A Direita e o projeto de construção do ódio no Brasil

O ódio à esquerda, principalmente ao PT, é uma construção política, com grande apoio dos empresários e dos meios de comunicação que se inicia em 1980

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Por Solange Massari* O avanço do pensamento e das ações da direita conservadora no Brasil concretizaram-se nas eleições de 2018 para a Presidência da República do Brasil e para os diversos Governos de Estado. O ódio à esquerda, principalmente ao PT, é uma construção política, com grande apoio dos empresários e dos meios de comunicação. No entanto, apenas afirmarmos isso concretiza-se como uma análise superficial e de senso comum e, portanto, é preciso compreender essa construção que se inicia em meados de 1980, logo após a abertura para a construção de um País Democrático. As manifestações reacionárias foram sendo construídas a partir do discurso de ódio às minorias, à precarização dos serviços públicos para o clamor que tudo se torne privado, ao ataque aos sindicatos e, ultimamente, à demonização dos professores como destruidores das famílias devido a "doutrinação" dos estudantes. Nesse sentido, é preciso compreender tais manifestações e como foram sendo construídas bem antes de 2015 com o golpe que retirou a presidente Dilma Rousseff do cenário. A ação político-ideológica tem uma nova forma de operar. Uma direita atualizada, truculenta, com uso das redes sociais e com a criação de diversos espaços para aglutinar sua militância, cooptando a juventude, que atua cotidianamente nas redes sociais, atingindo um público bem maior, com mais agilidade e que se identifica com a linguagem virtual. Em 1983, frações da burguesia e intelectuais, ligados à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, pautados na Escola Monetarista de Chicago, fundam o Instituto Liberal - IL, tendo por objetivo difundir o pensamento liberal. Em 1984, surge o Instituto de Estudos Empresariais - IEE em Porto Alegre, possuindo como objetivo propagar o pensamento conservador. Este, com a responsabilidade da organização de um dos maiores eventos da direita no Brasil que foi o Fórum da Liberdade, e com a participação de liberais de todo mundo, tornou-se o ápice para a constituição de grandes aparelhos ideológicos. Na década de 90, há um agrupamento dos grandes empresários e industriais com vistas nas reformas neoliberais e, com isso, surge o Instituto de Estudo para o Desenvolvimento Industrial - IEDI, fundado em 1989 em São Paulo, e o Instituto Atlântico - IA, fundado em 1993 com sede em SP e RJ. Ambos têm em seus ideais, discursos e ações o amparo da economia de mercado, bem como o projeto de dominação da classe trabalhadora. Para tanto, ambos estão atuando por dentro das estruturas das instituições do Estado. Os anos 2000 são o ápice da organização da direita. Diversos são os movimentos e institutos que vão se criando, tomando formas e projetando uma gama de pessoas na vida pública, possibilitando a conquistas de espaços em Assembleias, Câmaras e Congresso. Vamos observar algumas datas, organizações e seus reflexos para o que ocorre na atualidade. No Rio de Janeiro, em 2004, o Movimento Brasil Competitivo passou a ser reconhecido como OSCIP, sendo constituído e organizado por empresários, entre eles Jorde Gerdau, que também é dirigente do II, do IEE, do IEDE, do LIDE e IMIL, sendo que Gerdau até então era considerado um intelectual orgânico da burguesia. Nesse período, o MBC possui membros em Ministérios indicados pela Casa Civil, no entanto, a função deste é difundir uma proposta moderna de um Estado enxuto e com participação do setor privado. Em abril de 2006, na cidade de Porto Alegre, acontece o XIX Fórum da Liberdade com participação do Instituto Millenium - IMIL. A ênfase está na apologia ao mercado para realização humana. Entre os apoiadores há jornalistas, colunistas, editores de jornais e o diretor da maior rede de televisão, a TV Globo, além de diversos empresários das diversas universidades particulares espalhadas pelo Brasil. Já no Fórum da Liberdade, em 2010, há o nascimento de um novo e forte aliado: o Instituto Mises Brasil - IMB. Este tem em suas propostas ortodoxas a referência da doutrina neoliberal austríaca. Como princípio a valorização do mercado, o Instituto fortalece o menosprezo a tudo que seja público e institui no discurso o conservadorismo cultural. Com as instituições