DERROTA DO NAZISMO

Dia da Vitória: "O socialismo que derrotou a Alemanha nazista", destaca Elias Jabbour

Ao Fórum Onze e Meia, geógrafo defende que evento de comemoração de 80 anos da vitória soviética simboliza "resgate da verdade histórica"

Cerimônia de celebração dos 80 anos do Dia da Vitória.Créditos: Ricardo Stuckert/PR
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O geógrafo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Elias Jabbour, esteve no Fórum Onze e Meia desta sexta-feira (9) para falar sobre os 80 anos da derrota da Alemanha nazista pelo Exército Vermelho da antiga União Soviética. Comemorada como "Dia da Vitória", a data está reunindo, na Rússia, diversos líderes mundiais, como os presidentes Lula e Xi Jinping, recepcionados por Vladimir Putin.

Durante a entrevista, Jabbour afirmou que esse encontro simboliza o "resgate da verdade histórica" e destacou que foi a União Soviética a responsável por derrotar o Exército nazista de Adolf Hitler. O geógrafo afirmou que o Ocidente recebe diariamente "uma visão propagandística que busca invisibilizar o papel da União Soviética na Segunda Guerra Mundia".

"Quando, na verdade, na Segunda Guerra Mundial, os alemães só foram derrotados por conta da existência da União Soviética, que perdeu 27 milhões de pessoas no conflito, mais 20 milhões de desabrigados, fora os inválidos. E foi o exército [Vermelho] que infligiu derrotas sucessivas à Alemanha, e foi o primeiro exército a chegar em Berlim, por exemplo", explicou Jabbour. 

"Então, o Dia D, por exemplo, que é tão propagado aqui no Ocidente, é uma operação pelo menos 15 vezes menor do que foi a operação em torno da Batalha de Stalingrado, por exemplo, que é onde começa a virada da Segunda Guerra Mundial, e muito menor também do que a Batalha de Kursk, que foi a maior batalha de tanques da história", acrescentou o geógrafo.

Jabbour destacou, então, que o evento de comemoração de 80 anos do Dia da Vitória, em Moscou, é uma "demonstração de se colocar na cena política internacional a verdade histórica". Ele ainda relembrou que no dia 27 de janeiro se celebra o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, pois foi na mesma data, em 1945, que houve a liberação do maior campo de extermínio nazista, Auschwitz-Birkenau, pelas tropas soviéticas. "Ninguém fala que quem libertou Auschwitz foi a União Soviética, o Exército Vermelho", afirmou Jabbour. 

"Então, a União Soviética tem sido apagada o tempo inteiro da história da Segunda Guerra Mundial. Existe, inclusive, um revisionismo histórico muito grande em torno dessa participação da União Soviética, e agora o mundo está vivendo uma correlação de forças que está mudando rapidamente em favor do Sul Global", avaliou o geógrafo. 

"Então, quando você vê o Putin recebendo Xi Jinping, Lula, Maduro, as principais lideranças africanas - o mundo hoje, nesse momento, está na Rússia - eu acho que é um sinal de que a humanidade tem salvação. Usando um termo mais cristão, eu acho que a humanidade tem tudo para se encontrar consigo mesma. E esse ato de 80 anos de lembrança da derrota dos nazistas na Segunda Guerra Mundial é muito importante", declarou Jabbour. 

O geógrafo também fez questão de ressaltar que foi a "o socialismo que derrotou a Alemanha nazista, assim como um país socialista hoje se coloca na linha de frente no enfrentamento à barbárie norte-americana, que é a China". "Foi um país socialista que derrotou a besta nazista na Segunda Guerra Mundial, e eu não poderia deixar de lembrar disso", acrescentou. 

Tarifas de Trump e ascensão do Sul Global

Jabbour também avaliou a postura do presidente Donald Trump em relação à implementação de tarifas contra diversos países do mundo, principalmente contra a China, e como isso pode favorecer a ascensão do Sul Global. 

O geógrafo afirmou que a ascensão do sul global já é uma realidade  há algum tempo. "Por exemplo, o PIB do sul global já é maior do que o produzido no ocidente coletivo", disse. "O comércio sul-sul já é maior do que o comércio norte-sul, por exemplo. Então, a crise de 2008, a pandemia do Covid-19, a ascensão rápida da China nas cadeias globais de valor, o aumento da capacidade chinesa de investimento fora do seu território e o aumento do tamanho do mercado interno chinês, favorecem isso", explicou. 

