Em entrevista à edição do Jornal da Fórum desta segunda-feira (16), o doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Fábio Kerche comentou sobre os desafios enfrentados pelo governo Lula na reconstrução democrática do Brasil três anos após o governo Bolsonaro e a polarização política.
Autor do livro recém-publicado "Governo Lula 3: Reconstrução democrática e impasses políticos", que reúne 35 capítulos e análises de 55 pesquisadores acerca dos dois primeiros anos do atual governo, Kerche traçou insights importantes sobre a "aparente queda" de popularidade presidencial, amplamante vendida pela mídia liberal, o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos golpistas e da estabilização democrática e as ameaças da extrema-direita.
Segundo ele, as variações de popularidade do presidente Lula não são um fenômeno brasileiro. "A perda de popularidade de presidentes, os índices de aprovação de presidentes que são menores do que no passado, não é um fenômeno exclusivo brasileiro", afirmou o cientista político, destacando que em diversos países, especialmente na América Latina, os presidentes estão "menos populares do que se costumava" no passado recente.
No entanto, para ele, é preciso ter cautela ao analisar as pesquisas de opinião.
"Precisamos ter um pouco de calma com essas pesquisas. Primeiro que o parâmetro é outro. Lembrando que o Lula terminou o governo, o seu segundo mandato com mais de 80% de popularidade. Esses números não se repetem mais, não apenas no Brasil, como na América Latina"
Kerche alerta ainda que, embora as pesquisas indiquem algum grau de insatisfação isso não é definitivo.
"Não está condenando o governo Lula a algum tipo de fracasso ou incapacidade de pleitear e conseguir um novo mandato. O jogo está aberto"
Lula é candidato forte; extrema direita está sem nome
O cientista político avalia que o presidente Lula é um candidato forte para as próximas eleições. "Eu acho o presidente Lula é competitivo para as eleições", afirmou. Segundo ele, a dinâmica eleitoral ainda pode mudar consideravelmente até 2026, mas um ponto crucial levantado é a situação da extrema direita brasileira.
Embora o nome de Jair Bolsonaro ainda apareça em pesquisas, o cientista político reforça que o ex-presidente não é candidato, independentemente de futuros previsões das pesquisas de intenção de voto.
"O Bolsonaro já está fora das eleições. E a questão agora é quem vai ocupar esse lugar", pontuou. A extrema direita busca um nome forte para a disputa e candidatos outsiders a fim de fomentar a base.
Índices econômicos e combate à corrupção
Apesar da flutuação nos índices de aprovação, Kerche sublinhou que há dados econômicos positivos. A prévia do PIB divulgada pelo Banco Central, registrou um crescimento de 0,22% em abril, o dobro do esperado pelo mercado, e um acumulado de 4,4% nos últimos 12 meses.
O Boletim Focus também ajustou para cima a projeção de crescimento do PIB para 2,2% e reduziu a projeção de inflação para 5,4%. "O importante é a tendência que eles estão registrando para cima o crescimento e e o e a inflação para baixo. A inflação do último IPCA mostrou queda da inflação com com sobretudo a queda na inflação de alimentos que despencou", destaca.
Para Kerche, a percepção sobre corrupção política também está distorcida e tem sido associada a ações do governo, como as de combate às fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). "É curioso, né? Porque o governo que combate [a corrupção], ele às vezes aumenta a percepção de corrupção, o que é um incentivo muito perigoso, porque parece que é mau negócio combater a corrupção pro governo."
Ele argumentou que, ao levantar o tapete e expor a sujeira, o governo é ironicamente culpado. "Na verdade, a gente devia exaltar os governos que atuam, que combatem a corrupção", defendeu o professor. Kerche criticou os índices de percepção de corrupção, como os usados pela Transparência Internacional, por não diferenciarem o combate efetivo da percepção gerada pela exposição. "Em vários momentos, quanto mais se combate a corrupção, aumenta-se a percepção da corrupção", diz.
Ameaças de golpismo após julgamento
A entrevista também abordou as recentes declarações do senador Flávio Bolsonaro (PL), o filho "01" do ex-presidente, que insinuou a imposição de uma "anistia" ou "indulto" ao STF. Fábio Kerche expressou grande preocupação com as falas e destaca que a democracia está acima de qualquer ameaça.
"Essa declaração mostra que eles só entendem essa regra do jogo. Eles não respeitam a regra do jogo da democracia", disse.
Houve nos ultimos anos a derrocada de uma direita moderada por uma extrema-direita sem compromisso com a democracia, segundo o professor. "É muito triste que nos últimos anos no Brasil, a disputa saudável entre uma direita moderada e uma esquerda moderada, que são projetos de país, visões da economia, que faz parte do jogo, tenha se transformado. Essa direita moderada foi substituída por uma extrema-direita que claramente não tem compromisso nenhum com a democracia."
No entanto, ele também apontou para a resiliência da democracia brasileira.
"A democracia brasileira deu uma resposta ali a essa extrema-direita, a esses que tentaram o golpe. A gente mostrou uma resiliência", afirmou.
Ele alertou, contudo, que a ameaça persiste e que é preocupante que "alguém se use e essa talvez seja o novo tipo de quebra da democracia é que se usa das regras da própria democracia para tentar rompê-la".
Sobre o Supremo Tribunal Federal, Kerche destacou seu novo protagonismo na governabilidade. Ele explicou que o "presidencialismo de coalizão" mudou, com o Congresso Nacional conquistando fatias significativas do orçamento e o presidente tendo "menos instrumentos para atrair o congresso".
Nesse cenário, o STF assumiu um papel mais ativo. "O STF está cumprindo um papel diferente do que cumpria antes. Hoje ele tem um papel mais atuante na governabilidade, justamente porque o presidente está tendo mais dificuldades para construir maiorias no congresso", observou. Embora isso seja positivo no curto prazo para a estabilidade, Kerche ponderou que, a longo prazo, o ideal seria a governabilidade ser construída pelos atores eleitos.
'Governo precisa pensar fora da caixinha' com comunicação nas redes
Ao final da entrevista, Fábio Kerche abordou a necessidade de o presidente Lula se adaptar à comunicação na era digital, especialmente diante da atuação rápida da extrema-direita nas redes sociais. "O governo tem que pensar um pouco fora da caixinha", defendeu. Ele reconheceu a dificuldade de competir com uma "extrema-direita" que "não tem nenhum limite", mas enfatizou o potencial comunicativo de Lula como governante.
"O Lula é um grande comunicador. É inegável. Ele é a política brasileira nos últimos anos é Lula e a gente vê o resto. Ele é um grande personagem da história brasileira e parte disso é porque ele tem uma facilidade de comunicação imensa"
Assista a entrevista completa no Jornal da Fórum