Auxílio Brasil: Entenda porque o programa de Bolsonaro é pior que o Bolsa Família

Sem lastro no orçamento, Auxílio Brasil será pago com arrolamento da dívida pública no ano eleitoral de 2022 e acaba com a perenidade do Bolsa Família, criado em 2004 pelo governo Lula

Lula e Jair Bolsonaro (Montagem)
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Eleito desdenhando do Bolsa Família, classificado por ele como "mentira", "demagogia", "farelo" e "esmola", Jair Bolsonaro (Sem partido), busca um benefício social para chamar de seu com o Auxílio Brasil, tentando apagar da memória da população mais pobre - e da parte mais preconceituosa de seu eleitorado - a referência ao maior programa de transferência de renda no mundo, criado no primeiro mandato de Lula, seu principal adversário na disputa presidencial em 2022.

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Poucas horas após a Câmara aprovar a PEC dos Precatórios - em manobras sucessivas de Arthur Lira (PP-AL) sobre a base cooptada pelo governo -, Bolsonaro foi às redes comemorar o "decreto que regulamenta o Auxílio Brasil, substituindo o Bolsa Família e trazendo ampliação em seu escopo".

A comemoração se deu após a manobra permitir que parte da dívida pública seja arrolada, abrindo espaço no orçamento para garantir o pagamento de apenas um ano - o eleitoral 2022 - do benefício.

A total ausência de lastro financeiro no orçamento é uma das principais lacunas que fazem do programa uma cópia malfeita e desastrosa do Bolsa Família, que foi extinto com mais de 14,7 milhões de beneficiários.

Sem o Bolsa Família e sem dinheiro para a perenidade de seu programa, Bolsonaro terá que abrir lacunas no orçamento ano a ano, caso seja reeleita e decida manter o Auxílio Brasil.

O próprio presidente sinaliza que não deve estender o programa dizendo que o benefício é "resultado do 'fique em casa que a economia a gente vê depois' aplicado por muitos governadores e prefeitos", que fez "urgente auxílio aos mais necessitados".

Com a PEC dos Precatórios, o governo burla a Lei de Responsabilidade Fiscal para pagar por apenas um ano o benefício, acabando com a perenidade mantida pelo Bolsa-Família desde 2004.

"Para isso, seria necessário apontar a fonte de financiamento. Você não pode criar uma nova despesa sem fonte de financiamento que dê sustentação. Então, ele está tentando fazer um "passa-moleque" nos órgãos de controle e no parlamento. Ele vai tentar usar essa expansão como argumento para dizer que ele não vai criar nova despesa. Mas essa expansão do Bolsa Família nem foi implementada. Nunca foi paga. Toda essa manobra coloca em risco a transferência de renda e não existe segurança para sua continuidade para além de 2022", disse a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, ao portal Uol.

Bolsonaro cria própria linha da pobreza

Outra inconsistência do Auxílio Brasil diz respeito à definição de renda das famílias beneficiadas, que ignora a linha de pobreza definida pela ONU e a própria inflação.

Em seu decreto, definiu que famílias com renda per capta de até R$ 100 mensais passarão a ser consideradas em situação de extrema pobreza e famílias com renda per capta de até R$ 200 por mês serão consideradas na de pobreza.

Os valores não coincidem com a definição da ONU, que considera extrema pobreza as pessoas que vivem com US$ 1,9 por dia (ou cerca de R$ 172 mensais), que era usada pelo Bolsa Família. Além disso, o governo não atualiza de acordo com a inflação os valores estipulados durante o governo golpista de Michel Temer, que beneficiava famílias com renda mensal per capita de até R$ 178.

"Hoje, a linha de extrema pobreza para países em desenvolvimento pobres é de US$ 1,9 por dia, ou seja, o equivalente a R$ 172 mensais. Esses seriam valores ainda baixos para o Brasil. De acordo com um recente estudo do Banco Mundial, a linha de extrema pobreza no Brasil deveria estar em torno de R$ 300", diz a ex-ministra.

Tereza Campello ainda ressalta que o Auxílio Brasil deve ter um repasse médio de R$ 217, quase metade dos R$ 400 prometidos e propalados por Bolsonaro.

"Para entender o tamanho do problema social que será gerado com o Auxílio Brasil temos que compará-lo com o Auxílio Emergencial e não com o Bolsa Família, que na prática está congelado. O Auxílio Emergencial tem 39 milhões de famílias e benefício médio de mais de R$ 250. Portanto, na prática, o governo está reduzindo o benefício além de excluir mais de 20 milhões de famílias", disse.

Penduricalhos indefinidos e uso eleitoral

Em sua publicação no Twitter, Bolsonaro ainda afirma que o "Auxílio Brasil integra várias políticas públicas de inserção socioeconômica, possibilitando às famílias o aumento do valor do benefício básico".

No entanto, o decreto que cria o benefício não explicita o valor e nem os critérios para repasse dos penduricalhos como "Benefício Primeira Infância", "Benefício Composição Familiar", "Benefício de Superação da Extrema Pobreza".

Na prática, a solicitação de penduricalhos pode travar o pagamento do benefício mínimo para famílias.

Além disso, Bolsonaro não definiu critérios de quem na família vai receber o benefício. No caso do Bolsa Família, as mães recebiam o dinheiro, o que possibilitou a emancipação de muitas mulheres vítimas de violência doméstica.

Por fim, o Auxílio Brasil mostra-se um programa de retalhos, que serve somente aos interesses eleitoreiros de Jair Bolsonaro que, no fundo, segue acreditando que o Bolsa Família é "mentira", "demagogia", "farelo" e "esmola".

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