Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (15), o jurista Pedro Serrano comentou sobre a condenação de Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e a impossibilidade do projeto de anistia proposto por parlamentares aliados do ex-presidente ser colocado em prática caso seja aprovado no Congresso Nacional.
Serrano afirmou que, mesmo que a Casa Legislativa aprove o projeto, ele só servirá para criar crise entre o Congresso e o Judiciário. O jurista explicou os vários fatores que tornam impossível a garantia de uma anistia a Bolsonaro e outros condenados pela trama golpista. O primeiro deles é o fato de a democracia estar assegurada na Constituição como uma cláusula pétrea. "Você pode ter votação para tudo na democracia, mas você não pode ter uma votação na democracia para acabar com a democracia, instaurar uma ditadura. Não existe isso, né? A democracia não permite outro regime político que não ela", esclareceu.
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Isso significa que não pode haver emenda constitucional que tenha qualquer tendência para abolir o regime democrático. "Ora, a democracia é uma forma de Estado, de regime político. Regime político significa fundamentalmente o exercício do poder político. Você pode estabelecer sanções penais por crimes. O Estado pode usar da violência para impor suas regras – uma violência legítima. Quando você anistia um crime contra a democracia nessa situação, você está reduzindo o alcance do regime democrático. Então, essa lei é inconstitucional porque ofende a cláusula pétrea, esse é o primeiro argumento, que é material mesmo", destacou.
Já o segundo argumento, que foi debatido no livro do próprio Serrano, "O Desvio de Poder na Função Legislativa", diz respeito ao fato de que "qualquer lei que tiver destinatário certo, como é o caso da anistia, pode ser vitimado por desvio de finalidade por ausência de motivo, coisas que são típicas da atividade administrativa, não da atividade legislativa", afirmou o jurista. Além disso, Serrano ressaltou que a anistia se volta a perdoar atos de organização política ilícitas e criminosas do passado. "Hoje, a mesma organização criminosa está ameaçando o Brasil e coagindo ministros do Supremo, inclusive através do presidente do Estado mais poderoso do mundo. Essa organização criminosa ainda está em atividade. Portanto, não há que se cogitar anistia, anistia é para coisas do passado, não para uma organização que ainda está em atividade", declarou.
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"O Brasil está sujeito a sanções econômicas porque não inocentou Bolsonaro. O Brasil tem sido ameaçado de ter outras sanções pelo presidente e pelo governo mais poderoso do mundo se não anistiar Bolsonaro. Brasileiros assumem publicamente que estão estimulando o governo americano a fazer isso, inclusive um brasileiro da família Bolsonaro. Ora, essa organização, portanto, ainda está em atividade. O golpismo não parou. O golpismo não acabou em 8 de janeiro. Ele está ocorrendo aí", afirmou Serrano.
O jurista acrescentou, portanto, que "não se pode cogitar de anistia, porque não é passado". "Não existe anistia para o presente", disse.
Por fim, outro fator mencionado pelo jurista que torna a anistia incondicional, é a motivação em torno do projeto. "Há uma clara declaração nos debates e nas motivações do projeto de anistia que mostram claramente que a finalidade que ele está querendo cumprir não é perdoar. O que ele está querendo cumprir é substituir o Judiciário pelo Legislativo num juízo de justiça. É dizer que houve uma decisão errada do Judiciário a condenar Bolsonaro", explicou Serrano. "Isso é vulnerar a competência do Judiciário, é praticar um desvio de poder", apontou o jurista, que reforçou que essa conduta configura uma "inconstitucionalidade por desvio de poder".
Voto de Fux é "equivocado e sem base técnica"
Serrano também falou sobre o voto divergente do ministro Luiz Fux, que optou por inocentar Bolsonaro negando a existência da trama golpista e afirmando que o STF não teria competência para julgar o caso, mesmo depois de ter defendido essa competência em mais de 1.600 processos que condenam mais de 400 pessoas pelos atos golpistas de 8/1. O jurista afirmou que desvia "intensamente" de tudo o que Fux argumentou durante o voto.
"Acho que foi um voto divorciado das provas que estão postas no processo. Veja, nem a defesa se empenhou em ficar tentando descaracterizar a existência do crime, porque há prova abundante. As defesas se empenharam mais em negar a autoria, o vínculo dos seus clientes com os fatos criminosos, porque a prova é abundante da materialidade do delito, que houve delito de tentativa de golpe no Brasil por uma organização armada", afirmou Serrano.
O jurista ainda analisou que algumas questões levantadas por Fux foram "equivocadas", como por exemplo a defesa de que o Supremo não teria competência. "Veja, primeiro que a tentativa de golpe envolveu espionagem do Supremo, organização de um homicídio de um ministro Supremo. E quebrou a sede do Supremo. Ou seja, cometeu crime dentro da sede do Supremo. Há uma regra do regimento interno que diz: quando se comete crime na sede do Supremo é o Supremo quem tem a competência até para investigar, quanto mais no processo, até para comandar a investigação. Está escrito. Não é nada novo, não é nada que tenha sido feito por causa do Bolsonaro", esclareceu.
Ele defendeu que colocar o caso para ser julgado por um juiz de primeiro grau iria "anarquizar" o sistema. "Você vai ter um juiz de primeiro grau de piso podendo ordenar ao presidente do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que remeta documentos, que remeta as imagens que filmaram dentro do prédio. Quem é o juiz de primeiro grau para ordenar algo ao presidente da Suprema Corte do país? Isso não existe em nenhum lugar do mundo", afirmou Serrano.
"Todos os crimes cometidos no interior de uma Suprema Corte, em qualquer lugar do mundo democrático, são apurados por ela e são processados por ela, porque não tem no sistema a jurisdição. O Judiciário é hierarquizado. Um tribunal inferior tem sempre a sua decisão superada pela decisão do tribunal superior e é obrigado a obedecer a decisão do tribunal superior", completou o jurista.
Nesse sentido, Serrano afirmou que o voto do ministro Fux foi "equivocado" e "sem base técnica".
O jurista também comentou sobre o argumento de que as penas foram exageradas e relembrou que a pena para tentativa de golpe de Estado no Reino Unido, Canadá, Alemanha, Argentina e na França, por exemplo, pode chegar à prisão perpétua.
Confira a entrevista completa do ministro Luiz Fux ao Fórum Onze e Meia
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