O escritor e historiador João Cezar de Castro Rocha esteve no Fórum Onze e Meia desta terça-feira (20) para comentar sobre alguns dos principais temas da política brasileira atual. Ele, falou principalmente, a respeito da atuação da extrema direita no campo dos afetos e também comentou sobre seu novo curso "William Shakespeare, imaginação literária e política contemporânea", que acontece nos dias 31 de maio e 1º de junho.
Rocha analisou como a esquerda poderia ter uma maior aproximação da direita, com o objetivo de atrair o centro e causar um racha na direita e na extrema direita, mas sem deixar de lado a agenda progressista e se tornar minoria na política. Para o historiador, a luta de classes nunca foi tão forte como hoje no Brasil. No entanto, ele afirmou que essa luta "é exercida 24 horas por dia, 7 dias por semana pela Faria Lima, pelo mercado financeiro e pela mídia corporativa".
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Rocha citou, por exemplo, a viagem do presidente Lula (PT) à China, o que resultou em acordos bilionários para investimentos no Brasil de importantes indústrias chinesas. Porém, as manchetes na mídia corporativa não trouxeram essas notícias. "Não existe nada que o presidente Lula faça que não tenha uma manchete enviesada", disse Rocha. "A única manchete que dominou a mídia corporativa relativa à viagem do presidente Lula foi uma fake news que a primeira-dama teria interrompido o presidente chinês Xi Jinping para inquirir sobre o TikTok", ressaltou.
"Então, essa entidade fantasmática no Brasil, o mercado, está em luta de classes desde o dia 1° de janeiro de 2023", afirmou o historiador.
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Outro exemplo citado por Rocha é referente às previsões do mercado, que geralmente são negativas e acabam sendo erradas após a divulgação de resultados de determinados setores da Economia. "Há três 3 anos, só no Brasil acontece o fenômeno de que os analistas extraordinariamente bem pagos de mercado erram. Sistematicamente, eles jogam a inflação para cima e a previsão do crescimento do PIB para baixo. Não é um erro, é um projeto", analisou Rocha.
"O projeto é manter o Estado refém do saque permanente das elites financeiras, porque como a dívida do tesouro público é paga com juros da taxa Selic, se você tiver uma campanha sistemática de desinformação sobre o estado real da economia brasileira, os juros da taxa Selic crescem ou se mantêm altos, e com isso os juros são verdadeiramente fortunas transferidas do Estado brasileiro para elite financeira", afirmou.
Nesse sentido, Rocha apontou que a "elite financeira no Brasil está em luta de classes 24 horas por dia, 7 dias por semana". Ele ainda acrescentou que o que a extrema direita faz hoje, "de maneira odiosa, vil e abjeta", é hiperpolitizar todas as ações.
"Se o presidente Lula espirrar numa viagem para os Estados Unidos, a extrema direita politiza o espirro. Vai dizer que é uma doença grave que mostra que o presidente Lula é o Joe Biden. Se o presidente Lula não espirrar, dirão que estão escondendo um quadro clínico grave. Então, a extrema direita politiza radicalmente 24 horas por dia, 7 dias por semana", afirmou.
Para Rocha, o princípio básico da extrema direita hoje, não só no Brasil mas no mundo inteiro, é viver em campanha. Ele citou o exemplo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e do deputado de Portugal André Ventura.
"A estratégia é sempre a mesma. É de maneira incansável ocupar as redes sociais com uma colonização da política pela lógica da atenção", afirmou Rocha. Por outro lado, ele lamentou que a esquerda, quando chega ao poder, não faz essa disputa da politização. "É como se o governo da frente ampla fizesse um esforço enorme para não quebrar louça, para aparecer muito civilizado", disse Rocha.
Ele acrescentou que o campo progressista, hoje, evita entrar em embates que pode perder e apresenta somente leis que sabe que serão aprovadas. "Não pode ser assim. Há uma dimensão da luta política da esquerda que fundou a possibilidade de um governo de esquerda no mundo, não só no Brasil, que é o conflito, mas conflito dentro das regras democráticas", avaliou o historiador.
Rocha defendeu, ainda, que "recuperar a dimensão do conflito é tão importante quanto o trabalho de tentar desvendar os mecanismos da retórica dos afetos da extrema direita". "Mas as frentes amplas e os partidos de esquerda que, porventura, chegam ao poder, precisam politizar e recuperar a dimensão do conflito, ou nós tendemos a perder a longo prazo, porque a campanha de desinformação da extrema direita, a hiperpolitização do cotidiano não tem trégua, é 24 horas por dia, 7 dias por semana. Um dia eles tanto batem na porta que chegam ao poder", alertou.
O historiador afirmou que a extrema direita triunfa porque "representa a monetização radical da vida política". Tudo que eles fazem tem como finalidade monetizar", disse. Rocha explicou que a atuação da extrema direita se dá através de uma tríade: mentir, manipular e monetizar.
"A extrema direita precisa do lacre. Sem o lacre não há like. Sem like, ou seja, visibilidade, não há lucro. Dinheiro na mão é vendaval e voto, capital político. Exemplo máximo disso: Nikolas Ferreira. Agora, para conseguir o lacre que gera o like e que permite o lucro, o que faz a extrema direita? São três M's. 'Mente' para 'manipular' a militância e manipula para 'monetizar'", afirma Rocha.
Ele ponderou que 58 milhões de votos para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022 foram, na verdade, 58 milhões de "clientes potenciais de um mercado altamente engajado", que é o mercado monetizador da radicalização política.
"A extrema direita é marxista involuntariamente. Se Marx dizia no 'Capital' que a moeda tornou-se o tradutor universal, a extrema direita tornou a monetização a razão de ser da vida política. Por isso, eles fazem a militância 24 horas por dia, 7 dias por semana. Por muito tempo eu achei que era uma questão ideológica. Eu estava equivocado, eu demorei a compreender. Eles fazem isso porque eles estão ganhando dinheiro, eles estão monetizando como Bolsonaro agora que pede pix para pagar as despesas do filho em Orlando. Como a Carla Zambelli vendendo agora perfume e batom", destacou Rocha.
"Bizarrice" se transforma em voto nas urnas
Rocha também falou sobre a deputada e agora condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos de prisão, Carla Zambelli (PL-SP), para exemplificar a importância do embate político protagonizado pelo campo progressista e democrático. O historiador relembrou que quando Zambelli ainda não era deputada, ela publicou um vídeo afirmando que a Havan pertencia à filha da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Na época, Dilma não processou Zambelli, mas na avaliação de Rocha, isso teria sido "indispensável".
"Me parece que nós hesitamos muito, falhamos ao lançar mão sistematicamente de instrumentos que o Estado Democrático de Direito coloca à nossa disposição. Nós permitimos demais que essas bizarrices se transformem em votos nas urnas", afirmou Rocha. "Porque quando a bizarrice cria visibilidade, a visibilidade gera de um lado monetização, do outro capital político. Quando o capital político se converte em votos nas urnas e se transforma em mandato, essas pessoas se sentem absolutamente imunes. Confundem imunidade parlamentar com impunidade para crimes", complementou.
Nesse sentido, Rocha disse estar convencido que a responsabilidade dessa realidade é da esquerda. "Somos nós que não temos a capacidade de recorrer aos instrumentos legítimos e legais para punir essas bizarrices, porque essas bizarrices podem parecer caricaturais, mas não são. Elas são crimes. Nós deveríamos começar sistematicamente a tentar responsabilizar penalmente essas pessoas", alertou.
Confira a entrevista completa do historiador João Cezar de Castro Rocha ao Fórum Onze e Meia
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