A inteligência artificial já escreve textos, responde e-mails, recria vozes humanas e sugere como devemos nos comportar, vestir ou nos comunicar. Mas será que, em algum nível, ela também nos ensina o que significa “ser homem”? Essa é uma pergunta incômoda, e urgente, num mundo em que algoritmos moldam comportamentos, identidades e afetos.
A masculinidade sempre foi uma construção social, histórica e cultural. Nunca existiu um único modelo de homem, mas sim convenções de masculinidade que mudam com o tempo e o contexto.
Ainda assim, por séculos, prevaleceram narrativas que associavam o masculino à força e competitividade, ao silêncio emocional, ao poder e ao controle. A questão que se impõe agora é: os sistemas de IA estão ajudando a desconstruir esses padrões ou os estão perpetuando?
Grande parte dos algoritmos que regem o mundo digital foi treinada com base em dados históricos, enviesados e majoritariamente masculinos perpetuando uma lógica patriarcal. Isso significa que a IA pode reforçar estereótipos antigos de gênero que tem sido amplamente debatidos dentro dos movimentos sociais.
Por outro lado, a IA também abre brechas. A simulação de empatia algorítmica em assistentes virtuais, a criação de chatbots que oferecem acolhimento emocional e a crescente presença de influenciadores digitais com discursos mais plurais mostram que a tecnologia pode ser uma aliada na construção de novos imaginários sobre o que é ser homem. Até que ponto isso revelará mudanças no que se considera ser homem, ainda não sabemos. A IA pode servir como espelho, mas também como lupa, revelando contradições, tensões e possibilidades de transformação.
Mais do que se perguntar se as máquinas saberão simular as emoções humanas, é hora de refletir se nós, homens, saberemos reprogramar nossas próprias emoções na era das máquinas e de domínio digital. A masculinidade do futuro não será apenas aquela que domina a tecnologia, mas a que é capaz de usá-la para escutar, dialogar, aprender e cuidar.
Em tempos de avanços tecnológicos e em que a inteligência artificial se impõe como um mecanismo inescapável, talvez seja importa seja questionar não sobre o que a IA fará conosco, mas o que faremos de nós mesmos com ela ao nosso lado.
*Ruy Conde é CEO da It Comunicação Integrada, estrategista em reputação e estudioso dos impactos da inteligência artificial na comunicação. Em 2023, participou da elaboração da primeira Declaração de Princípios de Direitos Humanos sobre Inteligência Artificial no Mercosul, aprovada na 42ª Reunião de Altas Autoridades sobre Direitos Humanos (RAADH), em Brasília.
**Fábio Mariano, cientista social. Pesquisador do tema das Masculinidades. Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da Fundação São Paulo (Fundasp). Membro dos grupos de pesquisa Inanna -PUC-SP e CÓCCIX - USP. Foi Diretor de Promoção de Direitos Humanos no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.