Chega de dar murros em ponta de faca: por uma economia socialista a partir de baixo

"É preciso construir cooperativas operárias, mercados ligados à agricultura familiar e ao micro empreendedor, setores que geram mais empregos. Uma economia local, paralela à global"

Foto: MST
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A direita mais uma vez conduziu o jogo político a sua maneira. E a esquerda parece que estar aceitando as regras do jogo até que as chances se esgotem... As classes dominantes usaram a velha tática retórica que faz dos seus interesses os interesses de todos.

As grandes corporações midiáticas e as empresas ligadas ao capital norte-americano parecem ter decidido que Lula deve se tornar inelegível. Definiram-no como o principal inimigo de uma política chamada de “retomada da economia” que vende a ilusão de que irá recompor o país. Todos sabem que essa política propõe o enfraquecimento do setor público e a abertura abusiva ao capital estrangeiro, no entanto, esquecem que ela se incumbirá de gerar uma qualidade de emprego precário (aspecto que também foi gerado no governo PT), além de canalizar os lucros das empresas que serão privatizadas para o exterior.

A retórica dessa política só fala que o governo não tem dinheiro para investir e por isso precisa vender. E que os políticos são corruptos, logo não podem administrar empresas. Entretanto, a solução não é trocar o governo, mas privatizar. Todavia, esse plano maravilhoso encabeçado por corruptos não menciona que, com a venda, os lucros também não serão mais nossos, gerando, portanto, uma modernização conservadora dá economia, pois os cidadãos não terão acesso algum à riqueza produzida e serão, novamente, lançados no barco furado do regresso.

A precária distribuição de renda que ocorreu nos governos petistas, como as políticas sociais do Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, cotas universitárias etc., são provenientes, também, dos lucros dessas empresas. É óbvio que houve corrupção, que poderia ter havido uma distribuição melhor de renda, principalmente no que tange educação e saúde que somente um governo de caráter socialista é capaz de fazer, e o PT está longe disso.

Mas a questão é que privatizar, isto é, o projeto político liderado pelos golpistas, vai piorar ainda mais a distribuição de renda e transformar o país em um lugar primoroso para o investimento, mas precário para se viver.

Essa economia política golpista não se importa com quem vive no país, mas com quem investe. São coisas completamente diferentes. Porque quem investe (sendo o capital privado evidentemente) não está preocupado com o tipo de poluente que sua empresa produz, com as condições de trabalho dos seus funcionários, o que interessa é somente o lucro.

Não é função das empresas pensarem na distribuição de renda, mas do governo. Ou seja, com as empresas sendo estatais, a exigência por uma maior distribuição seria mais tangível, mas ao privatizar, como as pessoas vão exigir uma saúde melhor, uma educação digna? De onde sairia o dinheiro para isso? Vivenciaremos um sistema de saúde como o norte-americano? Planos de saúde altos e escolas caras exigiriam um aumento do salário mínimo. Isso aconteceria? Provavelmente não. É realmente isso que o cidadão quer? Porque é exatamente isso que quem conduziu o golpe quer. E dispõe de argumentos sólidos para que igualmente queiramos. Quem reclamava do governo PT por falta de investimento em educação e saúde, sofrerá ainda mais com os dias que virão. Mas a ideologia irá conseguir mais uma vez nos fazer pensar em outras coisas.

Jogar outro jogo

Mas lutar por uma distribuição de renda precária, como era a do governo Lula, não é viável. As elites possuem o controle ideológico através da mídia, o controle policial e do Judiciário, além de influenciar na aprovação das leis. Lutar a favor do que as elites estão investindo intensamente contra é suicídio.

As esquerdas tem duas soluções. Uma (e a mais “conservadora” delas) é aliar-se a um indivíduo que possui uma boa imagem tanto para a esquerda quanto para alguns indecisos. Que não esbanje uma imagem esquerdista de mais (lembrando que a imagem de que Lula é esquerdista radical é uma produção ridícula do golpismo em vigor). Como em Portugal onde o Partido Socialista assumiu o poder tendo apoio mais tarde do PCP e do Bloco Socialista para evitar a volta da direita (lógico que o PCP não deixou de lutar por moradia e saúde de qualidade). Lula seria ideal para isso, no entanto, o golpe fez dele inimigo (já que era necessário culpar alguém). É preciso alguém que apresente uma imagem dissociada da corrupção (um combatente empedernido). A administração de empresas públicas por um líder idôneo pode servir para legitimar (como força ideológica) a manutenção das estatais. Aqui vale a velha lição de Cícero em A República: “Que ele (o príncipe) seja para os outros um modelo vivo: que pela limpidez de sua alma e de sua vida, possa servir de espelho a seus concidadãos”.

Uma outra forma de combate é o investimento em uma economia paralela ao capital, saindo do jogo estrutural. Construir cooperativas operárias, mercados ligados à agricultura familiar e ao micro empreendedor, setores que geram mais empregos. Uma economia local, paralela à global. Se os representantes que se dizem de esquerda investissem nesses aspectos em seus respectivos estados e municípios, alguma transformação na vida das pessoas seria mais realista. Distribuir a renda dando acesso ao trabalho, aumentando, de tabela, o consumo sustentável.

Estamos em uma época de revoluções paralelas e silenciosas e não em uma que admite revoluções estruturais, como no tempo da Guerra Fria. Não temos mais nenhuma potência a nosso favor. É só observarmos o que o grande capital vem fazendo com a Venezuela para tirarmos as nossas próprias conclusões.

O projeto golpista é esboroar a esquerda. O que, observando a história desse seguimento político no Brasil, não é algo tão difícil. O PT conseguiu “dessocializar” a esquerda, direcionando partidos como o PCdoB, PSB e o próprio PT, para a direita, por meio de acordos regionais e estruturais com o agronegócio e com as megacorporações. Agora a missão é dar um golpe fulminante na esquerda com a demonização de Lula, transformando-o no principal protagonista da oposição à política da “retomada da economia”, endeusada. Se até o século XIX a retórica política usada para fortalecer um tipo de govern alinhava um projeto de poder aos rumos da Providência, hoje alinha-se aos rumos do mercado internacional. A esquerda está jogando bem o jogo, não desistindo do ex-presidente até o fim, dando murros em pontas de faca, recorrendo à Justiça viciada e à grandes corporações midiáticas no exterior.

Precisamos imediatamente de outros jogadores, de novas regras e até mesmo de um novo campo de batalha. Lula não representa o socialismo (embora o seu governo tenha sido o menos perverso com as populações mais pobres). Embora Lula seja o candidato mais querido do povo, é necessário admitir que não é o povo que decide na democracia. Precisamos sair desse jogo inventado pelas elites ligadas ao capital financeiro e pensar em algo realmente prático. Por uma economia socialista a partir de baixo... Viva a classe trabalhadora... Lula livre.