então, em 2018, o Bolsonaro trouxe consigo multidões", avaliou o historiador.
No entanto, ele afirma que precisa reconhecer que estava equivocado, e que agora o que acontece é o inverso do que ele previu: o bolsonarismo está perdendo força no cenário atual.
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"Foi um fenômeno incrível. Já em 2022, o fenômeno se inverteu", afirma Rocha. Para ele, Bolsonaro chegou ao segundo turno das eleições presidenciais de 2022 não por ele, mas sim pelo bolsonarismo.
"Foi o movimento bolsonarista que levou o Bolsonaro para o segundo turno, já numa inversão que mostrou algo muito importante: que o bolsonarismo já não se sustentava sozinho", defende Rocha. "Ele [Bolsonaro] já não seria capaz de enfrentar uma eleição majoritária sem a presença de determinados líderes evangélicos com base na chamada teologia do domínio, que fazem uma deturpação tremenda do repertório bíblico para apoiar o Bolsonaro, o que provocou um fenômeno no Brasil", completa o historiador.
"Então, em 2018, Bolsonaro é o carro-chefe. Em 2018, o movimento impulsionou, mas hoje eu acho que eu estava equivocado. Eu acho que nós estamos assistindo ao definhamento precoce do bolsonarismo", analisa Rocha.
O historiador argumenta que, numa tentativa "desesperada" de salvar Bolsonaro do processo por tentativa de golpe, o bolsonarismo "está queimando todos os navios, está destruindo todas as pontes possíveis e imagináveis com o sistema político e com o sistema judiciário".
"Porque, veja bem, olha a mensagem que os bolsonaristas estão transmitindo conscientemente para qualquer juiz, qualquer desembargador, qualquer procurador, qualquer defensor público: 'ou você apoia 100% a agenda da defesa do Bolsonaro, ou nós podemos sair do país e procurar uma retaliação judicial numa potência estrangeira que seja eventualmente aliada do bolsonarismo'", afirma Rocha.
Ele cita o caso do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está há um mês nos Estados Unidos e pediu licença do seu mandato na Câmara para promover uma série de ataques e ameaças à Suprema Corte brasileira. "É um crime, é traição à pátria", ressalta Rocha.
"A mensagem que ele transmite para o sistema judiciário brasileiro é queimar todas as pontes. Eu diria que hoje há dois juízes do Supremo Tribunal Federal que não conseguem dormir bem. Não são Flávio Dino, tampouco Alexandre de Moraes. É Nunes Marques e André Mendonça", analisa Rocha. O historiador faz a afirmação com base em uma declaração de Bolsonaro de que em 2026 haverá "outro TSE". "O que já coloca nas costas do Nunes Marques, que será o presidente do TSE, um peso insuportável", diz Rocha.
O historiador também destaca um "erro grave" cometido por Silas Malafaia e outros políticos apoiadores de Bolsonaro no ato do último domingo (6) na Avenida Paulista. Na manifestação, o pastor declarou para Hugo Motta (Republicanos-PB), atual presidente da Câmara dos Deputados, a seguinte frase: "não desonre a Paraíba, seja macho, seja cabra macho", referindo-se à aprovação do projeto que pede anistia aos golpistas de 8 de janeiro.
Para Rocha, os bolsonaristas estão "queimando todas as pontes com o sistema político e judiciário". Isso porque, para o historiador, Hugo Motta é um deputado da Paraíba com uma tradição do coronelismo por trás. "Não existe nada mais importante para um deputado como Hugo Motta do que a certeza que a sua autoridade não será contestada", afirma Rocha.
"Por isso, eu agora estou revendo a minha avaliação. O Bolsonaro definhará mais rapidamente do que nós supomos", defende o historiador, que também afirma que esse definhamento a médio e longo prazo é uma "boa notícia para a direita brasileira".
"Porque o campo político que mais sofreu com o avanço do Bolsonaro não fomos nós. Nós fomos perseguidos, vilipendiados, xingados, mas o PT voltou ao poder. A esquerda se reorganizou para enfrentar a ameaça Bolsonaro. O campo político que realmente foi canibalizado pelo bolsonarismo foi o campo dos conservadores e o campo da direita. Para a direita é uma boa notícia que Bolsonaro e bolsonarismo definhem", avalia.
Tarcísio de Freitas é a 'pinochetização' do Brasil
Rocha também falou sobre os cenários que estão se construindo para a disputa presidencial de 2026, em que o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), se consolida como uma alternativa para Bolsonaro, que está inelegível por oito anos e prestes a ser condenado no STF.
Nesse sentido, o historiador faz questão de chamar atenção para o fato de que Tarcísio representa o "triunfo do neoliberalismo predador que o Paulo Guedes" e deve instaurar uma política ainda mais violenta que a de Bolsonaro após 2018.
"Se ele [Tarcísio] for eleito, será o triunfo do neoliberalismo predador que o Paulo Guedes só não conseguiu levar adiante pelas ações erráticas do Bolsonaro. Mas Tarcísio de Freitas é capitão do Exército. Um capitão do Exército que fez parte da desastrosa missão do Haiti, com todas as denúncias de abuso de todas as espécies possíveis, de forma que o próprio general Augusto Heleno teve que deixar o comando das forças de paz no Haiti, porque de paz aquelas forças não tinham nada", destaca Rocha.
O historiador acrescenta que enquanto a forma de governo de Tarcísio é o "paraíso" para o mercado financeiro, para os paulistas é um "desastre". Ele cita a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que piorou o atendimento da empresa à população, além de medidas que prejudicam a Educação no estado.
"O que o Tarcísio de fato representa? É muito importante que a mídia alternativa comece a martelar essa ideia para a nossa reflexão. O que eu direi agora parece chocante, mas não é. O Tarcísio representa a pinochetização do Brasil", declara Rocha.
Ele relembra o projeto de Paulo Guedes para o Brasil, em que o ex-ministro da Economia afirmava que queria transformar o país no Chile da época do governo do ditador Augusto Pinochet, que promoveu a ditadura mais violenta da América Latina.
"O que significa pinochetização? É simples. Significa supressão radical dos direitos do trabalhador", afirma Rocha, que diz que esse modelo já está sendo levado adiante desde a Reforma Trabalhista do ex-presidente Michel Temer em 2016.
"Retirada do Estado de maneira radical de todas as suas iniciativas com função social. É a substituição do Estado por uma palavra mágica: "voucherização" da vida. É a uberização do trabalho, é a voucherização do serviço público em todas as esferas. Privatização de todos os ativos do Estado", explica o historiador.
Ele finaliza alertando que é preciso que o nome de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, seja cada vez mais comentado, pois servirá de exemplo para Tarcísio e outros políticos de extrema direita.
"Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado disputarão na disputa presidencial de 2026 a tutela de Nayib Bukele para a segurança pública no Brasil. Então, esse é o contexto que nós enfrentamos, não é um contexto fácil. O Tarcísio de Freitas é infinitamente mais perigoso do que o Jair Messias Bolsonaro", diz Rocha.
Confira a entrevista completa do historiador João Cezar de Castro Rocha ao Fórum Onze e Meia abaixo:
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