de ensino privado fazendo parte destas ações conservadoras e de destruição do Estado, em 2012, no Fórum da Liberdade, é lançado o Estudantes pela Liberdade - EPL, com caráter doutrinário. Entre seus fundadores, está o gaúcho Fábio Ostermann, dirigente do Instituto e Liberdade, do Ordem Livre e colunista do Instituto Millenium. Essa organização é o berço do Movimento Brasil Livre - MBL. O ERP, financia, organiza e estabelece as linhas de ações, pontuando a atuação política e ideológica do MBL. Nesse sentido, o MBL tem como missão divulgar vídeos, fake news, proferir discurso de ódio, promover manifestações, viabilizar candidaturas e torna-se a marca da nova (velha) direita, além de passar a contestar o papel do professor e de maneira análoga ao fascismo, passam a proferir em suas redes a destruição das famílias pela doutrinação dos professores em sala de aula, tornando-os "monstro" e questionando a liberdade de cátedra. Diversos são os aliados do Instituto Atlântico, entre eles o Instituto Millenium e o Grupo Líderes Empresariais - LIDE, fundado em 2013 pelo então empresário João Dória. O papel principal do LIDE é articular para que empresários passem a fazer parte do cenário político e para a busca do Estado Mínimo, entregando as riquezas e as empresas públicas para a iniciativa privada. Além disso, convém citar os grupos CANSEI, Endireta Brasil e o Vem pra Rua. O CANSEI têm como apoiadores vários membros da OAB e o empresário João Dória, mas foi extinto em 2007. Ademais, o Endireta Brasil, formado por jovens advogados com ligação direta ao agronegócio desde 2006, atua para manter os conflitos com indígenas, quilombolas e sem-terras, mesmo não tendo muita expressão em protestos de rua. Atualmente, não é um grupo expressivo, mas contribuiu muito para os desmontes da máquina pública. Dessa maneira, o cenário entre 2005 - 2006 mudou positivamente para a direita, quando colunistas e comentadores passaram a ser cada vez mais ferozes e agressivos em suas denúncias de escândalos de corrupção na gestão petista. Mesmo com suas manifestações com poucos apoiadores nas ruas, personalidades como Lobão e Eduardo Bolsonaro foram progressivamente contaminando a sociedade e passaram a divulgar alguns slogans, entre eles o "corruPTos", por exemplo. No entanto, ao longo desse processo, favorecido pela ascensão das redes sociais, esses protestos foram ganhando adesões e, em 15 de Março de 2015, o MBL, o Vem Pra Rua e os Revoltados Online conseguiram levar para a Avenida Paulista milhares de pessoas vestindo verde e amarelo que, aos berros, louvaram a Operação Lava-Jato, bem como faixas "Somos Todos Cunha". É possível afirmar, que essa onda da direita é uma resposta dada pela esperança que tornou-se ódio. Saímos de uma situação de pobreza, passamos a consumir e retornamos à pobreza novamente. Assim, em pleno século XXI, a fome retornou em muitos lares, a violência urbana cresceu, bem como acirrou a violência no campo e hoje muito mais nas aldeias, somado ao abandono da coisa pública, das privatizações e da entrega das nossas riquezas é explícito. Além disso, as queimadas tomaram conta das nossas matas, pois o descaso com a natureza é uma marca do atual Governo, como foi possível observarmos no derrame de óleo que atingiu mares, rios, manguezais, afetando centenas de vidas e comprometendo todo o ecossistema marinho de forma direta, incluindo peixes, tartarugas, baleias, frutos do mar, corais, aves e mamíferos aquáticos, além disso, há impacto para a população que vive da pesca e coleta de frutos do mar. É válido ressaltar que essa direita construída a partir do final da década de 80 não tem hegemonia ideológica, apesar de expressar contradições e conflitos inerentes a qualquer grupo, porém o único ponto em comum é manter a garantia dos interesses do capital. O perigo real é iminente. De fato, sairemos do ódio ao PT e da esquerda para sermos erroneamente categorizados como terroristas. A esquerda, por fim, não pode se colocar como surpresa e assustada, porém é urgente reinventar-se na defesa e na resistência da luta pela democracia e pela vida dos movimentos sociais e dos partidos políticos postos como inimigos da nação brasileira. Como iremos resolver toda essa contradição que está posta no Brasil?   *Professora Mestre e Assistente Social Fonte de pesquisa: O Ódio Como Política. A Reinvenção da Direita no Brasil - Autoria de Esther Solano - out 2018