O dia 21 de setembro de 2025 vai ficar marcado na História brasileira como o dia em que milhares de pessoas tomaram as ruas em dezenas de cidades brasileiras para protestar contra a chamada PEC da 'Bandidagem', proposta que busca limitar investigações sobre parlamentares, e a anistia aos golpistas, defendida pelos condenados e aliados políticos de Jair Bolsonaro.
O caráter moral do movimento ainda fez com que os protestos ultrapassassem mobilizações extremistas pela primeira vez, atraindo uma participação ampla da população brasileira de uma forma geral, além da presença simbólica e histórica de artistas que resistiram à ditadura militar há 57 anos, em uma das maiores manifestações democráticas já ocorridas no Brasil desde o agravamento da polarização política e a crise entre as instituições.
Em entrevista à Fórum, a advogada feminista e antirracista e conselheira da OAB/SP Thais Cremasco avalia que a mobilização também marca um momento de retomada da pauta anticorrupção pela esquerda, mas sob novas bases. Segundo ela, o tema da corrupção na política, que ganhou adesão popular na década de 2010, foi capturado e instrumentalizado pela extrema direita após o impeachment de Dilma Rousseff, servindo como justificativa para perseguições políticas na Lava Jato e o enfraquecimento das instituições democráticas nesses últimos 10 anos.
“O que vemos agora é um resgate desse tema pela esquerda em diálogo com a defesa da democracia, dos direitos sociais e da transparência, sem cair no punitivismo seletivo da Lava Jato”, disse Cremasco à Fórum.
Para Thaís, que também cofundadora do Coletivo Mulheres pela Justiça, os atos deste domingo não se limitam à rejeição da proposta que busca blindar parlamentares de processos judiciais, pois possuem um recado político forte. "Uma reafirmação de que o combate à corrupção precisa estar atrelado ao fortalecimento das instituições, ao respeito ao devido processo legal e à proteção das políticas públicas”, afirmou.
Imagens feitas pelo jornalista Luiza Carlos Azenha, da Fórum, e divulgadas com exclusividade pela revista, mostram que também foram levantados cartazes pelo fim da escala 6x1 e pela isenção do imposto de renda na avenida Paulista, junto a críticas direcionadas ao atual governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), além de críticas às tentativas de interferências externas de Donald Trump na economia e articulações de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos.
"Em vez de criminalizar a política, o tema é recolocado como parte de um projeto democrático de reconstrução nacional, que enfrenta tanto a corrupção quanto as desigualdades estruturais", diz Cremasco.
Com shows de artistas brasileiros conhecidos do MPB e do samba, entre eles Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Daniela Marcury, Marina Sena e Maria Gadú, além de Anitta, e outros inúmeros nomes da música brasileira das décadas de 60 e 80, os atos ganharam um tom nostálgico, democrático e ao mesmo tempo simbólico, refletindo o passado no presente e o presente no passado, desde as cicatrizes da censura e da disseminação dos discursos de ódio. Para Thais Cremasco, essa participação tem um peso humano determinante.
Arte e cultura como respostas atemporais
“O movimento que reúne artistas neste momento tem um peso simbólico enorme, porque mostra que a democracia não se defende apenas nas instituições, mas também na cultura e na memória coletiva”, destacou Cremasco à Fórum sobre a união de diferentes gerações no movimento com a presença dos cantores.
Ela observa que a ascensão da extrema direita no Brasil dialoga com fenômenos internacionais, como o trumpismo nos Estados Unidos, que se consolidou a partir do slogan “Make America Great Again”, uma evocação de um passado excludente, marcado pelo racismo e pela desigualdade. No Brasil, esse discurso encontra ressonância no saudosismo da ditadura militar, muitas vezes retratada de forma distorcida como período de "ordem" e "prosperidade", quando na realidade foi marcada por censura, perseguição, tortura e assassinatos.
“É nesse ponto que as manifestações artísticas se tornam fundamentais: elas oferecem uma contra-narrativa potente, lembrando que não podemos romantizar passados autoritários que só trouxeram violência e violações. A arte fala diretamente ao imaginário coletivo, mobilizando consciências de forma única e mostrando que democracia se constrói com memória crítica, diversidade e participação.”, destaca.
O contexto atual, marcado pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de militares envolvidos em tentativa de golpe, pela tramitação da PEC da Blindagem no Congresso e pela influência internacional do trumpismo, torna essa mobilização cultural ainda mais relevante, posicionando o Brasil como um dos maiores exemplos de democracia no mundo, no mesmo ano em que venceu um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por um filme que falava sobre memória e justiça histórica.
“Diante desses desafios, os artistas reafirmam que a resistência democrática está viva. Mais do que rejeitar retrocessos, eles apontam para um futuro inclusivo, plural e igualitário, lembrando que a verdadeira grandeza de um país não está no passado autoritário, mas na capacidade de projetar uma sociedade mais justa e democrática”, completa Cremasco.