Jabbour apontou que, apesar da ascensão do Sul Global já ser uma realidade, o "tarifaço" de Trump acelera esse processo de integração. Ele considerou, porém, que a guerra na Ucrânia e o fato de os Estados Unidos terem arrecadado US$ 600 bilhões pela Rússia ter sido expulsa do sistema internacional, geram uma "desconfiança" em relação ao Sul Global. 

"Isso também é parte desse conjunto da obra que envolve a ascensão do Sul Global, inclusive, enquanto um grande mercado regional, que é essa tendência que vai se conformando na medida em que os americanos tentam reeditar as chamadas áreas de influência. Então, o Sul Global já é uma realidade que tende a se acelerar ainda mais com a eleição de Trump, com o tarifaço, mas é algo que já estava acontecendo há um bom tempo já", relatou Jabbour. 

A esquerda brasileira 

Por fim, Jabbour também fez uma análise sobre a esquerda brasileira, principalmente uma parcela que vem construindo um antipetismo radical e defendendo que não há possibilidade de construção com partidos como PT, PSB e PCdoB. Para o geógrafo, esses partidos são "equivocados". "Acho que eles estão, se você for observar na História, cumprindo o mesmo papel histórico que sempre cumpriram, porque na política você pode fazer duas escolhas: ou você atua no curso dos acontecimentos e tenta influenciar esse curso dos acontecimentos, isso se chama participar da grande política, ou você vai ficar à margem dos grandes acontecimentos", analisou. 

"Quando você fica à margem dos grandes acontecimentos, você não tem responsabilidade com a realidade, e ao não ter responsabilidade com a realidade, você fica muito tranquilo para atacar o que está aí. Evidente que o governo Lula é um governo cheio de limites, que eu sei, todos nós sabemos quais são, mas a esquerda que se coloca como oposição ao governo Lula, não tem força acumulada o suficiente para se colocar como uma alternativa de governo", acrescentou Jabbour. 

"Então, a tendência dessa esquerda, por exemplo, é ser o quê? É ser fagocitada pela extrema direita. Então, essa esquerda está ocupando o lugar que a História reservou para ela, desde sempre", reiterou o geógrafo.

Ele acrescentou que sua preocupação é com o campo político de partidos como PT, PCdoB, PSOL, PSB e PDT. "Essa é a minha preocupação, que é centrada em tentarmos superar um problema subjetivo que nós vivemos, que é a não compreensão da centralidade da questão nacional, ou seja, a questão da soberania nacional como centro da nossa razão de existência em um mundo onde existe imperialismo", afirmou. 

"Em um mundo que é caracterizado pela luta entre diferentes blocos de capitais, ou seja, é o bloco de capital alemão contra o bloco europeu, contra o bloco de capital russo, que por sua vez é contra o bloco capital americano, chinês, e a nossa esquerda, no geral, perdeu a capacidade cognitiva de pensar o mundo nesses termos", avaliou Jabbour.

O geógrafo chamou atenção para outro ponto de discussão, que é uma "culpa exagerada" que recai sobre a esquerda que está "se enveredando para as pautas identitárias". "Eu acho que não é somente esse o problema, não é o problema das pautas identitárias, o problema é que essa esquerda não consegue dar universalidade para essas questões que não são identitárias, porque a classe operária brasileira tem duas características: ela é mulher e negra. Então, não é uma questão de minoria, é uma questão de maioria, só que eles não dão universalidade para isso", analisou.

"Porque ao dar universalidade para isso, eles vão ter que lidar com a transformação dessas pautas em parte fundamental de um projeto nacional de desenvolvimento", defendeu. Para ele, essa parte da esquerda não trabalha com "esse nível de análise" muito por conta da influência de "ONGs ligadas aos partidos social-democratas europeus e ONGs americanas". Ele cita, por exemplo, a organizações Open Society e Fundação Ford, que para ele exercem um papel "que afeta diretamente a nossa soberania nacional".

"Cumprem um papel de intervenção na nossa subjetividade, no pensamento de esquerda no Brasil, e que é uma subjetividade que desloca tanto uma visão consequente de socialismo, ou seja, que observa a China como algo a ser estudado, quanto a centralidade da questão nacional. E não dá para pensar esquerda digna desse nome sem que seja uma esquerda patriótica, e que reivindique, e que desmascare o Bolsonaro e o bolsonarismo a partir da questão nacional, ou seja, demonstrar que o Bolsonaro e o bolsonarismo não são patriotas, muito pelo contrário, eles são entreguistas, e que eles têm ódio ao povo e ao Brasil, tanto é que eles fogem para Miami quando tem algum problema, não é? Então, acho que existe essa questão subjetiva a ser enfrentada", concluiu Jabbour. 

Confira a entrevista completa do geógrafo Elias Jabbour ao Fórum Onze e Meia

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