Caetano canta para Mestre Moa, morto pelos “discursos entoados de tortura, de terror”

A canção liga o ato do assassino aos “discursos entoados de tortura, de terror”. E o interlocutor, que já havia antecipado que se multiplicava em mil, milhões, se coloca na terceira pessoa do plural como “suas pernas, suas mãos”. Veja o clipe aqui

Caetano. Foto: Reprodução YouTube
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Caetano Veloso gravou assim, de estalo, do fundo do fundo de sua indignação, uma canção em homenagem a Mestre Moa do Katendê, capoeirista assassinado com doze facadas por um apoiador do candidato Jair Bolsonaro (PSL), no domingo (7) do primeiro turno das eleições, logo após anunciar seu voto em Fernando Haddad (PT). O vídeo com a composição, acompanhado por imagens de Caetano no estúdio, arquivos de Mestre Moa e cenas de homenagens ao capoeirista pelas ruas de Salvador (BA) se espalhou em comoção pela internet desde a noite desta quarta-feira (18). Compor uma canção assim, no calor dos fatos é uma faca de dois gumes. Poucas vezes dá certo e a chance da emoção fácil, da pieguice é tamanha. Mas este, absolutamente, não é o caso. Outro dos mais conhecidos e certeiros é o de “Ohio”, composição de Neil Young feita em poucos minutos e gravada imediatamente, logo após o compositor ver fotos na Time Magazine de quatro estudantes mortos em manifestações na Universidade de Ken Station, em 1970. A canção virou um hino e é relembrada até hoje. Assim como Neil Young, Caetano é Caetano e os fatos também não são poucos. O lendário artista baiano tem o nome, poder, talento e prestígio suficientes para entoar a canção de Sandra Simões, Gabriel Povoas e Alfredo Moura e transformá-la em lenda e alerta mais uma vez, para os que se iludiram que isso não seria jamais necessário. Com versos que se desencadeiam entre causa e efeito, os compositores forjaram um hino instantâneo, muito mais do que homenagem merecida ao artista brutalmente assassinado, uma ode à paz e desprezo pela covardia e autoritarismo. A canção liga, com maestria, o ato do assassino aos “discursos entoados de tortura, de terror”. E o interlocutor, que já havia antecipado que se multiplicava em mil, milhões, se coloca na terceira pessoa do plural como “suas pernas, suas mãos”. O samba de roda desfia a coreografia da capoeira para, ao final, na dança dos escravos da Bahia, secularmente perseguida, se anunciar “a voz” do mestre para vencer o “seu algoz”. Tudo desfila sobre imagens de capoeiras negros e seus berimbaus, ogãs, gentes de santo e as tranças de Mestre Moa. A força que a opressão de séculos a faz cada vez mais forte.   Mestre Moa De Sandra Simões, Gabriel Povoas e Alfredo Moura   Mestre Moa foi ferido Pelas costas, covardia Logo ele não queria A beleza da Bahia   Mestre Moa, Badauê Derradeira capoeira De um artista, de um erê Triste faca traiçoeira   Mestre Moa tomba morto Tombam nossos corações Nossa história sangra junto Somos mil, somos milhões   Mestre Moa imolado Pelas mãos do opressor Nos discursos entoados De tortura, de terror   Mestre Moa, redenção Nós seremos sua voz Suas pernas, suas mãos Venceremos seu algoz